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    Arquivo: Edição de 30-11-2006

    SECÇÃO: Opinião


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    Por que não há dinheiro?

    De há alguns anos a esta parte que o discurso governativo assenta na recorrente afirmação de que não há dinheiro para nada. E como não há dinheiro, a solução tem sido atacar as prestações sociais onde quer que elas se encontrem, para cujo sucesso o Executivo parece ter encarregado, de forma especial, três ministros: Saúde, Educação e Trabalho. O primeiro não se cansa de reduzir a qualidade do Serviço Nacional de Saúde, sendo a mais recente tentativa, o anúncio de poder vir a impor "limites de consultas para cada pessoa", como consta de uma das dez propostas apresentadas pela comissão nomeada pelo Ministério da Saúde para estudar modelos alternativos ao actual.

    O segundo encerra escolas a torto e a direito (as que deveriam e as que poderiam continuar a funcionar com dez ou mais discentes), obrigando os alunos a deslocações que implicam saídas de madrugada e regressos já com a noite caída, política desenvolvida sob o argumento de cumprir recomendações pedagógicas, desculpa esfarrapada que não tolhe o raciocínio do cidadão comum, que de há muito percebe que o desiderato perseguido é economicista.

    O ministro do Trabalho tem sido incansável no ataque aos pensionistas. Agitando a bandeira do reformismo, faz aprovar legislação que conduz a que as já misérrimas pensões da maioria dos reformados portugueses sejam ainda mais reduzidas no futuro. O Prof. Pereira da Silva (estudioso destas coisas) diz em artigo de opinião no semanário SOL de 25-11-2006: "Uma coisa é certa. A taxa de substituição do último salário pela primeira pensão vai diminuir dos actuais 78% para os 55% em 2050", em resultado do acordo sobre a reforma da Segurança Social. Dá para imaginar a qualidade de vida dos reformados no futuro próximo.

    Mas não são apenas estes os sectores onde os "cortes" na afectação de recursos financeiros se verificam. As Forças Armadas queixam-se da redução de verbas que lhes são concedidas, com implicações no sistema de saúde. A Justiça continua a funcionar deficientemente, sem que haja dinheiro para reforçar os recursos humanos. As universidades avisam que as dotações orçamentais previstas não chegam sequer para pagar salários, admitindo aumentar o montante das propinas para atenuar os efeitos da "crise". A ministra da Cultura critica o orçamento do Estado por, correspondendo o sector da cultura a 1,4% do PIB, o seu ministério em 2007 apenas receberá 0,4% do OE. Enfim, o rol e "rosário" dos queixosos de falta de dinheiro encheriam algumas páginas se fosse possível listar todos.

    Perante esta realidade, caberá perguntar: para onde vai a soma cada ano maior dos impostos suportados pelos portugueses? A resposta não é fácil. Intui-se, no entanto, que uma das causas por que uns se queixam de falta de recursos e outros não, tem a ver com a melhor ou pior aplicação dos dinheiros dos contribuintes e com as prioridades definidas pelo governo. Como exemplo da má aplicação dos dinheiros, temos alguns casos de recente notícia que ilustram o que se passará por esse país fora. Lembremos os oito milhões de euros que a EPUL (Empresa Pública de Urbanização de Lisboa) pagou indevidamente ao Benfica (Público de 17-11-2006); os sessenta milhões de euros que o erário público poderá vir a pagar à sociedade de direito privado Obriverca a título de indemnização, como consequência de acto deliberado do presidente da Câmara de Lisboa ao aprovar o loteamento da Fábrica dos Sabões para onde sabe estarem a correr estudos para instalar a estação do TGV em Lisboa. Não possuímos faculdades cognitivas que nos permitam perscrutar o âmago do pensamento do autarca lisboeta ao assumir, com o seu voto de qualidade, o risco de transferir dos bolsos dos contribuintes para os cofres da Obriverca tão elevada soma, mas se tivéssemos de arriscar uma hipótese, o grau de insucesso seria reduzido. Carmona Rodrigues pode ter as suas birras, mas deveria ser o seu dinheiro, e não o dos contribuintes, a suportar as respectivas consequências.

    Desempenhos como o do presidente da CML não faltarão por essas três centenas de municípios. Se um dia um candidato a doutoramento se lembrar de focar a sua tese no estudo dos dinheiros mal gastos nas autarquias, será ocasião dos portugueses ficarem de queixo caído ao tomarem conhecimento dos imensos milhares de milhões de euros que terão sido subtraídos ao erário público a título de funcionamento dos serviços, de realizações desportivas e culturais e de investimentos em equipamentos sociais, onde a derrapagem de custos é uma constante, e os sinais exteriores de riqueza de alguns autarcas uma evidência.

    Mas, se estas e outras análogas situações são responsáveis pela falta de dinheiro para tudo, outras há que, pelo seu volume, não são menos preocupantes. A barragem de Cahora Bassa custou aos cofres públicos, ao longo de 30 anos, qualquer coisa como 2,3 mil milhões de euros e, o primeiro-ministro mostra-se feliz quando obtém um acordo em que julga que receberemos 750 milhões pela transmissão de 67% do capital da sociedade para o Estado moçambicano. Não obstante, como ainda ficamos com o "rabo" preso através de 15% do capital social, entre a dúvida de virmos a receber os 750 milhões e a de continuarmos a suportar mais custos derivados desta participação, para nós, será mais seguro apostar na segunda que na primeira das eventualidades.

    O quadro "negro" para os portugueses, infelizmente, não fica completo com os exemplos citados. Estão em curso previsíveis acontecimentos que tornarão Portugal um território onde voltará a ser muito difícil viver com alguma dignidade para a grande maioria dos seus residentes. Estamos a pensar nos megalómanos projectos do aeroporto da OTA, do TGV, na taxa de endividamento do país, no nível de impostos e na ideia de Bruxelas de dar liberdade às empresas para instalarem as sedes e alguns serviços no país com a melhor oferta fiscal. Sendo a tributação em Portugal 45% superior à média europeia, já se vê o que as maiores empresas portuguesas farão e a reduzida margem governamental para contrariar a "emigração" tributária.

    Com este cenário como pano de fundo, o ministro Mário Lino teima em deixar assinalada a sua passagem pela governação com a construção da OTA, que alguns entendem que não serve para nada, mas que custará, numa primeira estimativa, cerca de três mil milhões de euros. Para e quando esta infra-estrutura for inaugurada, preparemo-nos para nela se ter gasto algo próximo do dobro do inicialmente previsto, com o habitual argumento de que, entre outras surpresas, estudos geológicos deficientes não previram correctamente a profundidade do terreno firme (bed rock), o que dará muito jeito para cavalgar irresponsavelmente os 3,1 milhões de euros que dizem ser suficientes para passarmos a ter um novo e moderno aeroporto.

    Este previsível "desastre" das finanças públicas poderia ser evitado se o primeiro-ministro procedesse a uma reestruturação do governo juntando algumas pastas, aproveitando para agrupar os ministérios da Economia e das Obras Públicas. Com tal medida, para além de outros benefícios, Mário Lino poderia deslocar a sua "marca" de governante para a construção de barragens hídricas e parques eólicos, com o que contribuiria para a redução de emissões de dióxido de carbono (CO2), aumentaria a produção nacional de energia, atenuaria a dependência energética externa, ajudaria a conter o défice externo da balança de pagamentos e, consequentemente, defenderia o rating da dívida pública, acrescendo ainda a garantia de assegurar ao lobby das obras públicas, uma excelente e diversificada carteira de encomendas.

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

     

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