Há meio século atrás Portugal estava em guerra
No dia 4 de fevereiro de 1961 – há 51 anos atrás – na mais importante colónia portuguesa, tinham início as hostilidades contra o domínio português em território africano. Era o início da Guerra Colonial, que haveria de se prolongar ao longo de 13 trágicos anos, até ao triunfo da última Revolução portuguesa, no dia 25 de Abril de 1974. Milhares de portugueses, de norte a sul do país, seriam mobilizados para uma guerra que só admitia uma paz política.
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Após a 2ª Guerra Mundial, e diretamente relacionada com o seu desenlace, que representou a vitória das democracias contra os regimes ditatoriais (na Alemanha, Itália e Japão) desencadeou-se uma nova vaga de descolonizações a que Portugal ficou alheio. A recém-formada ONU reconheceu, entretanto, o direito à autodeterminação dos povos. Mas Portugal declarava que não tinha colónias, apenas “províncias ultramarinas”. O governo salazarista afirmava que o nosso país era um «Estado unitário, formado de províncias dispersas e constituídos de raças diferentes». Por isso, acabaria por não surpreender os mais esclarecidos o facto de no início da década de 1960, Portugal ter de enfrentar uma guerra contra movimentos armados que se organizaram nas principais colónias portuguesas: Angola, Moçambique e Guiné.
As hostilidades contra a presença portuguesa começaram em Angola, a 4 de fevereiro de 1961, com o ataque a esquadras e prisões de Luanda, provocando a morte de seis polícias e de um cabo do exército português. Foi a Guerra declarada, iniciada pelos militantes do MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola) em Luanda, e a 15 de março, a UPA (União das Populações de Angola), posteriormente denominada FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) ataca centenas de fazendas no norte de Angola, massacrando centenas de fazendeiros e provocando a generalização do medo à população portuguesa. É o princípio de um conjunto generalizado de violentos ataques nesta colónia. Anos mais tarde, já com a presença da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), começa uma luta de guerrilha.
Na reação ao desenrolar do conflito, em 1961, Salazar irá proferir a máxima legitimadora da sua posição relativamente à guerra que se desencadeava naquela colónia: "Para Angola, já e em força".
Milhares de soldados portugueses, recrutados entre os homens de quase todas as famílias portuguesas, foram enviados, sucessivamente, para Angola e, mais tarde, para as outras colónias onde a guerra também haveria de surgir.
Muitos dos soldados portugueses mobilizados para esta guerra profundamente injusta viram a sua vida académica, familiar e/ou profissional subitamente interrompida.
Em 1963 iniciou-se a guerra na Guiné (provocada pelos militares do PAIGC – Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Vede); e, em 1964, em Moçambique, com as hostilidades desencadeadas por parte da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique). Entretanto, o colonialismo português era veemente criticado nas instâncias internacionais.
Embora externamente a manutenção do colonialismo português fosse objeto de intensas críticas até por parte dos nossos aliados, a nível interno, a presença portuguesa em África quase não sofreu contestação até ao início da guerra colonial.
O agravamento da situação militar, o livro de Spínola (“Portugal e o futuro”) e as vozes da oposição foram contribuindo para o aumento da contestação da sociedade civil e, sobretudo, entre os militares.
O conflito na Guiné-Bissau foi particularmente doloroso para as forças portuguesas, levando o PAIGC a dominar grande parte do território, o que esteve na base da declaração unilateral da sua independência ainda antes do 25 de Abril (em 24 de setembro de 1973), reconhecida por vários países, sobretudo africanos. Também para esta colónia o governo salazarista mobilizou milhares de jovens portugueses.
Apesar de Moçambique ficar a mais de 13 mil quilómetros de Portugal, também para lá seguiram milhares de combatentes portugueses.
As três frentes de guerra provocaram fortes abalos nas finanças do Estado (houve anos em que mais de 40% do Orçamento de Estado eram despendidos com a Guerra), desgastando simultaneamente as Forças Armadas, ao mesmo tempo que colocava Portugal cada vez mais isolado no panorama político mundial.
A nível humano, as consequências foram trágicas: um milhão e quatrocentos mil homens mobilizados, nove mil mortos e cerca de trinta mil feridos, além de cento e quarenta mil ex-combatentes sofrendo distúrbios pós-guerra.
A guerra colonial portuguesa para além de dar uma imagem negativa de Portugal; significou um enorme esforço financeiro e humano. A igreja católica dividiu-se: se, por um lado, a hierarquia se mostrava neutral, muitas figuras da Igreja a título individual manifestavam-se, publicamente, contra a continuação desta guerra, reconhecendo o direito à autodeterminação dos povos.
Felizmente surgiria o 25 de Abril de 1974, para instaurar o actual regime democrático e assinar a paz com os movimentos de libertação das colónias portuguesas, criando-se, assim, as mínimas condições para negociar a sua independência.
Mais de meio milhão de pessoas chegou, de repente, a Portugal. Pessoas que ficaram sem nada, algumas após vidas cheias de trabalho, de preocupações, empreendedorismo e entrega. A descolonização foi profundamente injusta para elas. E também o foi, para aqueles que cá esperavam a possibilidade de um emprego nos serviços (públicos, bancários, segurança) e que os viram ocupados por aqueles que regressavam de África e que tinham direito a ser integrados no mesmo tipo de serviços em que se empregavam nas colónias.
Do número de retornados recenseados pelo INE em 1981, 61% eram oriundos de Angola, 34% de Moçambique e apenas 5% das restantes colónias. Quase dois terços desses retornados nasceram em Portugal (63%), embora esta proporção se inverta nas camadas mais jovens, 75% dos menores de 20 anos eram naturais das colónias.
Os “retornados”, como ficaram conhecidas essas pessoas, conseguiram, apesar de todas as contrariedades, integrar-se na sociedade portuguesa de uma forma verdadeiramente notável e sem conflitos de maior. Haverá casos semelhantes noutros países?
Por:
Manuel Augusto Dias
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