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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 28-02-2021

    SECÇÃO: Crónicas


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    A GUERRA COLONIAL PORTUGUESA (18)

    A sociedade colonial autóctone dos meados do século XX / do escravo ao contratado

    Tal como na 3.ª lei da dinâmica newtoniana, segundo a qual toda a ação desencadeia uma reação de igual intensidade na mesma direção, mas em sentido oposto, também no que concerne à forma injusta, discriminatória, como a administração colonial tratava as populações autóctones no que respeita a cidadania, outra coisa não seria de esperar como reação senão a sua revolta. Aliás, tal como historiámos nas nossas anteriores crónicas, a presença dos portugueses, à semelhança da de outras nações coloniais, em África, nunca foi de todo pacífica, verificando-se sempre uma resistência mais ou menos ostensiva, mais ou menos latente, da parte das populações autóctones ciosas dos seus costumes ancestrais. Mais grave ainda quando, obrigatoriamente mobilizados para o cumprimento do serviço militar da nação, tinham de combater contra os seus próprios concidadãos.

    Na verdade, convém notar que, com a abolição do tráfico de escravos além-atlântico, especialmente a partir de Angola para o continente americano, por decreto do liberal e 1.º Marquês de Sá da Bandeira, Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, 1.º Ministro de D. Luís I, em 1836, a escravatura não se extinguiu automaticamente. Foram necessárias mais cerca de quatro décadas para que todos os escravos fossem formal e definitivamente libertos, por decreto de 1875, objetivo que deveria ser alcançado no período de um ano, sendo que, até 29 de abril de 1878, ainda que nessa condição, ficariam sob tutela pública. E se dizemos definitivamente é porque já em 25 de fevereiro de 1869, a lei obrigava a que fossem libertados todos aqueles, homens e mulheres, que àquela data se encontrassem na situação de escravos. Só que não se tratava de uma liberdade absoluta, na medida em que eram obrigados a trabalhar para os antigos donos – permitam-me a expressão, por mais dura que possa parecer, pois, o escravo tinha, juridicamente, o estatuto de coisa, não de pessoa humana – a troco dum pequeno salário. Aliás, continuavam a ser marcados com um ferro em brasa, desta vez, já não com o símbolo de escravo, mas de liberto. A condição de liberto já significava alguma evolução relativamente à de escravo, pois, além do salário simbólico a que tinham direito, já tinham a tutela duma junta pública, para fazer ver aos seus antigos donos que, apesar de continuarem a dispor da sua mão-de-obra, da qual dependiam para a prossecução das suas atividades empresariais e não só, não eram seus senhores absolutos, não os podendo, pois, tratar como dantes.

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    Com o incremento das culturas do cacau e do café, nas roças de São Tomé, nos finais do século XIX, estes ex-libertos começaram a ser recrutados para ali trabalharem, na condição de serviçais, na realidade uma condição muito semelhante à de escravos, pese embora ao abrigo de contratos de dez anos, findos os quais deveriam regressar às suas terras, às suas gentes. Só que a maioria acabaria por não sobreviver às duras condições de trabalho que lhe eram impostas e por lá ia ficando para sempre, sem que os seus familiares jamais deles pudessem vir a saber. De referir que o Regulamento do Trabalho dos Indígenas publicado através de Decreto de 9 de novembro de 1899, obrigava os nativos nessa condição a angariarem, pelo seu trabalho, meios para a sua subsistência e das suas famílias, sendo que se o não fizessem voluntariamente, seriam forçados a fazê-lo. Tal resulta, desde logo, como se pode ver, textualmente, do seu Art.º 1.º “Todos os indígenas das províncias ultramarinas portuguesas são sujeitos à obrigação, moral e Iegal, de procurar adquirir pelo trabalho os meios que lhes faltem, de subsistir e de melhorar a própria condição social. Têm plena liberdade para escolher o modo de cumprir essa obrigação; mas, se a não cumprem de modo algum, a autoridade pública pode impor-lhes o seu cumprimento.”

    Na prática, estava assim legalizado o trabalho forçado. Mas esta lei apenas se aplicava aos que a lei considerava indígenas, não aos portugueses em geral, pois o seu salário seria aquele que a entidade patronal entendesse, o que, face a um capitalismo selvagem que, como é sabido, tem como objetivo primeiro e último o lucro a qualquer preço, indiferente à condição do ser humano que, com o seu trabalho, lhe proporciona a riqueza que tanto o conforta, fácil é intuir a forma como seriam remunerados. Ainda para mais quando do outro lado se apresenta como “contratante” alguém que não tem alternativa senão aceitar o que lhe é oferecido e que até acaba de ser tratado como coisa (escravo)…

    Neste contexto, indígena não era sinónimo de autóctone, seu significado comum, ou sequer negro, pois já havia uma minoria de negros e mestiços considerados civilizados, logo, com estatuto de cidadania, mas era, sem dúvida, a grande maioria da população nativa negra e seus descendentes, sujeita a impostos, a trabalho forçado e ao cumprimento do serviço militar. Já os brancos, fossem eles analfabetos, pobres, ou até criminosos para ali degredados, de discutíveis padrões morais e civilizacionais, esses teriam sempre o estatuto de cidadãos nacionais, logo, estavam excluídos dessas obrigações, fora do âmbito desse estatuto.

    Com efeito, os legalmente considerados indígenas não tinham direito a um lugar de residência, a circular livremente no território, a dispor dos seus próprios terrenos para agricultura, a frequentar certos estabelecimentos de ensino, a aceder a certos empregos apenas reservados a cidadãos, por exemplo. Estavam estatutariamente sujeitos ao recrutamento coercivo para o trabalho, fosse ele qual fosse, público ou privado, ao pagamento de impostos e ao fornecimento dos seus recursos económicos, nomeadamente, das suas produções agropecuárias, o que, de algum modo os impedia de competir com os cidadãos (brancos), os ditos civilizados. Havia, pois, legislação laboral, fiscal e judicial específica para eles.

    Por volta de meados do século XX, com o desenvolvimento da extração de diamantes, do petróleo, a abertura de estradas, a construção civil, com a instalação de colonos empresários em suas grandes fazendas agropecuárias, de empresas detentoras do monopólio de exploração de certos produtos como, por exemplo, de algodão, os quais fixavam, a seu bel-prazer, os preços aos pequenos produtores, esse recrutamento coercivo continuou a gerar indignação e revolta. O tratamento desumano a que eram sujeitos os contratados, literalmente arrancados às suas famílias, que os viam partir sem saber como nem para onde, forçados a trabalhar, muitos deles agrilhoados às pernas ou ao pescoço, para não fugirem e sob a constante ameaça da chibata, obviamente que só poderia gerar revolta social e censura internacional.

    (...)

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    Por: Miguel Henriques

     

     

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