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    Arquivo: Edição de 15-01-2007

    SECÇÃO: Opinião


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    Quem assume responsabilidades?

    Os últimos dias do ano de 2006 e os primeiros do novo ano de 2007 ficaram assinalados por eventos que dramaticamente afectaram populações que no mar procuram granjear o seu sustento e o das suas famílias, e outras que, vítimas de problemas de saúde, tiveram de recorrer aos serviços de urgência de unidades hospitalares. Num caso como no outro, sobressaíram as fragilidades dos sistemas de assistência que o Estado tem obrigação de assegurar às populações, ficando a nu que uma coisa são as garantias dadas pelos políticos e outros titulares de cargos públicos, e outra bem diferente, é a realidade que nos espreita, sempre que algo de anormal surge nas nossas vidas.

    O acidente sofrido pelo pesqueiro "Luz do Sameiro" que naufragou a menos de 50 metros da praia, fazendo três mortos e três desaparecidos, dos sete tripulantes que se encontravam na embarcação, foi demasiado trágico num país que se diz moderno e desenvolvido, mas que na hora de provar a existência de um mínimo de assistência que evite a morte de seis trabalhadores do mar, fica-se por telefonemas e mais telefonemas, contactos e mais contactos, não se sendo capaz de fazer chegar ao local do acidente meios de salvação antes de decorridas mais de três horas (uma eternidade). Num país bordejado por uma costa marítima com centenas de quilómetros, ao largo da qual permanentemente navegam embarcações do mais variado tipo e calado, o que se passou no dia 29 de Dezembro de 2006, a trinta metros da Praia da Légua, em Pataias, Nazaré, deveria provocar nos responsáveis pela segurança dos que trabalham no mar o maior sentimento de culpa e não menor sentido de responsabilidade. Mas de concreto, o que aconteceu? Declarações de circunstância de ministros que, como habitualmente, se refugiam no aguardar de resultados dos rigorosos (?) inquéritos que mandaram instaurar e a confissão do Chefe do Estado-Maior da Armada assumindo as responsabilidades pelo frustrado salvamento dos pescadores de Caxinas, acrescentando que todos deveriam saber assumir as suas próprias.

    O EXEMPLO

    DO EX-MINISTRO

    JORGE COELHO

    EM ENTRE-OS-RIOS

    Ao contrário do que entende o deputado Honório Novo, as circunstâncias em que o naufrágio ocorreu e a gravidade das suas consequências, deveriam, no mínimo, levar o ministro da tutela e o Chefe do Estado--Maior da Armada a demitirem-se, seguindo o exemplo do ex-ministro Jorge Coelho aquando da queda da ponte de Entre-os-Rios. Não o fazendo, para que serve o assumir de responsabilidades por parte do almirante Melo Gomes? O mesmo que se mantivesse calado. E melhor se tivesse providenciado para que os meios de salvamento chegassem ao local da tragédia uma ou duas horas antes. Se tal tivesse acontecido, talvez estivéssemos hoje a lamentar um número menor de pescadores mortos e a elogiar o Instituto de Socorros a Náufragos.

    Na área da saúde, será oportuno reproduzir algumas passagens de um artigo subscrito pelo Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, do qual se serve para cumprir um comando da Constituição da República que o ilibará caso se veja envolvido em eventuais responsabilidades que lhe possam ser assacadas por facto que possa ter lugar no Serviço de Urgência dos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde no dia 26 de Dezembro de 2006 «acorreram 604 doentes, com o Bloco Central a registar quase cinquenta doentes por hora! Um verdadeiro mar de gente, que provocou atrasos inaceitáveis logo na primeira triagem e horas de espera para os doentes menos urgentes».

    O Dr. José Manuel Silva escreve no “Público” de 8 de Janeiro de 2007 que «efectivamente, segundo esse parecer (parecer do Conselho Nacional do Exercício Técnico de Medicina, da Ordem dos Médicos, sobre Recursos Humanos no Serviço de Urgência) os médicos devem denunciar nas instâncias apropriadas a falta de recursos técnicos e/ou humanos para o exercício da sua actividade com dignidade e segurança para os seus doentes, não podendo, no entanto, declinar responsabilidades do que ocorrer durante este exercício de actividade, em nome das ditas insuficiências. Porém, na Constituição da República, no ponto 2 do artº.271, afirma-se: É excluída a responsabilidade do funcionário ou agente que actue no cumprimento de ordens ou instruções emanadas de legítimo superior hierárquico e em matéria de serviço, se previamente delas tiver reclamado…».

    Num outro parágrafo, o especialista em Medicina Interna diz não ser «justo nem aceitável que os médicos possam ser responsabilizados pelas inevitáveis consequências negativas e desnecessários riscos e prejuízos para os doentes que decorrem dos cortes irracionais e dos erros e insuficiências de gestão e organização dos responsáveis governamentais e seus representantes e da falta de condições adequadas para a prática de uma medicina humanizada e eficiente».

    TUDO COMO

    ANTERIORMENTE

    EM NOME DA

    ECONOMICIDADE

    Perante este quadro e a avaliar pelo comportamento habitual dos governantes e seus representantes, é bem provável que perante um erro irreparável devido a deficiente funcionamento dos serviços de saúde, a responsabilidade jamais seja apurada nos múltiplos inquéritos que se promovam, tudo continuando como anteriormente em nome da economicidade. Diferente será quando a Justiça entender que deve chamar ao banco dos réus quem efectivamente, com as suas determinações, sujeita os pacientes às consequências de erros médicos resultantes de uma carga excessiva de trabalho e de ambientes como o descrito no referido artigo de que transcrevemos algumas situações: «Queremos auscultar um coração, mas o ruído de fundo parece o de uma discoteca. Palpamos abdomens com doentes sentados porque não há um local apropriado para os deitar. É importante administrar um medicamento ou colher sangue para análises, mas os enfermeiros estão sobreocupados. É preciso transportar um doente à ecografia, mas não há auxiliares disponíveis. Chega um doente grave e está outro a gritar por um urinol. Tão depressa um doente está em risco de aspirar um vómito quando é necessário acorrer a um doente desorientado à beira de se atirar da maca abaixo». Quadro mais arrepiante que nos aguarda nos nossos hospitais, é difícil de ficcionar.

    Neste país que dia-a-dia caminha para ser o Portugal dos Pequeninos (menos escolas, menos maternidades, menos urgências hospitalares, menos consulados, menores pensões de reforma, maior carga fiscal) é grande o risco de morte prematura, quer se ande no mar, em terra ou se seja vítima de doença curável. Os médicos não serão responsáveis. Os políticos não assumem responsabilidades. A Justiça demora a identificar e a punir os verdadeiros culpados das tragédias. A quem recorrer em caso de vitimação?

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

     

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