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Edição de 30-04-2025
Jornal Online

SECÇÃO: Crónicas


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Uma gaivota voava, voava

Estamos a meio da primavera. Pelas mais variadas razões, quer seja pelas alterações climáticas ou pelos provérbios seculares do povo, temos tido águas mil. O mês de abril é cheio de datas comemorativas. A começar pelo dia 1º, que é o Dia das Mentiras, temos a Páscoa, que é uma data volante, a 22 o Dia da Descoberta do Brasil e, por fim, a 25, o nosso 25 de Abril. O nosso 1º dia da democracia, preso nas pétalas de cravos vermelhos. Cravos transportados em mãos ainda sem saberem a profundidade de tais gestos. Presos em canos de armas, que para sempre se esqueceram da palavra morte. Já lá vão 50 anos… parece-me que foi ontem. Mas não, a memória levou-me a uma viagem já bem longínqua.

Era ainda menino. Menino, nascido e criado em terras africanas, mais propriamente em Angola. No liceu estávamos a aprender a grande obra de Luís Vaz de Camões, “Os Lusíadas”. Estava a adorar, não só pela narração da grandiosidade da nossa história, como dos sonetos. Nessa fase da minha idade, estava convencido de que era poeta. Superior ao grande Bocage, tal era a idiotice. Mas os meus colegas e algumas das minhas professoras até me incentivavam a tal.

Em meados de janeiro, fomos confrontados com um concurso interescolar de prosa e poesia. Fui eleito para criar um soneto. Agradeci a confiança. Entusiasmado com as estrofes e os versos, as rimas lá iam aparecendo. Falava de nós, das nossas grandes conquistas, do povo lusitano, pois seria exposto no 10 de Junho, Dia de Portugal. A professora, em cada aula, inquiria-me pelo término da obra. Um dia, respondi-lhe afirmativamente.

Subi ao palanque. Como eu gostava de declamar poesia. Terminei inchado como um pavão. O anel do curso dela ora me beijou a face direita, como logo de seguida a esquerda. A cabeça nem tremeu. Ela aos gritos, eu sem saber o que se estava a passar e os meus colegas atónitos. Ela queria falar de imediato com o meu pai. Isso é que era bom! Depois daqueles estalos que me marcaram as faces durante umas semanas, ainda iria apanhar do meu progenitor. Estava ausente de Angola, inventei. A folha não naufragou, mas foi feita em pedacinhos. Encaminhei-me para o meu lugar com raivosas lágrimas a quererem saltar para as faces, tal a vergonha. Ali acabou a minha veia poética.

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Ao sentar-me, a minha colega, entre dentes, diz-me:

— O que te deu? És idiota?

Eu, sem entender nada, digo:

— O que é que fiz?

— No intervalo falamos — retorquiu.

O sino salva-me de mais discursos moralistas da professora. No interlúdio das aulas, a colega, muito viajada por esta Europa fora, acompanhava nas férias o pai em simpósios de ginecologia, arrasta-me para um canto e diz:

— Estás louco? Nem contes ao teu pai. A falar de liberdade num país como o nosso? Queres ser preso?

— Mas eu — retorqui —, só no último verso é que escrevi que os sonhos da gente lusa voavam em liberdade nas asas de uma gaivota!

— Queres estar calado? Esquece e ouve-me. Nunca, mas nunca mais menciones essas palavras.

Calei-me, sim, era melhor. Uns meses mais tarde, oiço gente adulta a falar de uma revolução na Metrópole. Há manifestações na cidade de Luanda, onde falavam de quanto tempo estavam em Angola, que tinham casado e não sei quantos filhos. Do apartheid, da África do Sul — que eu sabia, mas não entendia a estupidez —, da separação das pessoas só pela questão da pele, e pouco mais.

Deu no que deu, todos nós sabemos. Uns voltaram como retornados, eu talvez mais como

(...)

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Por: Manuel Fernandes

 

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