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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 30-03-2006

    SECÇÃO: Cultura


    Ágora promove primeira conferência de Ermesinde

    Eça de Queirós a duas dimensões

    A vida e obra de Eça de Queirós (Eça a duas dimensões) foram debatidas no Fórum Cultural de Ermesinde na primeira de uma série de conferências, anunciadas pela Ágorarte - Associação Cultural e Artística de Ermesinde. Paralelamente foi inaugurada a exposição "Percursos Queirosianos – Da Biografia à Ficção", patente no segundo piso daquele espaço.

    Fotos MANUEL VALDREZ
    Fotos MANUEL VALDREZ

    Para falarem do escritor, dos seus trajectos literários e da sua intervenção política e social, estiveram Maria do Carmo Castelo Branco Sequeira, directora da Faculdade de Ciência Humanas de Fernando Pessoa, e conhecida ensaísta queirosiana, Maria da Graça Salema de Castro, presidente da Fundação Eça de Queirós e Manuel Pereira Cardoso, presidente da Associação Amigos de Eça de Queirós. Na mesa estiveram ainda Carlos Faria, presidente da Ágorarte, que moderou a conferência, Catarina Ferreira, em representação da Câmara Municipal de Valongo, e Artur Pais, presidente da Junta de Freguesia de Ermesinde.

    Na caracterização que fez da Ágorarte, Carlos Faria começou por sublinhar a tenacidade, persistência e determinação como alguns dos atributos que se identificam com a actividade desta associação, para lançar um desafio:

    «Queremos transformar a cidade de Ermesinde num pólo irradiador de cultura, no âmbito da Àrea Metropolitana em que se insere, bastando para tanto que as forças vivas de Ermesinde entendam que têm também um papel importante a desempenhar e queiram ser nossos parceiros nesta aliciante aventura».

    ESPAÇO

    DE DEBATE

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    O repto estava lançado. Carlos Faria voltou a insistir nas metas a atingir:

    «Ao lançarmos para a ribalta as conferências de Ermesinde, outro objectivo não temos, senão o de criar um espaço onde ciclicamente nos possamos encontrar a discutir assuntos ligados à literatura, às artes, à ciência, à política, ao jornalismo. Será esta a nossa contribuição mais visível para a edificação de uma sociedade mais democrática, mais aberta e plural». E porquê Eça de Queirós para tema desta conferência? «Por três razões fundamentais; pelo prazer que a sua leitura proporciona quando põe em cena uma sociedade e uma época, pela sua profunda compreensão do ser humano e finalmente pelos laços de união entre Portugal e o Brasil, onde a sua obra é muito divulgada», justificou Carlos Faria.

    Idêntica argumentação serviu à professora Maria do Carmo Castelo Branco Vilaça de Sequeira para proferir a sua interessante comunicação.

    CULTURA

    É EDUCAÇÃO

    Licenciada em Filologia Românica, mestre em Literaturas Românicas Modernas e Contemporâneas, doutorada em Ciências da Literatura, justamente com uma tese sobre "A Dimensão Fantástica em Eça de Queirós", e autora de diversas publicações didácticas, Maria do Carmo Castelo Branco que, curiosamente, é bisneta de Camilo, outro nome grande das letras portuguesas, começou por afirmar:

    «Iniciar este conjunto de conferências com Eça de Queirós é uma forma magnífica de responder a um movimento cultural e artístico desta Ágora, o correspondente grego da grande praça pública romana onde as ideias cívicas, políticas e culturais se cruzavam e debatiam». E citando João Barrento:

    «É sempre difícil separar o cultural do literário porque o espaço literário faz parte do sistema simbólico que é a cultura. Para Eça de Queirós foi sempre difícil separar o literário do artístico, considerado globalmente, quer seja teatro, pintura, música», salientou Maria do Carmo Castelo Branco.

    Difícil foi também separar em Eça, o cívico e o político. «A organização e a estruturação da “Polis” foram sempre motivos de interesse e de preocupação para o escritor. Falar de Eça de Queirós é, na verdade, descobrir o seu papel de cidadão, intérprete e interveniente na História Política, na História das Ideias e implicitamente na História da Educação. No sentido mais lídimo e etimológico, cultura é educação», sustentou a conferencista.

    LIBERDADE

    E REBELDIA

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    Discutir e analisar Eça de Queirós como o escritor que mais responde à nossa enciclopédia cultural é ainda como confessou Maria do Carmo Castelo Branco, a perspectiva que mais a fascina. E explicou:

    «Não é uma simples imagem de retórica falar de liberdade quando se fala de Eça de Queirós. Falar de liberdade no seu sentido pleno, significa não se vergar perante as convenções e as modas, desprezando os lugares comuns dos que o rodeavam».

