O Crime de Abuso de Confiança (2.ª parte)
Nos casos da prática do crime de abuso de confiança por Advogado, a vítima tem, de igual modo, a possibilidade de participar o sucedido à Ordem dos Advogados, sendo certo que, nos termos do artigo 58.º do respetivo Estatuto, o exercício do poder disciplinar compete ao Conselho de Deontologia da comarca do domicílio profissional do arguido.
Na queixa dirigida ao Presidente do Conselho de Deontologia, a pessoa ofendida deve enunciar os deveres e obrigações profissionais violados pelo Advogado, eventualmente os de honestidade, probidade, retidão, lealdade e sinceridade, consagrados no nº 2 do art. 88.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, entre outros que se adequem ao caso concreto, para fundamentar o pedido de aplicação de sanção disciplinar.
Consequentemente, é instaurado o competente processo disciplinar, que tem natureza secreta até ao despacho de acusação a proferir pelo relator nomeado, nos termos dos arts. 125.º e 153.º do E.O.A., com vista à averiguação da prática, ou não, de infração e, em caso afirmativo, para determinar a sanção a aplicar ao Advogado.
A aplicação de sanções a profissionais de Advocacia encontra-se sujeita aos princípios da legalidade e da tipicidade, pelo que apenas são aplicáveis as que se encontram expressamente previstas no Estatuto da Ordem dos Advogados.
Ora, as sanções disciplinares consagradas no art. 130.º do E.O.A. são a advertência, censura, multa, suspensão e expulsão, devendo a medida sancionatória ser determinada com especial atenção aos critérios de proporcionalidade e adequação aos factos provados.
Não obstante, sempre que o Conselho de Deontologia se pronuncie no sentido da expulsão do Advogado da Ordem, tal decisão apenas produz efeitos quando ratificada pelo supremo órgão jurisdicional da O.A. – o Conselho Superior. (cfr. art. 42.º e 44.º, nº 3, al. b), ambos do E.O.A.).
De qualquer modo, o legislador não prevê, no Estatuto da Ordem dos Advogados, qual a sanção disciplinar a aplicar ao Advogado que haja praticado um crime de abuso de confiança, apenas agrupando as condutas ilícitas como “leves”, “graves” e “muito graves”.
Em boa verdade, no nº 6 do artigo 130.º do E.O.A., o legislador define uma infração muito grave como aquela que, designadamente, lesa “a honra ou o património alheio ou valores equivalentes”, sendo certo que o crime de abuso de confiança está consagrado como um ilícito gravemente desonroso, nos termos do disposto no artigo 177.º do citado diploma legal.
A propósito das inidoneidades, nas situações em que um profissional de Advocacia é condenado pela prática de crime de abuso de confiança, sem que a pessoa afetada haja participado os factos à Ordem dos Advogados, o Tribunal é obrigado a dar conhecimento dos autos a esta associação pública, que deve promover a instauração de processo, pelo Conselho de Deontologia, para averiguação de idoneidade do Advogado arguido para o exercício da atividade.
Na eventualidade de o aludido órgão jurisdicional concluir pela falta de idoneidade do Advogado, tal significa que este não se encontra apto a exercer a sua atividade profissional, pelo que a sua inscrição deve ser cancelada, como sucede nos casos de expulsão pela prática de qualquer infração disciplinar muito grave.
FIM.
José Puig*
*Advogado
|