50 ANOS DO 25 DE ABRIL
O MEU 25 de Abril em Lisboa
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Foto ASSOCIAÇÃO 25 DE ABRIL |
Manuel Cunha (antigo professor da Escola Secundária de Ermesinde)
Pediu-me o meu amigo, Dr. Manuel Augusto Dias, diretor deste jornal, que eu escrevesse um pequeno testemunho sobre o meu 25 de Abril. O interesse reside no facto de eu ter passado em Lisboa o 25 de Abril de 1974.
O meu 25 de Abril começou quando cheguei à Praça do Comércio, em Lisboa por volta das 10 horas da manhã, vindo do lado da estação de comboios de Santa Apolónia (Lisboa).
Ao aproximar-me da Praça do Comércio vi uma grande agitação e percebi que algo de especial se passava. Mas eu já esperava algo deste tipo pois em janeiro ou fevereiro de 1974 participei numa reunião clandestina e secreta de militares, a convite de um amigo militar do Porto a prestar serviço militar em Lisboa, como eu. Seríamos 9 ou 10 oficiais milicianos. Eu estava colocado no Ministério do Exército situado na Praça do Comércio. Nessa reunião colocou-se a seguinte questão. O que fazer no caso de sermos abordados/convidados para participarmos num golpe militar, organizado por oficiais do quadro permanente, para derrubar o governo? Essa reunião foi feita na Rua Manuel Ferreira de Andrade em Benfica, Lisboa. Na reunião falou-se que nos quartéis havia oficiais do quadro permanente a contactar oficiais milicianos para obterem o seu apoio e participação num golpe militar para o derrube do governo. Nesta reunião houve a informação e alerta que também se falava em algumas unidades militares que estaria em preparação um golpe do General Kaúlza de Arriaga com objetivos mais conservadores do que a própria ditadura. Já não me lembro que ideias mestras decidimos mas pelo menos ficou o alerta para a possibilidade de haver um golpe retrógrado. Nesta reunião clandestina e secreta ficou acordado que não a divulgaríamos por razões de segurança.
Neste quadro quando cheguei à Praça do Comércio, apesar dos perigos kaúlzistas referidos na reunião clandestina, ao observar uma multidão a vitoriar os soldados e gritando viva à liberdade, viva a democracia, fim à guerra colonial eu desatei a correr e a gritar também viva a liberdade, viva a democracia e fim à guerra colonial. Este dia foi um momento excecional na minha vida, tamanha foi a emoção. Eu estava a viver acontecimentos revolucionários e profundamente emotivos apesar de ainda não ter consciência da importância do que se estava a passar. Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Participar numa revolução e sentir as emoções à flor da pele é um privilégio que poucas pessoas no mundo têm a oportunidade de viver.
Tenho a memória de ter estado muito perto dum capitão que só dias mais tarde soube ser o Capitão Salgueiro Maia. Ao longo do dia conversei com oficiais revoltosos fascinado com o que eles diziam, especialmente sobre a guerra colonial.
As questões da liberdade, democracia e guerra colonial não me eram completamente estranhas pois eu tinha participado, com alguns amigos, no Congresso da Oposição Democrática de 4 a 8 de abril de 1973 em Aveiro, onde estes assuntos foram profundamente discutidos.
Quando a coluna militar arrancou da Praça do Comércio a caminho do Quartel do Carmo abordei o jornalista Adelino Gomes pedindo-lhe autorização para eu seguir com ele no carro militar que transportava os jornalistas pois desse ponto mais alto eu poderia ver melhor o que se passava; Adelino Gomes autorizou e eu, ao longo do dia, ora estava no carro militar ora descia para observar mais de perto o que se passava.
A emoção era muita e não descritível por palavras. Que me desculpem os historiadores que querem tudo muito rigoroso e “seco” mas no estudo das revoluções é preciso contar que não há revolução sem emoção.
Estando eu colocado numa Repartição do Ministério do Exército não participei nas manobras militares do 25 de Abril, a minha participação foi como a de qualquer cidadão.
Ao longo do dia acompanhei a coluna militar comandada pelo capitão Salgueiro Maia na Praça do Comércio, na Rua Augusta, Rossio, Rua do Carmo, Chiado, Praça Luís de Camões, Teatro da Trindade, Quartel do Carmo, etc. Na escadaria próxima da estação de comboios do Rossio até ao Quartel do Carmo pude observar forças da GNR fiéis ao regime, mas sem qualquer ação ou motivação.
Seguia eu a meio da Rua do Carmo quando de repente vi um oficial miliciano que conhecia da recruta que fizemos no quartel de Mafra. Gritei “Saleiro”. O Saleiro deu ordem ao soldado que conduzia o jipe para parar. Saiu do Jipe aproximou-se de mim, deu-me um grande abraço e disse “Cunha, este é o dia mais feliz da minha vida”. Regressou ao jipe e nunca mais nos vimos. Que maravilha de encontro.
Acompanhei a população com alegria deslumbrante durante todo o dia como mostram os filmes e fotografias desse dia.
Assisti ao aparecimento dos cravos vermelhos nas espingardas. Vi as pessoas a abraçarem os soldados. Vi mulheres a beijar com alegria os soldados. Vi os soldados atónitos por tanta atenção que lhes estava a ser dada. Vi populares, especialmente mulheres, distribuindo alimentos, cafés e sandes aos soldados.
Estava em frente do Quartel do Carmo quando chegou a notícia de que a PIDE tinha alvejado pessoas que se encontravam em frente das suas instalações, na Rua António Maria Cardoso (relativamente perto do quartel do Carmo), e que tinham sido assassinadas 4 pessoas.
Estava em frente do Quartel do Carmo quando o Capitão Salgueiro Maia deu ordem para os seus homens alvejarem o Quartel do Carmo.
O 25 de Abril foi assim um dia excecional. Em cada uma destas situações eu sentia-me maravilhado.
As conversas sobre o fim da guerra colonial eram de profunda esperança. Estava na mente das pessoas que a guerra iria acabar e isso era um objetivo muito importante para os pais e para os jovens.
À noite, em casa de uma amiga, Marina, na companhia de 10 ou mais pessoas, também na Rua Manuel Ferreira de Andrade, em Benfica, assisti pela televisão ao discurso do General Spínola como presidente da Junta de Salvação Nacional. Demos abraços uns aos outros com a alegria própria dum acontecimento tão importante e tão desejado.
Ainda não refeito das emoções do 25 de Abril e surgiram novas emoções com a manifestação do 1º de Maio - Dia que passou a ser feriado e dia do trabalhador. Milhares e milhares de pessoas enchiam as ruas e avenidas. A alegria transbordava pela liberdade conquistada. A entrada no estádio (agora com o nome de estádio 1º de Maio) foi algo de extraordinário. Ouvir os oradores em especial Álvaro Cunhal e Mário Soares era algo de novo e estranho. Ouvir Mário Soares radical a responsabilizar os interesses económicos pelo apoio à ditadura foi algo inesperado e especial. Ouvir Álvaro Cunha a apelar à unidade das forças democráticas que lutaram contra a ditadura e a unidade entre os militares e o povo eram ideias que soavam importantes.
Participar na manifestação do 1º de Maio foi algo de especial e extraordinário. Eu só tinha como
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