    Evocando um texto escrito em 1896 dedicado à morte de Antero de Quental (Antero suicidara-se em 1891), no qual Eça reflecte com alguma ironia sobre a liberdade da sua geração e sobre as suas causas, referindo-se à Universidade de Coimbra como uma muralha negra, que estigmatizava o grupo que, com Antero, tinha participado na chamada questão coimbrã, a oradora lembrou que a posição dessa mesma Universidade que era, então, considerada ultra conservadora e ultra católica, acabou por produzir um efeito perverso, ao alimentar nos elementos desse grupo um espírito de rebelião que nunca mais os abandonara; uma rebeldia, simultaneamente, racional e fantasista. «No meio de tal Universidade, geração como a nossa só poderá ter uma atitude de permanente rebelião. Com efeito, em quatro anos, se bem me recordo fizemos três revoluções. Aprendemos a detestar todos os tiranos», escreveu o criador de “Os Maias”.

    EÇA

    INTERVENTOR

    Essa rebeldia revelou-se, de resto, nas mais variadas formas de intervenção. Através da sua escrita, Eça tinha consciência que podia influir na evolução da sociedade do seu tempo, no Portugal atávico e conservador. Ele acreditava na eficácia da ironia e do humor como factores de transformação social, ou ainda e sempre ao recurso do riso provocatório como se verifica em “As Farpas”.

    No plano da justiça, Eça também não era indiferente às arbitrariedades do poder, como salientou a professora Maria do Carmo, ao citar um ensaio sobre imigração elaborado pelo escritor em 1872, quando exercia o seu consulado diplomático em Havana. Nesse texto, pouco conhecido (até mesmo dos queirosianos) o autor de “A Cidade e as Serras” denunciava o tratamento desumano e de autêntica escravatura a que os chineses (de Macau) eram submetidos enquanto esperavam por contratação. Para não fugirem, eram encerrados nos chamados depósitos que foram, de facto, os primeiros campos de concentração.

    CONVITE

    À LEITURA

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    Depois de traçar os perfis de algumas obras, locais e personagens que povoaram o mundo fantástico do escritor e de se referir às Conferências do Casino Lisbonense como o ponto de partida para a proclamação do realismo como nova expressão de arte, Maria do Carmo Castelo Branco falou ainda ao longo do seu discurso dos registos da vida portuguesa no século XIX, que Eça tão bem retratou nos seus livros, tais como «o mundo sentimental, o mundo literário, o mundo agrícola, o mundo supersticioso». Em contraponto, falou nos sentimentos de impotência e frustração que, em termos artísticos, acompanharam Eça até à morte.

    Neste aspecto – como sustenta Maria do Carmo Castelo Branco – «há muitos pontos em comum com Fernando Pessoa, sobretudo nos textos em prosa. A inquietação e a dúvida eram motivos de constante insatisfação; tanto em Eça como em Pessoa, que se revia muito na prosa do primeiro. A ensaísta queirosiana acabou a enaltecer o desafio da Ágorarte, que considerou um estimulante contributo para a recuperação de Eça, tanto pela visita aos seus lugares como pelo prazer de ler as suas obras.

    CASA

    DE TORMES

    É PONTO

    DE ENCONTRO

    Maria da Graça Salema de Castro, foi outra personalidade convidada para a sessão de estreia das "Conferências de Ermesinde". Viúva do neto de Eça de Queirós, Manuel Benedicto de Castro, esta ilustre senhora criou com seu marido e com a colaboração de Maria Teresa Avilez a Obra de Bem-Estar Rural que, na década de sessenta, desempenhou um importante papel social em Baião, onde se localizam a Casa de Tormes, inspiradora de "A Cidade e as Serras" e a Fundação Eça de Queirós, a cujo Conselho de Administração preside.

    Irradiando uma contagiante jovialidade, Maria da Graça de Castro referiu-se à Casa de Tormes «como um ponto de encontro de visitantes, entre os quais se incluem muitos professores e alunos de muitas escolas do país e de todos os graus de ensino».

    Esta casa – explicou – «é não só um espaço que faz parte de um conjunto museológico aberto, onde se guardam objectos que pertenceram ao escritor, como também um centro onde se vão desenvolvendo as mais diversas acções de formação».

    AMIGOS

    DE EÇA

    DE QUEIRÓS

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    Homem de letras, licenciado em Românicas pela Universidade do Porto e antigo vereador do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Baião e actual presidente da Associação dos Amigos de Eça de Queirós, Manuel Pereira Cardoso foi outro dos conferencistas presentes, papel que humildemente rejeitou porque, como afirmou, «não se considerava ali nessa qualidade».

    «Criar condições para apoiar a Fundação, ajudá-la nas actividades que vai desenvolvendo e divulgá-la através de uma publicação periódica destinada aos sócios», são, no essencial, alguns dos objectivos da Associação dos Amigos de Eça de Queirós descritos por Pereira Cardoso que falou, por fim, da grande diáspora baionense que reside em Ermesinde, lamentando, entretanto, a sua ausência neste encontro com Eça de Queirós, a sua obra e as suas referências.

    Por: Álvaro Mendonça

     

     

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