Saudade
Pensando encontrar saudades antigas
Entrei por aquela porta escura
Coberta com o pó do esquecimento
Tingida pelas agruras do tempo
Nela o sol batia desmaiado
Mais parecendo a lua em noites
Salpicadas de sombras baças e disformes.
Ranges vociferando
Como tu sou velha minha amiga
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Transpus o umbral e entrei
Estendendo meu olhar atento
Em receosa lentidão
Lá estava quase tudo
Passepartouts vestidos de fotos
Daqueles que tanto amei
Bonecos permaneciam nos seus lugares
Enxugando um ou outro zumbido
De um qualquer inseto escondido
Pela incerteza do tempo
Um som duma gaita de beiços
Deixada sobre a escrivaninha
Marcada por buracos artesanais
Onde seus donos se recolhem
Fugindo à irritante badalada
Do relógio de parede
Enchia de afeto aquele santuário estático
Sobre uma almofada de veludo puído
Um par de óculos arredondados
De lentes grossas guardam
A incapacidade o medo da incerteza
Da cor e brilho
Dos lindos olhos dos netinhos
Abro a janela com a rapidez da ansiedade
Um feixe de ano-luz listado e frio
Acinzenta e enaltece o passado
Na tentativa de por momentos
Animar aquele espaço
Subitamente as memórias ganham vida
Dançam cantam ao som daquela música
As crianças despertam
Do sono de muitos anos
Soltam seus gritos estridentes
Correndo e rindo
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Difícil a enclausura dum passado
Mais ainda quando feliz
É o silêncio dos objetos
Que não permite a morte
De memórias antigas
Esses não partiram são o único
Testemunho vivo e palpável
Que nos permite recuar
Exausta dirijo-me para a porta
Não me parecendo a mesma
Agora mais leve e clara
Encerro-a em força e precisão
Com a certeza de um dia retroceder
E novamente mergulhar
Naquele lugar quase sagrado
Por:
Eugénia Ascensão
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