AVE JOVEM
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ERA UMA VEZ UM FILÓSOFO...
Era uma vez um filósofo que tinha todas aquelas coisas que queria ter. Coisas de filósofos que se contentam com pensamentos abstractos e pontos de sabedoria. Dentro de prateleiras sempre limpas, ele tinha todas as melodias de que gostava e dentro de outras ainda, tinha todos os livros com que sempre sonhara. Era ele o homem mais sábio de sempre e toda a gente sabia o nome dele. E no meio de tanta sabedoria e alegria que ele libertava em pinotes matinais e em danças ao som de rocks saídos do inferno, um dia ele sentou-se perto do sol e começou a chorar. Do nada começaram a deslizar lágrimas pelo seu rosto e ele sentia-se triste. Triste como as melodias especiais que ele tinha escolhido colocar a tocar. Não conseguia parar e o seu lenço de doze metros ficava a cada instante cheio de lágrimas salgadas e de pedaços de ranho que lhe escorriam como mágoas. Ele queria parar e não conseguia. Queria conseguir apagar todas as dores, mas ao contrário das letras escritas a giz ou a lápis, elas não desapareciam assim. E dentro de si, formavam-se as palavras da teoria da sua tristeza: as pessoas. Eram elas a razão daquelas lágrimas. Ele era um filósofo que tinha tudo aquilo que os filósofos querem ter, mas continuava com as costas frias na cama. Continuava a ter discussões sozinho, porque não tinha ninguém com quem falar. Continuava a sentir-se só embora não quisesse estar com ninguém. Continuava a ver os outros filósofos em que ele confiava a não confiarem nele. E então percebeu que as suas palavras falavam de pessoas que ele tinha criado e que não eram aquelas que existiam. Daí o seu afastamento face ao lado real das coisas. A sua prisão nas palavras e nos sentimentos do coração.
Por: Daniela Ramalho
BEM-VINDO A TI
Existem todos os dias. Todos os dias em que as janelas se abrem lentamente para a rua de estradas de barro. Dias em que as cortinas esvoaçam lentamente para dentro do quarto para logo de seguida saírem em direcção ao exterior. Dias em que os corpos acordam lado a lado e percebemos o sentido da noite anterior. Quando o sol queima logo pela manhã e deixa os sinais em volta do nariz maiores e com uma cor mais castanha. Mesmo o cd mais esquecido do canto da música toca e faz sentido e se estiver a chover, o frio e o cheiro do barro molhado sabem bem aos sentidos, mesmo àqueles que não cheiram. Depois existe a rádio que nos desperta com as piadas de gentes que recebem ordenados melhores do que os nossos. A caneca de café á minha espera, meia dúzia de esboços de sorrisos a tentar adivinhar de que cor estão os nossos olhos hoje. De que lado dói o corpo esta manhã. Qual o músculo que precisa de ser esticado antes que rompa de vez. E por vezes existem ainda todos os múltiplos sons que lá fora nos fazem sentir gente.
Depois existem os dias em que somos amorfos.
E o que é amorfo não faz sentido. Bem-vindo, por favor, descalça os sapatos à entrada.
Por: Daniela Ramalho
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