Subscrever RSS Subscrever RSS
Edição de 30-04-2024
  • Edição Actual
  • Jornal Online

    Arquivo: Edição de 28-02-2007

    SECÇÃO: Crónicas


    O André

    O André já cá não está. Já não brinca lá fora debaixo deste sol. Já não vem de manhã para a escola com o sorriso e os livros.

    Já não o veremos fugir das funcionárias, com aquele ar malandro, pelos corredores fora. Não escreverá à D. Ana no S. Valentim do próximo ano, como tem feito por brincadeira. Nunca mais poderei ralhar com ele nas aulas.

    O André era um dos nossos. Já chorámos por causa do André. Temos saudades dele. Era um dos nossos e partiu à nossa frente.

    Para outro lugar.

    Gostamos de ter, como tiveram sempre os nossos antepassados, a certeza firme de que a morte é apenas como mudar de casa. A esperança de que aqueles de quem gostámos – de quem gostamos – estão guardados para nós e nos esperam.

    Noutro lugar. O André está noutro lugar. Com quem brincas tu agora, André?

    Chegou ao fim do caminho a sorrir. O Almeno, que estava lá naquele sábado, contou que a última coisa que o André fez foi sorrir. No meio da dor da queda.

    Quem vive a sorrir morre a sorrir.

    Disse-me o professor Luís que é costume os bons morrerem cedo. O André era bom. Eu sei. Não tinha jeito para estudar, nem paciência para estar quieto numa aula durante muito tempo. Como tantos de nós...

    Mas esforçava-se. Tentava.

    Uma vez dei-lhe o conselho de não se sentar, nas aulas, à beira dos colegas com quem gostava mais de brincar e conversar. Disse-lhe que assim podia aprender mais coisas nas aulas.

    Não sei se o André conseguiu realmente aprender mais coisas, mas, a partir desse dia, quase sempre se sentava sozinho, lá naquele lugar da sala catorze que para nós ficará sempre vazio.

    E custava-lhe muito fazer isso. Eu sei.

    O André tentava. E os bons são os que tentam sempre, os que querem melhorar ao menos um bocadinho.

    O André não fazia tudo bem. Era preciso ralhar com ele muitas vezes.

    Eu não faço tudo bem. Vocês fazem?

    Mas gostávamos dele, assim como ele era. Alguns só agora é que estão a entender como gostavam dele.

    É que só podemos gostar de pessoas com defeitos. Porque as pessoas sem defeitos não existem.

    Eu ralhei muito com o André, porque às vezes temos de ralhar com as outras pessoas. Mas não deve ser à conta de nos estarem a incomodar. Deve ser para bem delas, porque gostamos delas e queremos que sejam melhores.

    Nada de zangas. Ralhar, sim. Mas ralhar e gostar.

    (O André foi meu aluno e meu amigo. Morreu aos 12 anos, na aldeia onde vivia, em consequência de uma queda de bicicleta. Eu, depois, fui para casa escrever isto...).

    Por: Paulo Geraldo*

    * Professor de Língua Portuguesa

     

    Outras Notícias

    · Flores emurchecidas

     

    este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu
    © 2005 A Voz de Ermesinde - Produzido por ardina.com, um produto da Dom Digital.
    Comentários sobre o site: [email protected].