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    Arquivo: Edição de 31-12-2018

    SECÇÃO: Crónicas


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    PASSEIOS DE BICICLETA À DESCOBERTA DO PORTUGAL REAL…

    Vês! Sou aquilo, que quero ser

    Natal.

    A palavra mágica, dita e relembrada anualmente. Carregada do simbolismo cristão, da partilha e da entreajuda, quase sempre esquecida após o nascimento do Ano Novo.

    Do nascimento de um Deus, desejado por todos nós, ficando gravada na nossa memória a magia do aconchego familiar, da bondade, das guloseimas, do convívio, das ilusões não concretizadas, mas transferidas para o ano novo que se avizinha.

    As prendas recebidas, mas que não eram as pretendidas. As do vizinho eram bem melhores. Onde me teria portado mal, para não receber o que sonhava?

    Sonhos que não passam de ilusões, até ao dia em que os concretizamos.

    Vem isto a propósito de me ter lembrado do Sr. Francisco (pastor de cabras).

    Dia 11 de junho de 2018 estava em Chaves. Cidade fundada na época romana, no tempo do Imperador Trajano. Em sua memória foi dado o seu nome à ponte edificada sobre o rio Tâmega nos finais do séc. I d.C., toda ela em granito.

    Tinha que ver os meus amigos de infância, antes de seguir viagem até ao reino do Algarve. Segui até à raia. Dei um abraço do tamanho do mundo em Vila Verde da Raia, de tão longo tempo de separação. Voltei a Chaves para ver o outro irmão, do qual não consegui ir embora sem almoçar com ele e com a sua mãe, minha segunda. Sim. Invariavelmente quando eram castigados, dos seus desabafos com a minha mãe, era também bafejado com o mesmo castigo.

    SOLAR DOS CONDES DE VINHAIS. SEC. XVIII, HOJE CENTRO COMERCIAL
    SOLAR DOS CONDES DE VINHAIS. SEC. XVIII, HOJE CENTRO COMERCIAL
    Saí já tarde. Estava previsto pernoitar em Bragança. O sol, esse não se compadece com perdas de tempo. Segui pela EN 103, passando pela Pedra Bolideira (formação granítica que se move com um pequeno empurrão). Parei na aldeia do Tronco, terra do pai dos meus amigos. Tinha que acabar com aquelas paragens, ou comprometia o que tinha estabelecido. Seria sempre a andar sem paragens.

    Engano meu. Parei em Vinhais. Eram 19 horas. Teria que jantar antes de chegar a Bragança. Vinhais que fica no distrito de Bragança, em pleno Parque Natural de Montesinho.

    O Jantar estava ótimo. O pior foi quando saí. O sol estava a despedir-se. Resolvi seguir mesmo com a noite a instalar-se. Guiado pelo limite da estrada pintado a branco lá segui. A noite estava escura como breu. Valeria o risco? Continuei até alguém, em cima de uma curva, quase me levar à frente. Parei. Não valia a pena correr aquele risco. O nabo não viu o colete e a luz da bicicleta? Saí da estrada. Bicicleta ao ombro trepei pela encosta. Alisei a erva e arbustos. Montei a tenda. Admirado pelo teto celeste, fiquei a admirar as estrelas. A sensação de esticar o braço e tocar-lhes era estranha. Ali não tinha poluição de luzes das grandes cidades. Apaguei. Não me lembro sequer de ter fechado os olhos. Acordei com um beijo lambuzado. Num ápice fiquei de pé. Não pode ser. Uma cabra? Uma voz chamou-me à razão. – Desculpe senhor, mas dormir com a cabeça fora da tenda, não é normal. Sorri e concordei com ele.

    “Como te chamas?”- Fernandes! - Eu sou o Francisco “o pastor”. Pastor de cabras. Senhor dos sonhos. Estás a sorrir? Sim, sou Senhor dos Sonhos. Já estive nas cidades. Fui tropa. Devia ter seguido a tropa, fui burro. Tinha a minha mãe aqui sozinha. Lá em cima. Vês? Aquele casebre bem lá em cima do monte? Tem umas vistas fantásticas, mas não passa de um casebre, tão ou mais pobre que o curral das cabras. Ela foi adoecendo e eu fui ficando, a tratar dela como pude, se calhar deveria tê-la tratado melhor. Mas agora o que interessa?! Ela sabia que fazia o melhor possível. Agora? Agora não saio daqui. Aqui é o meu mundo. Melhor que o teu. Apostas? De manhã quando vejo o rasto de um avião, sou eu que vou nele. Levo-o para as cidades mais bonitas do mundo, olho para as fragas e vejo grandes prédios, para os pinheiros e vejo parques cheios de gente e risos de crianças.Como gostava de ter tido uma mulher e um filho. Olho lá para baixo e vejo o rio. Vejo-me num iate, ou num barco de corrida. Vês?! Sou aquilo que quero ser. Serás tu um ciclista e eu um pastor? Olha para este caso. Ali o “montês” nunca ligou às minhas ordens desde pequeno, de tão teimoso que é devia era ser burro. Quando o mando ir buscar uma cabra, fica para ali parado a olhar com cara de parvo. Sabes quem lá vai? A “Belinha”. Sim essa que te acordou. Se ela faz de cão e o cão não faz de coisa nenhuma, eu sou tudo o que quero ser. Tens que ir? Sabes, davas um bom pastor. Vejo-o pelos teus olhos. Vai, vai lá pastor na tua bicicleta, mas na certeza, porém, que eu hoje serei melhor ciclista do que tu.

    Que nesta quadra se tenham concretizado alguns dos teus sonhos!

    Por: Manuel Fernandes

     

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