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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 15-12-2019

    SECÇÃO: Crónicas


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    A GUERRA COLONIAL PORTUGUESA (3)

    A CONFERÊNCIA DE BERLIM (1884-1885)

    De referir que Moçambique era já colónia portuguesa desde 1505, depois de ali ter aportado Vasco da Gama, em 1498. Com efeito, é na sequência, destas expedições, que a Sociedade de Geografia de Lisboa elabora e apresenta o célebre “Mapa Cor-de-Rosa”, reclamando para Portugal toda essa extensa área, criando uma espécie de barreira às aspirações expansionistas britânicas que pretendiam afirmar a sua soberania sobre uma faixa territorial que se estenderia do Cairo (Egipto) à Cidade do Cabo (África do Sul), na esteira do mega projecto proposto pelo comerciante e colonizador inglês, Cecil Rhodes, que pretendia ligar estas duas cidades por via férrea.

    Obviamente que estes interesses conflituantes geraram um enorme mal-estar entre as duas nações aliadas, de alguma forma fazendo periclitar uma amizade de cinco séculos, dando origem, em 1890, ao famigerado Ultimato Inglês. Ultimato ao qual Portugal cedeu, tendo gerado uma enorme onda-choque de indignação entre a população portuguesa cujo patriotismo inflamou e que levou a que Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça tivessem composto a célebre marcha “A Portuguesa”, exaltando os feitos heróicos dos nossos antepassados, a “lusa gente”, a qual, o Governo da República, em 1910, passou a adoptar como Hino Nacional, um dos símbolos da pátria.

    O século XIX foi marcado por uma grande febre expansionista por parte dos países imperialistas europeus e não só que tinham interesses no continente africano, fossem eles de natureza territorial ou simplesmente comercial. Com efeito, tornara-se apetecível aos europeus não só pela curiosidade científica que despertava, mas também por ser uma óptima fonte de produtos tropicais e de matérias-primas que a revolução industrial em curso exigia, proporcionando, por consequência a criação de novos mercados.

    Ora, esta cobiça vinha constituindo, amiudadas vezes, fonte de desconfortáveis atritos diplomáticos. Daí que, no sentido de pôr cobro a tais incidentes e sob proposta de Portugal e da Inglaterra, o Chanceler da Alemanha, Otto Von Bismarck, tenha organizado a realização duma conferência, procurando-se garantir a livre circulação e o comércio nas bacias dos rios Congo e Níger, bem com o uniformizar as regras, nas relações internacionais, relativamente às ocupações que pudessem realizar-se no futuro nas costas do continente africano e ainda de obter o compromisso de todas as nações intervenientes lutarem pelo fim da escravatura. Participaram na mesma 14 delegados de outros tantos países coloniais e não só, nomeadamente, da Bélgica, de Espanha, da França, da Dinamarca, da Holanda, do Império Alemão, da Inglaterra, da Itália, da Noruega, de Portugal, da Suécia, incluindo dos Estados Unidos da América, do Império Turco Otomano e da Rússia que, apesar de não terem interesse directo naquele território, tinham, contudo, grande peso na cena política internacional, tanto mais que se tratava de Estados igualmente imperialistas e não descuravam a possibilidade de dali poderem vir a recolher dividendos, nomeadamente no que respeita a eventuais tratados de comércio, senão mesmo na aquisição duma qualquer parcela territorial, como, aliás, veio a acontecer com a Alemanha, também ela ávida pelo seu pedaço.

    Pese embora fosse este o tema oficial da agenda, a verdade é que se pretendeu igualmente dirimir os conflitos a que acima aludimos, instituindo novos princípios doutrinários fundamentadores do direito colonial internacional, definindo uma partilha diplomática, consensual, daquele continente.

    Em suma, na Conferência de Berlim, ficou decidida a partilha do continente africano.E tudo isto à revelia dos representantes dos reinos ou tribos indígenas que para a mesma não foram convidados, nem sequer ouvidos, como se, aliás, se tratasse de terra de ninguém (resnullius), desabitada, o que, como sabemos não era o caso. Ora, como é óbvio, uma tal partilha notoriamente artificial com a inerente definição de fronteiras não teve em conta o respeito que seria suposto relativamente à organização étnica e política das populações indígenas que, por mais rudimentares que parecessem aos olhos dos ditos “mais civilizados”, não deixavam de o estar, em tribos, reinos e até impérios que, tão ciosos das suas próprias idiossincrasias, seus costumes, suas religiões, iam alimentando guerras constantes com os seus vizinhos, cujos bens saqueavam, tornando-os seus escravos.

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    Não obstante na conferência todos tivessem concordado com a posição portuguesa relativamente ao Mapa-Cor-de-Rosa aí apresentado, mais tarde, em 1890, como se referiu, a Inglaterra, vem rejeitar esse acordo e envia-nos o tal ultimato exigindo que Portugal renuncie a esses territórios situados entre Angola e Moçambique e os abandone de imediato, sob a ameaça duma declaração de guerra. Portugal, para não pôr em causa o velho tratado de amizade (Windsor, 1386), nem estando interessado em entrar num conflito bélico para o qual não estaria minimamente preparado, ou não fosse a Inglaterra a detentora da maior esquadra naval, à época, acaba mesmo por ceder.

    Acontece que, nesta conferência, o tradicional direito histórico baseado no “princípio da primazia”, ou seja, aquele que chegou primeiro é que tinha direito à coisa, em sede de direito internacional, que vinha sendo invocado pelas potências colonialistas,com o beneplácito da Santa Sé, para legitimar a posse dos seus territórios africanos deixou de ser válido só por si, isto é, deixou de bastar, sendo substituído pelo princípio da posse efectiva, “utipossidetis jure”,nomeadamente através da ocupação militar. Este pretendido exercício da soberania podia igualmente ser comprovado através de acordos ou tratados firmados entre o Estado colonial ocupante e a população indígena local, mediante actos efectivos de administração territorial ou até pela aquisição de direitos de exploração económica permanente.

    Pese embora na supracitada conferência estas regras se restringissem às regiões costeiras, a verdade é que Portugal logo cuidou de expandir a sua esfera de influência para o interior (Interland), o que esteve na origem da elaboração do projecto denomina-do “África Meridional Portuguesa”, vulgarmente conhecido pelo também já referido polémico Mapa-Cor-de-Rosa.

    De referir que, concretamente, em Angola, a definição de fronteiras entre aquela colónia portuguesa e os países limítrofes, através de sucessivos tratados para o efeito celebrados, levou cerca de três décadas a concluir-se, entre 1886 (convenções luso-francesa e luso-alemã), na sequência da Conferência de Berlim, e 1926 (entre Portugal e a União Sul-Africana que, por mandato das Nações Unidas, na sequência da derrota da Alemanha na I Guerra Mundial, que a levara a perder a sua colónia denominada Sudoeste Africano, actual Namíbia, havia ficado a administrar aquele território.

    Ora, a necessidade de, nos termos das novas regras de direito internacional emergentes da Conferência de Berlim relativas à legitimação da posse territorial, Portugal proceder à ocupação efectiva das suas reclamadas colónias, levou a que, a partir de então,se tivesse implementado uma série de expedições militares com vista ao cumprimento de tal desiderato.

    Dessas campanhas, as denominadas “Campanhas de Pacificação”, falaremos no próximo número.

    (continua)

    Nota: o autor opta por utilizar a grafia anterior ao Novo Acordo Ortográfico

    Por: Miguel Henriques

     

     

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