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    Arquivo: Edição de 15-05-2006

    SECÇÃO: Destaque


    COLÓQUIO COM SÉRGIO RIBEIRO (COMITÉ CENTRAL DO PCP)

    Do condicionamento industrial de Salazar à política actual de submissão financeira

    Decorreu na passada sexta-feira, dia 5 de Maio, na Quinta da Caverneira em Águas Santas – espaço público cedido para o efeito pela Câmara Municipal da Maia, um colóquio que contou com a presença e a palavra de Sérgio Ribeiro, membro do Comité Central do PCP e ex-deputado ao Parlamento Europeu (durante 11 anos). O colóquio, dedicado ao estado da Economia portuguesa teve por título “As Causas e as Consequências das Transformações Económicas da Revolução de Abril... e o Estado da Economia no Portugal de Hoje”.

    O orador foi apresentado por Pedro Ferreira, da Comissão Concelhia da Maia do PCP, que salientou o facto de se tratar da primeira de uma série de iniciativas conjuntas do mesmo género a levar a cabo, dada a vizinhança dos dois concelhos e a necessidade de integrar estas realizações por forma a chamar outros públicos às iniciativas do partido.

    Foto TERESA LOPES
    Foto TERESA LOPES
    Durante mais de três horas, Sérgio Ribeiro deliciou a assistência com uma exposição a um tempo clara e profunda sobre os caminhos da Economia portuguesa desde os tempos do condicionamento industrial do salazarismo, até aos dias de hoje, passando pelas transformações estruturais realizadas na sequência da Revolução de Abril.

    «Há décadas que procuro conversar. É uma das minhas tarefas como economista há perto de 50 anos. O tema de hoje dava para um curso de economia política, pelo menos semestral, mas teremos de o desenvolver nas duas ou três horas disponíveis. Destas conversas procuro sempre que levemos mais dúvidas que as que trouxemos, para meditarmos. Meditarmos como estamos a viver e porque estamos a viver assim», iniciou o economista.

    «As transformações económicas decorrentes do 25 de Abril têm muito a ver com a Economia Política do fascismo; com 48 anos de uma economia na aparência estagnada, de crescimento o mais lento possível e contenção das necessidades populares (...), explicou o economista».

    Mas no pós-guerra, recordou Sérgio Ribeiro, deu--se uma abertura, também económica, de acordo com os interesses do capital: «Salazar não queria a Siderurgia no Seixal porque era muito perto da CUF e isso seria, no entender dele, muito operário junto; no entanto prevaleceu o interesse de Champalimaud, que impôs que a Siderurgia ficasse mesmo no Seixal, contrariando a vontade do ditador (...)».

    Com o início da guerra colonial, «a economia volta a fechar-se» e «dão-se extraordinárias transformações: aparece a inflação, até aí desconhecida (a taxa de juro era de 2% e não saía disso), aparece o desemprego, que até aí não havia, dá-se a vaga de emigração maciça, de fuga à guerra colonial, aparece a TV. No final dos anos 60, Portugal já não era o país rural de 20 anos antes. São adoptadas algumas leis sindicais, exigidas pela OIT (aliás, a OIT viria a ter um papel muito importante no processo do 25 de Abril, como adiante veremos); o combate ao regime fascista entra também pela assim aberta brecha sindical (que possibilitou que em Janeiro de 1974 houvesse 40 mil metalúrgicos em greve). O regime abre por fora e abre brechas também pelo lado de dentro».

    O 25 DE ABRIL

    O 25 de Abril encontra o mundo em crise, lembra ainda o economista. «Os sete grandes grupos económicos portugueses tentam a todo o custo deter o curso da Revolução. A economia sofre um extraordinário impacto. Em 1974 não havia praticamente desemprego. Depois dá-se a desmobilização das tropas da guerra colonial, o estancamento da emigração (que era de 100 a 120 mil por ano, atingindo o pico em 68//69 – mais a fuga à guerra colonial – mas que em 74 já estava em decréscimo), vinda dos retornados. Tudo isto exerce uma extraordinária pressão sobre a economia portuguesa. Os grupos económicos não investiam. No entanto, criou-se emprego com investimento e no final de 1975 a economia portuguesa estava estranhamente saudável», considerou o dirigente comunista.

    «A Constituição aprovada em 2 de Abril de 1976 (...) previa um sector público, um sector privado e um sector cooperativo, cada um com as suas funções e especificidades; um sector público como motor da economia, articulando com os outros; o factor político sobrepunha--se ao interesse económico privado, (que não pode sobrepor-se ao interesse colectivo como hoje acontece). A Constituição previa o aproveitamento dos recursos do país para a satisfação das necessidades dos portugueses. De seguida dá-se a eleição de um governo que devia pôr a Constituição em prática».

    «Entre Agosto de 1976 e Janeiro de 1977 é elaborado por um grupo de técnicos da OIT o Plano de Médio Prazo 1976-1980. Este grupo percorreu o país a fazer o estudo das necessidades essenciais e do emprego possível. O Plano de Médio de Prazo destinava-se a pôr em prática o plano de necessidades essenciais e emprego da OIT, já referido (Employement Planing Needs).

