Compensação de Crédito (1.ª parte)
A compensação é uma causa de extinção da obrigação, regulada pelo Código Civil (C.C.), nos seus artigos 847.º e seguintes, traduzindo a possibilidade de o devedor, ao invés de cumprir com a obrigação assumida, invocar um crédito emergente de uma outra obrigação de prestar, que tem a seu favor, enquanto credor do seu credor.
Nas ilustres palavras de Antunes Varela, a compensação é o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor (Obrigações, 2.º-161).
Para melhor entendimento da compensação de créditos, importa ter presente alguns conceitos básicos do Direito das Obrigações.
Num primeiro momento, deve esclarecer-se o conceito de obrigação, para efeitos jurídicos. De acordo com o artigo 397.º do C.C., é um “vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação”. De facto, esta última é o núcleo, o cerne, da obrigação.
Por conseguinte, se a compensação possibilita que uma obrigação se extinga, sem que ainda haja sido cumprida, por força da invocação de uma outra obrigação ainda existente nos mesmos termos, deduz-se logicamente que é imperativa a existência de duas obrigações de prestar, em relação de reciprocidade.
Em situações de incumprimento da obrigação, o credor que intente uma ação judicial contra o seu devedor, deve invocar o crédito que tem a seu favor, para fundamentar o pedido do seu cumprimento.
No âmbito de uma ação judicial, o regime da compensação de créditos surgirá quando o devedor, ao ser interpelado para cumprir com a obrigação já vencida, por força do crédito que o credor tem contra si, invocar um contracrédito, provando que, numa outra relação obrigacional, é também credor do seu credor.
Contudo, é necessário que para a sua legítima invocação estejam preenchidos determinados requisitos, legalmente previstos.
Para facilitar a distinção dos créditos, diz-se crédito ativo aquele que é invocado pelo compensante (devedor) e crédito passivo o da pessoa a quem o mesmo é oposto (credor).
Dispõe o nosso Código Civil (artigo 847.º) que o crédito ativo deve ser exigível judicialmente e que não proceda contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material, e ainda que as duas obrigações de prestar tenham por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
Uma obrigação judicialmente exigível é aquela que por força do seu incumprimento atribui o direito ao credor de interpor ação para cumprimento com a consequente execução do património do devedor (artigo 817.º do C.C.).
Entende a nossa Doutrina, nomeadamente Menezes Cordeiro e Menezes Leitão, que um crédito é exigível judicialmente quando no momento em que pretende operar a compensação, o compensante esteja em condições de opor ao devedor a realização coerciva do seu crédito.
O crédito ativo deve, portanto, ser judicialmente reconhecido, ou seja, o tribunal deve ter-se pronunciado no sentido da sua existência e validade anteriormente à invocação daquele por meio de compensação.
Também a Jurisprudência entende maioritariamente neste sentido.
Portanto, esse reconhecimento deve ser desprovido de vícios de direito material, não devendo apresentar irregularidades processuais e confirmar que o crédito existe e tem fundamento legal.
Por outras palavras, o crédito deve ser certo e seguro, não devendo esquecer-se que é obrigatório o seu vencimento, i.e., que já tenha decorrido o prazo para o seu pagamento.
Por sua vez, o segundo requisito estabelece que a compensação só funcionará se as duas obrigações de prestar tiverem por objeto coisas que se determinam pelo seu género, qualidade e quantidade, podendo ser substituídas por outras que não ponham em causa as suas características. É uma coisa fungível, por exemplo, o dinheiro. Quando alguém empresta 500 euros, não espera que a pessoa lhe devolva exatamente a mesma nota, basta uma outra ou outras notas e moedas que perfaçam o mesmo valor.
A contrario, uma coisa é infungível quando as características que lhe são inerentes e lhe atribuem especificidade impedem a sua substituição. Concretizando: um empréstimo de um automóvel pressupõe a devolução daquele mesmo, e não de outro qualquer, ainda que igual.
O devedor não pode forçar o credor a receber coisa diferente da devida, pelo que isso só não acontecerá se os créditos forem, então, fungíveis.
A propósito deste requisito, deve conjugar-se com o n.º 2 do artigo 847.º do C.C., que diz que se as dívidas, sendo de carácter pecuniário, não forem de igual montante, a compensação pode igualmente operar, na parte correspondente. A fungibilidade não implica, portanto, que os montantes dos créditos ativo e passivo sejam obrigatoriamente iguais, podendo a compensação operar apenas em parte do valor total.
Nestes casos, o contracrédito extingue parte da dívida, ficando o devedor obrigado a cumprir com o pagamento do restante montante que aquele crédito não conseguiu compensar. Quer dizer, se o crédito é no valor de 1000 euros e o contracrédito de € 500, a compensação opera até aos 500 euros, extinguindo-se o contracrédito e metade do crédito, permanecendo o devedor obrigado a pagar o restante montante.
O mesmo artigo acrescenta também que a compensação pode ser declarada ainda que o crédito não esteja liquidado, procedendo-se à sua liquidação posteriormente.
(continua)
Por: José Puig*
*Advogado
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