O MUNDO SOBRE RODAS
Henry Ford – a personalidade
É impossível falar de "o mundo sobre rodas" sem que surja logo no ecrã da mente a imagem de Henry Ford e o seu Ford T. Isto, porque, embora não tivesse sido ele o inventor do automóvel, foi ele, de facto, com a sua imaginação e criatividade, que pôs o mundo sobre rodas. Foi o principal responsável por tudo o que sucedeu com a democratização e vulgarização do uso do automóvel. O responsável por todo o prazer, conforto e ajuda que o carrinho nos dá, mas também por todo o caos, poluição, engarrafamentos, stress e morte que o seu uso maciço nos trouxe. Um novo mundo de problemas e benesses que não existia antes. Consequências contrastantes como a própria personalidade do grande magnata da indústria automóvel que foi Henry Ford.
Embora seja necessário classificar e estereotipar, existem sempre muitas excepções às regras estabelecidas, principalmente quando se trata do ser humano, portador de miríades de combinações genéticas que levam aos inúmeros tipos de personalidade, às mais diversas particularidades que formam o indivíduo. Por isso é um indivíduo, é único, tem a sua marca, a sua personalidade própria com base em factores inatos adquiridos através do seu ADN e também durante a sua vivência. E Henry Ford, o construtor de automóveis, o homem que pôs o mundo sobre rodas, foi uma dessas personalidades controversas, difíceis de classificar e catalogar, por ter sido dotado de qualidades e de defeitos dos mais antagónicos e adversos que podem constituir o carácter do ser humano. (Esperemos que a curiosidade simiesca dos humanos, que os leva a interferir no campo da genética, como qualquer aprendiz de feiticeiro, não venha a causar problemas irreversíveis à diversidade necessária ao desafio da vida, num universo um tanto determinístico e holístico).
Misturemos o ditador com o democrata, o capitalista com o socialista, o conservador com o inovador, o sonhador com o realista, o austero com o humorista, o patrão severo com o companheiro de trabalho, o egoísta com o benfeitor que se preocupa com o seu semelhante e teremos muitas possibilidades de ter acertado na personalidade de Henry Ford, o fundador da Ford Motor Company. Um homem comum com atributos fora do comum, que dizia nunca ter cometido um erro mas apenas algumas experiências mal sucedidas.
A ORIGEM IRLANDESA
Filho de William e Mary Ford, camponeses imigrados da verde Irlanda, em meados do século XIX, no tempo da conquista do Oeste americano, talvez fugidos à miséria e à prepotência do senhorio britânico. Os irlandeses, embora com fama de beberem em excesso, levaram para a América o homem simples, trabalhador e íntegro, o homem da lei que, integrado nas forças da ordem e com risco da própria vida, lutou contra a desordem e criminalidade que a gangada judaico-italiana estabeleceu no país da liberdade.
Não se embrenharam muito no Oeste selvagem, ficaram pela região dos grandes lagos, Michigan, na zona dos lagos Huron/Erie, onde, em Springswell, Wayne Country, perto de Detroit, desbravaram a terra e construíram a sua quinta, com a tradicional casa de madeira onde, em 1863, o pequeno Henry nasceu e foi criado. Hoje a casa está em Greenfield Village, Dearborn, loca em que se encontra o museu Ford e a mansão de Henry Ford, a Fair Lane.
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Foto Arquivo |
A par da actividade primária dos colonos americanos que era a agricultura e criação de gado, foi, naquela região, que se iniciou o desenvolvimento da grande indústria metalúrgica e metalo-mecânica americana em que se integrou, mais tarde, a indústria de automóveis. E Henry Ford estava no lugar certo para se iniciar na actividade que mais o seduzia e para a qual se sentia mais apto: a mecânica. Para tal, deixou os campos de Springswell e abalou para Detroit, onde começou a trabalhar, ainda jovem, na Detroit Edison Electric Company, de Thomas Alva Edison, o famoso inventor de quem foi sempre grande amigo e admirador e que o encorajou a construir o seu primeiro automóvel.
UM NOVO MUNDO
Edison, que entre outros inventos, inventou a lâmpada incandescente que, da noite para o dia transformou a noite em dia, transfigurando todo o modus vivendi da época, além de mestre, foi sempre uma referência para Henry Ford, ao longo da sua vida, a tal ponto que, mais tarde, juntamente com Firestone, foi o seu amigo mais chegado. O trio que se via regularmente, nos mais diversos convívios e acontecimentos, era Edison, Ford e o magnata da borracha Harvey Firestone. Este foi sócio de Ford na exploração do cauchou na Amazónia, o que os torna também responsáveis pelo começo da destruição da grande floresta equatorial amazónica, o grande pulmão do mundo em que vivemos. É o lado inverso do progresso industrial que levou à facilidade da vida actual.