    O Plano é apresentado ao Governo em Março de 1977 e devia ter ido à Assembleia da República, mas não chegou a ir porque o Governo entretanto caiu. A AR tinha dois projectos para discutir, antes da queda do Governo PS sozinho – a Lei Barreto, da contra-reforma agrária e o Plano de Médio Prazo – e optou pela Lei Barreto. O Plano ficou na gaveta onde ainda está».

    A economia portuguesa tinha um caminho traçado pela Constituição, que não foi seguido, considerou . «Aparecem então como "alternativa" a este caminho, as cartas do FMI, exigindo os célebres ajustamentos da economia portuguesa, a fim de resolver problemas financeiros. A grande aposta é a solução de desequilíbrios financeiros, mas não no crescimento da economia. Dá-se uma recuperação capitalista obediente (...) .

    Vêm depois os desgraçados anos 80, com o desemprego como variável estratégica para retirar direitos aos trabalhadores e fazer baixar o preço da força de trabalho.

    Nos anos 90 fomos autenticamente "à trela". Passámos a economia não portuguesa, dependente e periférica. Voltamos a fechar. Temos hoje uma economia desmotivada do ponto de vista produtivo, voltada para a intermediação do que os outros países produzem. O circuito financeiro intervém o circuito real produtivo. Já não existe sector público. Acabou a economia produtiva (...)».

    FOSSO ENTRE POBRES E RICOS

    «A economia é toda ela avaliada em termos de rentabilidade do capital reproduzido» – explica Sérgio Ribeiro; «o capital é agora transnacional, até pela evolução natural do processo histórico».

    E denuncia: «Portugal é hoje o país da Europa com o maior fosso entre os 10% mais pobres e os 10% mais ricos, ao nível dos Estados Unidos, país de enormíssimas disparidades. O fosso entre os 10% mais pobres e os 10% mais ricos é em Portugal de 1 para 15, em Espanha de 1 para 9, nos países escandinavos de 1 para 4 e 1 para 5».

    O economista e membro do Comité Central do PCP terminou a sua intervenção defendendo o cumprimento da Constituição saída de Abril, quando tal for possível, salientando que é a política que deve comandar a economia e pô-la ao serviço da comunidade, e não, como agora acontece, pôr a política a servir os interesses económicos.

    QUESTÕES COLOCADAS NO COLÓQUIO

    Seguiu-se uma primeira fase de intervenção dos participantes no colóquio, que colocaram algumas questões sobre a produção, a banca, a precaridade social.

    Sérgio Ribeiro lá foi respondendo às questões (... «decisões como a da fixação das taxas de juro são tomadas em Frankfurt, na sede do BCE, à distância de milhares de km das situações e das especificidades das economias.

    O BCE é comandado pelos 6 euro-banqueiro-cratas, que não se sabe como são noemados, mas são eles que mandam» ou «... a classe exploradora vê tudo como uma mercadoria. O salário significa a sobrevivência do trabalhdor, a organização da sua vida; para o empregador os salários são apenas custos; os salários são os rendimentos do trabalhador e os custos do capitalista»).

    E colocando as questões de um ponto de vista histórico: «A reivindicação do século XIX era já a dos três 8: oito horas de trabalho, oito de descanso, oito de estudo e lazer. Hoje em dia há um retrocesso, ligado à necessidade de deslocação para trabalho longe, à necessidade de duplo e triplo emprego para sobreviver, o trabalho doméstico das mulheres acrescido ao trabalho no emprego, etc.. O princípio evolutivo é o trabalho morto (as máquinas) libertar o trabalho vivo».

    Outras questões prenderam-se com as nacionalizações, a segurança social, o impacto da nacionalização do petróleo na Bolívia, o trabalho precário, os direitos sociais dos trabalhadores, a viabilidade do sector cooperativo.

    Sérgio Ribeiro vai esclarecendo e revelando: «(...) O general Spínola tinha um irmão que era agente de marcas e patentes e tinha adquirido o alvará para construir a Siderurgia. Vende depois esse alvará ao Champalimaud, que se obriga a empregar o Spínola como secretário-geral da Siderurgia. Este pede então uma licença ilimitada da tropa e vai ocupar na SN o 2º lugar da hierarquia ( o 1º era o Champalimaud, obviamente). Após o 25 de Abril, Spínola com o apoio de 4 ou 5 grupos económicos (incluindo Champalimaud) criaram o MDES (Movimento Democrático Economia e Sociedade) para “tomarem conta dos aspectos económicos da Revolução"».

    E muito mais haveria a contar do colóquio, se houvesse espaço para tal.

    No final, o orador despediu-se: «Para terminar, e respondendo a quem me pede que não me vá embora sem deixar uma palavra de esperança, devo dizer que não tenho receitas, nem passo receitas. A "receita" é a da tomada de consciência e transmitir aos outros essa consciência; nesta época em que mentira substitui a ignorância não podemos ser ignorantes. E depois é preciso prosseguir a luta».

    Por CC/AVE

     

     

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