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    Arquivo: Edição de 28-02-2007

    SECÇÃO: Cultura


    AVE Jovem

    A MENINA E O ROCHEDO

    Ela correu sem nada seu e foi até um lugar onde ninguém pudesse chegar. Sentou-se numa pedra onde o sol batia e a fazia chorar se olhasse o céu e esperou que ninguém aparecesse para a salvar da solidão. Isolou-se, ali, num lugar onde ninguém jamais a iria encontrar.

    Tal como fazia junto das pessoas, deixou-se ficar calada e séria e com vontade de chorar sangue. De cortar as veias e ver o seu ser fluir pelo chão. Mas sabia que isso era uma derrota mais pesada que a vida e tentou ser forte, afinal, finalmente estava só.

    No silêncio quase silencioso, ouvia palavras de dentro, palavras das brisas, palavras dos pássaros e sentia a água ir e vir, de encontro ao rochedo. O seu rochedo.

    Sem pedidos de ajuda, sem lamentações, ela não viu o tempo passar, mas imaginou que ela passava. A arriba rasgava o mar e mostrava-lhe o horizonte onde ela sabia que moravam as pessoas. Esperava que lá ninguém sentisse a sua falta, pois era demasiado insignificante para alguém notar que ela faltava.

    A noite caía e ela ouvia as guitarras a dedilhar e cantava bem alto, acima de todas as vozes inexistentes e sorria o sol. Sorria a solidão. Ali sabia que estava bem. No seu casulo feito de pedras.

    Os poros arrepiavam quando ela ouvia os pianos e a voz dele por entre as partículas de ar. E sentia-se feliz, demasiado. Por momentos sentia que poderia tocar o céu se quisesse, e que podia estar num plano superior à terra. Como se uma droga percorresse as suas veias e consumisse a euforia.

    Ela corria de um lado para o outro e não sentia o coração pequenino querer saltar das costelas. Não sentia que o vento lhe arrancava gotas enormes e deslizantes e lhe sussurrava ao ouvido palavras poéticas. Que naquele lugar tudo era inventado na sua cabeça e ela poderia esquecer todo o mundo real que durante anos a fez sofrer.

    Não morava mais numa caixa sufocante de regras e convenções. Não teria mais de falar a ninguém nem de mostrar ser alguém.

    Ela não sabia que era a menina mais bonita do mundo, quando corria e sorria assim para o sol, com os seus caracóis claros e soltos no ar, com lágrimas de mel a cair pela pele. Ela sabia que os seus sonhos nunca seriam a sua vida, mas continuava a sonhar, com medo de definhar o mundo e de se definhar a si…

    Por: Daniela Ramalho

    PAPEL DE MÚSICA

    Os meus dedos estão forrados a veludo, e o meu dentro é feito de papel de música. E os meus dedos de veludo envolvem os teus lábios, e dão-te o beijo que eu não te consigo dar. Os meus dedos de veludo, escorrem para a tua pele, lambem--lhe os rastos de açúcar. Deixas-me sedento de ternura. Os meus dedos são forrados a veludo, porque te quero bem. Não quero que eles te rasguem a pele fina e bem feita, quase perfeita de menina. Só quero que eles te aqueçam com a suavidade intensa do seu veludo. Os meus dedos estão forrados a veludo, e o meu dentro é feito de papel de música, com uma grande e longa pauta desenhada nas ramificações das minhas veias. E tu falas, e tu andas, e tu abres os teus braços, e cada movimento som é uma nota inscrita no meu dentro. E tu cantas, e tu danças, e tu beijas, e cada gesto teu, é uma nota e um beijo no meu coração. Eu sou o instrumento do amor, e tu és o meu alento. Eu sou o instrumento do amor, que toca devotamente o que tu escreves dentro de mim. Eu sou o instrumento que cego de amor toca e toca e toca, até o frio da noite devolver-me as horas. Eu sou o que a doçura transformou, e a perfeição resolveu. Eu sou aquele que gostava de ser tu, e aquele que gostava que tu fosses eu. Eu sou instrumento forrado a papel de música e dedos de veludo, que te abraça e te colhe do chão. Aquele que a melodia penetrou, porque tu existes. Aquele que colhe estrelas do céu, quando elas não existem, porque tu existes. Aquele que se deita a perder e aquele que se encontra, porque tu existes. Aquele que corre as cores do arco-íris, e oferece-tas, porque tu existes. Tu existes, e eu existo, e eu tenho as notas que balançam no meu corpo, que dão ritmo ao coração. Eu sou aquele que tem os dedos forrados a veludo, e o dentro feito de papel de música, só porque existes…

    Por: Sofia Nunes

     

     

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