Há sempre algo a pagar pelo artifício, pela vida fácil, mas parece que, naquele tempo, não havia consciência disso, pois Ford, Edison e Firestone gostavam de dar grandes passeios pelo campo, em companhia do famoso naturalista John Burroughs, o que prova que amavam a Natureza.
Mas Thomas Edison, mais velho, era sempre o patrão e Ford sempre respeitou essa distância, tratando-o por "Mr. Edison" e ele por "Mr. Ford". Em 1927, Ford convidou-o para inaugurar o seu sistema de soldadura eléctrica, uma inovação que tornou possível o fabrico das rodas de raios de arame fixos que equiparam os últimos Ford T e, no futuro, todos os Ford, desde o Ford modelo A até ao Ford V8 mod. 48 de 1935. A partir de 1936, com o V8 modelo 68, todos os Ford passaram a ser equipados com rodas de aço estampadas. Era tal a admiração e respeito que Henry Ford dedicava a Thomas Edison que, após o grande sucesso da apresentação do Ford modelo A, em Dezembro de 1927, acontecimento só comparável ao armistício de 1918 e à travessia do Atlântico Norte, por Lindbergh, Ford ofereceu a Edison o primeiro exemplar que saiu da linha de montagem, o Tudor Sedan n.º A1 que, a pedido de Edison, recebeu uma carroçaria Phaeton, ou seja um modelo aberto de quatro portas. Figurava no museu Ford, em Dearborn, ainda nos anos oitenta, mas actualmente não sei, porque foram, há pouco tempo, alienadas algumas unidades que se encontravam expostas naquele museu mas talvez de outras marcas.
A CRIAÇÃO
DO AUTOMÓVEL
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Foto Hart Sook |
Quando Ford trabalhava nas indústrias de Edison, como engenheiro mecânico, estava-se no começo da indústria automóvel e, tal como na Europa, nos Estados Unidos, vários engenheiros apresentavam as suas criações, os seus inventos e eram as criações mais diversas de motores a petróleo, vapor e eléctricos com as mais diversas transmissões e carroçarias. Nos primeiros tempos, o mais importante era o funcionamento do motor, o aperfeiçoamento da força motriz e sua aplicação na tracção, ou seja na transmissão, que geralmente ainda era por corrente, como as bicicletas e as motos. As carroçarias eram fabricadas com a técnica e no estilo dos carros de cavalos, com poucas alterações, excepto no que dizia respeito à direcção que, naturalmente, não era por rédeas. Por isso, se chamavam "horseless carriages" ou seja carruagens sem cavalos, apenas os do motor, claro!
Henry Ford não fugia à regra e, nas horas vagas, numa pequena oficina que montou na sua casa no n.º 58 da Bagley Avenue, em Detroit, ia construindo o seu primeiro automóvel. Não era bem uma carruagem sem cavalos, mas antes um "light car" ou "cycle car" que denominou de "Quadricycle", que mais parecia um carro para deficientes. Era um monolugar com quatro grandes rodas de raios, tipo bicicleta; um motor bicilíndrico a petróleo, refrigerado a ar, colocado na traseira, sem cobertura; a direcção tipo cana de leme e uma campainha de bicicleta, na frente. Este exemplar foi o primeiro Ford, construído com as suas próprias mãos e com ele passeou, de fato domingueiro, num radioso domingo de sol, em 4 de Junho de 1896, há precisamente 109 anos.
Depressa Henry Ford levantou asas para montar a sua própria indústria de automóveis, a que mais o fascinava e que se encontrava ainda na sua fase pioneira. E, de facto, depois duma experiência com a Detroit Automobile Company, em 1900, e outra em 1902, de parceria com Henry Leland, o fabricante do Cadillac e, mais tarde, do Lincoln, a Henry Ford Automobile Company, fundou então, em 1903, com 40 anos de idade, o colosso que foi a Ford Motor Company, Detroit, Michigan, que viria a ser uma autêntica instituição nacional americana que, graças ao génio de Ford, pôs o mundo sobre rodas.
Por:
Reinaldo Beça
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