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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 30-06-2020

    SECÇÃO: Crónicas


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    O mundo numa bitola

    Janeiro passava e no seu dia 27 lembravam-se as Vítimas do Holocausto. Depois, enquanto “o diabo esfrega um olho” aparece uma maldição, uma besta a que deram o nome de COVID-19. Assustador, no que afetou a saúde e mortalidade. Agressivo, por ter colocado a nu as fragilidades de instituições públicas e entidades privadas. Aterrador, pela campanha que “congelou” capacidades que deveriam ser reativas. Brutal no que fez emergir de nós e do instinto de sobrevivência que foi acionado dentro de cada um. Cruel para quem de si, já vivia confinado a pouco, de nada.

    Em fração de um tempo que se eclipsava, de forma algo desorientada, havia que abastecer e correr para um bunker, onde só entraria o que nos era passado em notícias na sua mais variada forma e transmitidas segundo a perceção ou interpretação de cada um, mesmo em relação a dígitos que nem sempre tinham a mesma leitura. O resto? Depois haveria de se ver.

    O que foi fácil percecionar é que esta desgraça não ia unir o mundo, nem as pessoas. As fronteiras fechavam. Imperava que por um bem maior se isolassem os países e as suas pessoas - que tiveram que aprender a fazê-lo também. Ao abrigo do “protejo-me para te proteger” estava feita a selecção natural da escala de importância na nossa vida, como humanos. Repentinamente instalou-se um “salve-se quem puder” que consequentemente despoletou uma tremenda caça às bruxas – os possíveis transportadores de vírus (nem sempre prevaricadores) que ora eram apedrejados (como aconteceu num país vizinho a idosos que provinham de um lar e tiveram que ser realojados), ora eram convidados pelos vizinhos a sair dos prédios onde moravam (mesmo que a profissão deles fosse a linha da frente, aquela de que dependíamos – saúde ou a que estava ligada a bens essenciais como alimentação), ora eram segregados por grupos de importância até na cedência de ventiladores que permitiam o suporte à vida, salvando-se “os mais novos”.

    Era quase contra natura andar na rua. Começava a ver-se a partilha de fotos, imagens e situações que atentavam contra a dignidade e o direito à privacidade das pessoas que de repente saltavam para os tablóides e para as redes sociais sem que tivessem oportunidade de justificar aquilo que deveria ser intrínseco a cada um. Como não traziam “tabuleta”, nem sequer se sabia se andavam a trabalhar na missão nobre de voluntariado, dando o “corpo às balas”. As pessoas que tinham que garantir os serviços mínimos obrigatórios e os que não tinham hipótese de parar (alguns para nos servir quando “a barriga mandava a perna sair do bunker”) eram vistos como anti-cristos. Se calhar como forma de extravasar o medo daquilo que não se controla proliferavam mensagens de ódio que nem acreditava tinham rosto. Se dantes não as valorizavam agora (infelizmente) começavam a fazer sentido.

    Li algures que num mundo sem futebol, os treinadores de bancada viraram “virologistas” e tanto se lia e contradizia em informações (que para quem não sabe filtrar valiam como certas) e surtiam o efeito desejado: atemorizar e também alimentar um outro lado da “besta” que destruía sentimentos, a par com o vírus. Também como resultado disso as pessoas começavam a fugir umas das outras num afastamento social que passou a ser palavra de ordem. O afeto virou ameaça. Deixamos de poder abraçar meninos e os meninos deixaram de poder fazê-lo entre eles. Não faltaram também as denúncias (conforme infelizmente me foi permitido assistir) e malvadas pois a não ser assim dirigíamo-nos às pessoas aconselhando e lembrando, sem necessidade de chamar “a cavalaria” .

    Ao abrigo do interesse no “bem maior”, o digital virou modus operandi e o mundo confinou-se finalmente à era digital, despersonalizando-se a componente humana e transformando-se num gigantesco call center. No mesmo ritmo, o chão também fugia a muita gente que naufragava de um barco em que as bóias de salvação não dão para todos.

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    De António Gedeão e in Impressão digital pode ler-se a uma dada altura:

    Os meus olhos são uns olhos,

    E é com esses olhos uns

    Que eu vejo no mundo escolhos

    Onde outros, com outros olhos,

    Não vêem escolhos nenhuns.

    (…)

    Transeunte da vida, aquela que de sacola ao ombro gosto de percorrer através do que os meus olhos percecionam dei-me conta que nesta curta fração de tempo em que o mundo virou do avesso, infelizmente foi fácil perceber e sentir a angústia do holocausto. Com esta “amostra da vida”, assustou-me pensar no resultado que seria se alguém acendesse o rastilho à “força negativa das massas”. Agora não se tratava da seleção da “raça pura” mas se calhar pior: o instinto de sobrevivência na escapatória a um vírus que mostrou também o melhor e o pior que emerge de nós. Neste estranho sentimento de insegurança que me invadiu não escaparam as filas de racionamento em que me vi envolvida e aos quase 60 anos de idade senti aquilo que já tinha ouvido da história de infância dos meus pais, nascidos em 1932. Acrescentava-lhe ainda o salvo-conduto que fez parte deste cenário de “guerra” e que chegou a ser imperativo para passar fronteiras simples, como é a travessia de um concelho de residência. As bitolas do distanciamento social que nos impunham começaram a ser desenhadas no chão por onde agora temos que nos alinhar. Algumas têm forma de quadrado, para onde temos que “saltar”, como se fôssemos as pedras de um jogo de damas ou de xadrez.

    Uma das boas notícias que li teve a ver com uma senhora madurinha que recusou o ventilador para que este fosse usado numa pessoa mais jovem. Dias depois era um general português que numa entrevista se disponibilizava para o mesmo caso estivesse perante uma situação de escolha. Reflecti o que faria eu numa dessas situações e dei-me conta que pela desvalorização que de repente a nossa vida assume, pelo tipo cruel de seres humanos que emergem, a troca tinha que valer a pena: era uma pessoa útil à sociedade? Que valor acrescentado agregava com ele? Teria que ser forçosamente uma pessoa mais jovem? Aqui a resposta seria “não” e isto porque revendo tanta gente madura e tão produtiva tinha o exemplo de um médico de 82 anos que ainda exercia, por altruísmo.

    (...)

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    Por: Glória Leitão

     

     

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