A fúria fiscal
A administração fiscal tem vindo a desenvolver uma perseguição à fraude e evasão fiscais cujos processos por vezes raiam o absurdo, reveladores de governos de maioria absoluta cujas práticas regra geral se aproximam do que se conhece serem as de regimes ditatoriais. Não nos cansamos de afirmar que a democracia é melhor servida quando o Governo é formado com base num partido grande e num outro mais pequeno. E, a julgar pelas sondagens mais recentes, parece que igual sentimento vem sendo acolhido por eleitores que, se mantiverem as intenções de voto reveladas, concorrerão para que proximamente nos libertemos da arrogância e autismo que actualmente percorrem todo o país.
Há poucos dias os portugueses foram mimoseados com mais uma investida da administração fiscal, desta vez visando os recém-casados, obrigando-os a fazer trabalho próprio dos agentes do Estado que não o fazem porque, dizem, custa muito dinheiro, optando por transformar os dez milhões de portugueses em “colaboradores”, a custo zero.
Com efeito, esta de obrigar os recém-casados a fornecer, em escassos 15 dias, um rol de documentos que, regra geral, não possuem, é algo que não lembraria ao mais “pintado”. O dislate é tal que uma participante num fórum radiofónico, referiu que quando tal ouviu correu para o calendário para se certificar se não seria uma das “petas” do primeiro de Abril. Mas não! A coisa era mesmo verdade e em vigor, pelo menos, no distrito de Viseu.
Pôde ler-se na comunicação social que o questionário remetido aos jovens casais abrange coisas como indicar o restaurante onde tenha sido servido o almoço ou copo-de-água, o fotógrafo, a florista etc., impondo aos visados que digam quanto pagaram por cada refeição, se no mesmo local se realizou outro ou outros casamentos, se os serviços foram pagos a pronto ou em prestações, se o meio de pagamento foi “cash” ou por cheque, se foi por cheque, o número ou números dos títulos de pagamento, datas e respectivos bancos. O fisco não se esqueceu, ainda, de exigir o número de convidados, com a indicação de quantos adultos e de quantas crianças e, pasme-se, quem ofereceu o vestido da noiva e quanto custou. Por pouco a sua intromissão na vida privada dos cidadãos iria ao ponto de solicitar a cor e o modelo da “lingerie” usada pela noiva na noite de núpcias, a boutique onde fora adquirida e respectivo preço.
Percebe-se o objectivo do Fisco de combater a fraude fiscal, o que não se poderá aceitar é que imponha aos cidadãos o cumprimento de obrigações que devem ser exercidas pelos seus funcionários, e menos ainda quando a prepotência vai ao ponto de ameaçar a falta de colaboração com coimas que podem atingir os 2.500 €, qualquer coisa como 500 contos.
Perante tais comportamentos, será pertinente perguntar: os portugueses já se aperceberam do grau que a intrusão do Estado tem nas suas vidas privadas? Já se terão consciencializado que a administração fiscal pretende retirar-lhes o direito de manterem em sigilo o valor de uma oferta: o vestido da noiva, o ramo das flores, o vídeo do casamento, a boda, etc..
A devassa fiscal não tem limites e, vai daí, sem o menor pejo, quer que os portugueses tornem público se tinham posses para arcarem com os custos da “festa” e por isso pagaram as despesas do casamento dos seus filhos a pronto, ou se o fizeram às prestações.
Ao exigirem as facturas do restaurante, ou de qualquer similar que tenha servido o almoço, jantar, ceia ou copo-de-água, ocorre perguntar: que obrigação terão os portugueses de publicitarem os estabelecimentos hoteleiros, indicando os preços praticados? Quem lhes paga a publicidade?
Mais grave será colocar as pessoas em situação que legitima a pergunta: e como poderão garantir que no mesmo dia e no mesmo local se realizaram outros casamentos? Vão pagar a vigilantes para ficarem à porta da igreja todo o dia para se certificarem de que não houve outro casamento naquele templo e para vigiarem todo o estabelecimento hoteleiro para terem a certeza de que naquele dia não houve banquete semelhante?
O Fisco sabe que geralmente não são os noivos quem paga as despesas do casamento e, por isso, não dispõem da documentação que são obrigados a apresentar em apenas 15 dias, podendo até acontecer que não saibam quem suportou as despesas. Quando assim acontecer, como se resolverá a questão? E mesmo quando saibam, mas os beneméritos se recusarem a facultar a documentação exigida, o que fazer? São os recém-casados que vão pagar a coima?
Aplaude-se as medidas tendentes a perseguir a fraude fiscal, mas repudia-se que os cidadãos sejam obrigados a publicitar actos da sua vida quase íntima, e menos ainda que sejam obrigados a apresentar documentação que todos sabemos não possuírem, sendo punidos por incumprimento de exigências que humanamente não podem satisfazer.
A Administração Fiscal não se organiza para combater eficazmente a fuga ao fisco; não dá sinais de fiscalizar, com consequências, fontes de elevados rendimento que deveriam contribuir para as finanças públicas e, opta pela via mais fácil para ela: obrigar outros a fazerem o seu trabalho sob pena de lhes imporem pesadas coimas.
É caso para, com algum exagero, concluirmos que o Estado parece apostado em combater os casamentos, porque quando o casamento é substituído por união de facto, não há lugar à solicitação de documentos nem a aplicação de coimas. Para os que teimem em casar, então transforma a data normalmente de grande festividade e alegria num pesadelo para os noivos que terão necessidade de substituir o tempo de dança por colocar o olho nos vigilantes, a contar os convidados presentes, as suas idades, quem irá pagar a boda e se podem contar com a entrega da documentação. Perante tal cenário, uma sugestão: os noivos nas suas listas de casamento, conjuntamente com as “prendas” que lhes façam jeito, incluam um “item” com o valor máximo da coima que lhes poderá ser aplicada, na esperança de que o director do serviço de finanças da sua área os brinde com um perdão, honrando dessa forma o que fora dito por um seu colega quando declarou que certamente nunca aplicaria qualquer coima pela falta da documentação em causa.
Por:
A. Alvaro de Sousa
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