GENTE DA NOSSA TERRA
D. Amélia Ferreira dos Santos: uma ermesindense centenária
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Chegar aos 100 anos de idade só por si já é admirável. Mas alcançar o centenário com uma lucidez de fazer inveja a muitos jovens e acima de tudo com um sentido de humor vincado, aliado a uma boa disposição e o gosto de uma boa conversa, é caso para abrir a boca de espanto! Foi assim que nos sentimos após termos conhecido Maria Amélia Ferreira dos Santos, uma “jovem” que completou 100 anos no passado dia 18 de agosto e que há um ano a esta parte reside no Lar de S. Lourenço. Ali estivemos este mês a conhecer um pouco da vida desta senhora, como também alguns aspetos do passado da nossa cidade. Sim, porque a D. Amélia é descendente de uma das mais antigas e ilustres famílias ermesindenses, tão antiga que o número de gerações se perde no tempo. «É tudo de Ermesinde», diz-nos. Questionada antes de tudo sobre qual seria o segredo da longevidade, é pronta a dizer que «não há nenhum segredo. Fui sempre criada com tudo, graças a Deus. Nada me faltou, tanto em solteira, como em casada. Tive sempre uma boa vida. Nunca tive grandes consumições», acrescentando que o seu pai, António Ferreira dos Santos, sempre foi muito seu amigo. E a propósito do pai, recorda que este foi um de cinco irmãos (todos rapazes) de uma família de Ermesinde com posses. Alguns dos tios da D. Amélia foram, inclusive, estudar para Paris. Já o seu pai fez a 4.ª classe, o que não era para todos na altura, como refere, mas como em criança teve paralisia infantil e ficou a arrastar uma perna ao andar, ficou-se pelo 4.º ano de escolaridade. Sobre este problema de saúde do pai, lembra que ele mandou construir um carro adaptado para se deslocar de casa para o trabalho e vice-versa. O pai da D. Amélia que era um conhecido cidadão da nossa terra, já que além de ter sido o proprietário de uma oficina de carpintaria próximo ao antigo quartel dos bombeiros durante muitos anos, foi posteriormente também dono da carvoaria que existia em frente à atual estação de Ermesinde, mesmo ali onde hoje está localizada a Praça da Estação.
Ainda muito nova, com 12 anos, a D. Amélia ficou órfã de mãe, que faleceu de tuberculose, uma doença para a qual então não havia cura, pelo que a nossa entrevistada ficou a tomar conta da casa (na rua de Portocarreiro), e do seu irmão, dois anos mais novo. Sobre esta passagem da sua infância, recorda que após a morte da sua mãe o seu pai quis contratar uma empregada para tomar conta da casa, mas a D. Amélia não deixou com receio de que ali pudesse estar uma ameaça, ou melhor, uma madrasta. «Eu já gostava muito de trabalhar, de esfregar, de lavar, de fazer os trabalhos domésticos. E disse ao meu pai que as minhas tias (maternas), que viviam ali ao nosso lado, me ensinavam e apoiavam no que eu precisasse». E com a necessidade de assumir o papel de dona da casa, digamos, a D. Amélia abdicou de um dos seus sonhos de vida: ser cigarreira. A este propósito, conta que tanto a sua mãe, como as tias, como a própria avó eram cigarreiras, uma profissão que exerciam na Fábrica dos Cigarros, no Porto, mais concretamente na zona do Campo 24 de Agosto. «Éramos conhecidas em Ermesinde pelas cigarreiras», lembra esta hoje centenária cidadã, ao mesmo tempo que nos diz que as mulheres da sua família materna já então estavam à frente no tempo, visto que na época não era muito comum a mulher trabalhar fora do lar. Mas havia muitas outras cigarreiras na nossa terra de então, como conta, e que a sua avó (materna) ia, inclusive, a pé de Ermesinde para o Porto para trabalhar na fábrica. «Eu também queria ser cigarreira e disse-o ao meu pai. Ele foi ter