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    Arquivo: Edição de 29-02-2008

    SECÇÃO: Opinião


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    Instabilidade social

    O instável clima social português vem sendo ignorado pelos políticos, convencidos como parecem estar, que umas entrevistas produzidas em espaços e tempos adequados, com a ajuda de obnóxios entrevistadores, são suficientes para manter o povo calmo a empobrecer permanentemente, como o revelam as estatísticas elaboradas pelas mais diversas entidades, que posicionam Portugal nos mais baixos lugares dos rankings internacionais.

    De quando em vez, lá vão surgindo uns alertas para o que poderá acontecer se as políticas sociais em curso não tomarem direcção diversa, como recentemente a SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) resolveu fazer, agitando as consciências com a difusão de documento que designou por tomada de posição.

    Ao longo de cinco “itens”, esta prestigiada associação da sociedade civil, salienta que «sente-se hoje na sociedade portuguesa um mal-estar difuso, que alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional»; que «ao nível político, tem-se acentuado a degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários»; que «outro factor de degradação da qualidade de vida politica é o resultado da combinação de alguma comunicação social sensacionalista com uma justiça ineficaz. E a sensação de que a justiça também funciona por vezes subordinada a agendas políticas»; que «a criminalidade violenta progride, e cresce o sentimento de insegurança entre os cidadãos» e, «enquanto subsiste uma cultura predominantemente laxista no cumprimento da lei… emerge, por vezes, uma espécie de fundamentalismo ultra-zeloso» dando como exemplo a comparabilidade entre «as vítimas da última década originadas por problemas relacionados com bolas de Berlim, colheres de pau, ou similares e os decorrentes da criminalidade violenta ou da circulação rodoviária». E a SEDES termina chamando a atenção para «o mal-estar e a degradação de confiança, a espiral descendente em que o regime parece ter mergulhado», augurando que, «se essa espiral descendente continuar, emergirá, mais cedo ou mais tarde, uma crise social de contornos difíceis de prever».

    «DOCUMENTO ALARMISTA»

    O mediatismo e credibilidade da SEDES não poderiam deixar indiferentes os políticos perante o “quadro negro” traçado. E, como vem sendo prática corrente, logo se apressaram a rotularem o documento de alarmista, em vez de darem sinais de compreenderem a contínua degradação da qualidade de vida que têm vindo a impor aos portugueses, consequência de sistemático aumento do desemprego, uso e abuso de contratos de trabalho a termo, quebra permanente do poder de compra dos salários, serviços de saúde mais distantes das populações e mais caros, instabilidade nas escolas, em cujo sistema se vislumbram alterações que afectarão, negativamente, alunos necessitados de ensino especializado e suas famílias. Mais uma tragédia para quem não teve sorte ao nascer.

    Quando confrontados com estes e outros verdadeiros problemas que sufocam os portugueses, a resposta política refugia-se na necessidade de implementar reformas para que a qualidade de vida dos portugueses melhore no futuro, tempo indeterminado, embora já invocado há décadas. Os resultados, infelizmente, são o contrário do prometido. Ninguém colhe boa fruta de má árvore.

    Com efeito, quando as novas tecnologias aumentam exponencialmente a produtividade, reduzindo substancialmente as necessidades de mão-de-obra, ao manter--se a mesma ou maior carga horária praticada no tempo de equipamentos menos eficientes, haverá forma de evitar o desemprego? Quando, impunemente, os empresários usam e abusam dos contratos de trabalho a termo, legalmente admissíveis apenas para satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades, lançamento de nova actividade empresarial de duração incerta, para trabalhadores à procura de primeiro emprego ou desempregados de longa duração, que devemos esperar senão a fragilidade dos trabalhadores, com razões para andarem deprimidos permanentemente e assustados com o dia seguinte? Tal ambiente social poderá contribuir para que um povo acredite nas suas instituições políticas? Que responsavelmente seja capaz de se aventurar em promover o aumento da prole ou de manifestar um sentimento de alegria e confiança no futuro?

    Com o argumento de dotar as empresas com condições de competitividade, o nível salarial dos portugueses é substancialmente mais baixo que o dos seus colegas europeus, “tramóia” empresarial que os governantes vêm subscrevendo, ao mesmo tempo que não refutam que em Portugal o fosso entre os mais ricos e os mais pobres é mais elevado que a média dos países da União Europeia, donde decorre a conclusão lógica de que os baixos salários não são consequência de exigências de competitividade, antes fonte de criação de palpáveis fortunas, exibidas na procura de bens caros, imobiliários ou outros.

    Assumidas estas realidades como verdadeiras, que sentido fará a perplexidade que alguns políticos evidenciam quando colocados perante a fraca natalidade, a pobreza das crianças portuguesas, o insucesso escolar e outras chagas sociais? Não saberão que a solução não está na atribuição avulsa de subsídios, magros, temporários e eventualmente discricionários, a título de prémio para os casais terem mais filhos, ou combater a pobreza das famílias? Ignorarão que parte substancialmente do crime contra as pessoas e sua fazenda, radica em famílias onde não há emprego, ou o rendimento é manifestamente insuficiente para fazer face às despesas normais do agregado? Que o mau aproveitamento escolar e o seu abandono, têm muito a ver com as dificuldades das famílias, sujeitas a baixos salários e a insegurança de emprego, ciclicamente atormentadas com situações de desemprego, muito dele de longa duração, promovido por agentes económicos egoístas, despidos do mais elementar sentido de solidariedade social, acarinhados pelo poder político?

    Quando é que políticos e empresários partem para novas políticas sociais? Quando é que os políticos percebem que a “conversa” dos patrões de que não podem pagar salários mais elevados, mais não esconde que o egoísmo de enriquecerem rapidamente e sem limites? E que a economia informal, ao não participar no esforço colectivo de fornecimento de recursos financeiros públicos, obriga os “cumpridores” a pagarem o que eles subtraem, originando ainda níveis incorrectos de PIB,s que, por sua vez, afectam negativamente a relação que frequentemente se faz para alegar que se gasta mais que outros países, com serviços de saúde, educação ou de segurança?

    Os leitores de “A Voz de Ermesinde” sabem que não somos ingénuos ao ponto de acreditar que a classe política acolherá o “recado” da SEDES. Como temos escrito, devemos, antes, prepararmo-nos para a prevista «crise social de contornos difíceis de prever», como admite a Associação para o Desenvolvimento Económico e Social.

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

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