REFERENDO: Interrupção Voluntária da Gravidez
“SIM” alcança vitória histórica
– vantagem de 20% sobre o “NÃO”
– abstenção FOI MENOR MAS Ainda acima dos 50%
Mais uma vez, o eleitorado português não se apresentou massivamente nas urnas numa consulta directa, falhando o alvo dos 50% (é a terceira vez que tal acontece) para que o referendo tivesse um valor vinculativo. Apesar de tudo, nas circunstâncias particulares em que decorreu a votação, tal não tem um significado decisivo.
Por um lado, o Governo tinha já previamente anunciado que faria cumprir a vontade popular, fosse ela qual fosse; por outro, os resultados expressos nas urnas não deixam margem para dúvidas sobre o sentido de voto: o “SIM” ganhou com cerca de 20% de vantagem, o que é um número muito significativo, tendo em conta o melindre da questão em análise. A ter em conta, também, que a participação neste acto foi muito superior à do acto idêntico de 1998 e que o mau tempo assolou o País no dia da votação, afastando decerto muitos eleitores. E há ainda a questão do volume dos eleitores fantasmas, que alguns peritos estimam poder andar perto dos 10%.
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Foto MANUEL VALDREZ |
Da outra vez foi a praia. Agora terá sido a chuva...
De facto muitas poderão ser as explicações de circunstância a invocar para se poder comprender a extensão do fenómeno quando se apela aos cidadãos para usarem dos mecanismos mais directos de decisão previstos no actual ordenamento político em Portugal.
Mas teremos que ir muito mais profundamente. É certo que choveu ininterruptamente todo o dia, – por todo o País –, e que isso talvez se possa reflectir na desmobilização do voto sobretudo nas camadas mais idosas da população.
Mas há dados que não iludem uma realidade sociológica claramente marcada, e que está bem patente no mapa da distribuição dos sentidos de voto, como aliás já tinha estado há oito anos.
O Norte e Ilhas votaram claramente “NÃO”, enquanto o Sul votou, também claramente “SIM”.
Há oito anos, esta fronteira era mesmo mais a sul. Agora, recuada esta fronteira, a excepção a norte é mesmo só o distrito do Porto.
Do que tal significa ou não em termos de evolução profunda de mentalidades ou de pendor circunstancial susceptível de regresso é o que resta saber, se bem que nos inclinemos mais, no quadro de valores da civilização ocidental actual para a primeira das hipóteses, dado ela afrontar aparelhos ideológicos e filosóficos há muito enraizados na sociedade portuguesa e que, nem por isso conseguiram fazer vingar as suas posições.
Nesta campanha, que se pautou por um esforço maior de argumentação de ambos os lados, verificou-se a abertura de uma frente de debate que esteve ausente há oito anos e que terá pesado alguma coisa na decisão final – referimo--nos à componente científica, com uma clara fractura a separar insignes investigadores nos dois lados da barricada, mas numa proporção que foi visivelmente mais inclinada para o lado do “SIM”.
Das conclusões políticas de alguns dos envolvidos, queríamos deixar uma breve nota.
Primeiro, para aqueles que, derrotados, entendem que a consulta não foi elucidativa, por ter ficado abaixo dos 50%, devendo assim manter-se a lei actual. É um claro e grosseiro entorse dos factos, que só desprestigia quem o fez.
Segundo, para aqueles que, confrontados com o resultado da votação no referendo entendem que este era dispensável, desprezando o valor superior dos mecanismos da decisão directa em favor da representativa. Como se fosse igual na exigência ética de uma solução, a clara expressão evidenciada nas urnas e a decisão dos partidos maioritariamente representados na Assembleia da República. Além de que pairaria sempre a dúvida e a diferença relativamente à decisão anterior, essa sim tomada por consulta directa ao eleitorado.
Terceiro, para aqueles que apressadamente vislumbraram maiorias de expressão confessional que ao arrepio da hierarquia decidiram o resultado, quando precisamente decidiram no uso da razão e não no da fé, que para aqui não deveria ser chamada.
Finalmente, para aqueles que, vitoriosos, vislumbram já as oportunidades de negócio e a subalternização do serviço público.
Por:
LC
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