com a minha avó e disse-lhe que eu queria ir trabalhar nesta profissão e como tal teria de meter uma empregada em nossa casa para fazer os afazeres domésticos. Isto após a morte da minha mãe. E foi então que eu disse que não, que ficava em casa a olhar pelo meu irmão e pelas lides domésticas». Recorda mais adiante que o pai lhe construiu uma casa ali em frente à atual entrada norte do Parque Urbano, mas que não quis ir para lá viver e continuou a viver em Portocarreiro. E quem chegou a viver nessa casa situada em frente ao parque foi um dos seus tios paternos, Domingos Ferreira dos Santos, uma figura peculiar de Ermesinde de outros tempos. «Ele era muito conhecido. Andava sempre de laço. Quando morreu foi muito correto, pois como não tinha filhos distribuiu a herança por 20 e tal sobrinhos, e uma delas fui eu. Ele confecionava boinas, tinha o atelier em baixo da casa que construiu, uma vivenda que ainda hoje existe ao lado do antigo cinema, e depois ia para S. João da Madeira vendê-las». Ainda sobre os seus tios paternos, a D. Amélia lembra que um deles era pai de José Ferreira dos Santos, uma figura muito ligada ao Centro Social de Ermesinde, onde exerceu diversos cargos ligados aos órgãos sociais, assim como aos órgãos autárquicos da freguesia.
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Recuando aos tempos da sua juventude diz-nos que sempre gostou muito de pagode, gostava de dançar. «Gostava muito de ir à desfolhada que se fazia na Aldeia dos Lavradores. Gostava de ir por causa do beijo…». Do beijo? «Sim, na altura aqui, como em muitos outros locais, nós cantávamos durante a desfolhada e depois havia o beijo por causa do milho rei. Ou seja, chama-se milho rei à espiga em que aparece uns grãozinhos vermelhos em vez dos grãos amarelos. E quando se apanhava uma espiga com grãos vermelhos era o chamado milho rei, e então o rapaz (que tivesse o milho rei) tinha direito a dar um beijo em todas as raparigas. Era o que eles queriam (risos)». Conta-nos ainda que gostava de ir passear com as amigas ao S. Brás (na zona de Baguim) e ao S. Bento (em Rio Tinto), nesse tempo ia-se a pé pela linha do comboio. «mas tinha de pedir autorização ao meu pai, antigamente era assim, havia muito respeito». Eram estas as poucas distrações numa terra (Ermesinde) em que havia muitos lavradores, muitos campos de milho, e que hoje, naturalmente, está muito diferente… para melhor, como opina esta ermesindense centenária. «Antigamente havia mas era campos para trabalhar», recordando, por exemplo, que quando nova nem sequer havia médico por estas bandas. «Quando ficávamos doentes bebíamos um chazinho “disto e daquilo”, e bebíamos aguardente com café e açúcar e no outro dia já estávamos bem. Recordo que o primeiro médico que veio para Ermesinde era de Rio Tinto, e foi a Detinha Esquina que lhe alugou um quarto. Só depois é que começaram a vir outros médicos par cá», lembra. Ainda sobre os tempos livres, diz-nos com saudade que gostava muito de ver as peças de teatro que se faziam na zona da Travagem, e a convivência alegre que se vivia nas margens do Rio Leça com as lavadeiras que ali se deslocavam para lavar as roupas.
A D. Amélia casou com outro descendente de uma outra conhecida família de Ermesinde, os Miranda, da zona da Ermida, que tinham ligações familiares com os
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Nota: As fotos que ilustram esta peça aludem à festa de aniversário (realizada no dia 18 de agosto, sendo que no dia seguinte houve também um lanche convívio com os restantes utentes do lar) da nossa entrevistada, e foram cedidas gentilmente pela sua família.
Por:
Miguel Barros
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