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    Arquivo: Edição de 15-02-2012

    SECÇÃO: Crónicas


    CRÓNICAS DE LISBOA

    Farmácias em crise, com reflexos nos doentes?

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    Uma farmácia é um daqueles locais públicos pelos quais sentimos: 1) “amor”; 2) “ódio” e 3) confiança.

    1) Sentimos “amor”, porque ali recorremos para nos aconselharmos, sempre que temos pequenas queixas ou pequenas “maleitas”. Os técnicos, alem de vendedores, são também conselheiros nos quais confiamos, “prescrevendo-nos” ou sugerindo a recorrência aos médicos ou hospitais. Obviamente que também ali recorremos para adquirir os medicamentos de que necessitamos para debelar as nossas doenças.

    2) Apesar de as reconhecermos quase como um “serviço de utilidade pública”, sentimos um certo “ódio” porque a ida a uma farmácia acaba por representar para nós um duplo castigo, isto é, estarmos doentes e ainda termos que suportar a parte do custo dos medicamentos não comparticipada pelo SNS ou a sua totalidade. Para muita gente, portadora de doença(s) crónica(s), então a “conta da farmácia” pode ser assustadora e continuamente sorver parte do seu rendimento mensal.

    3) Sentíamos confiança, porque o paciente ao dirigir-se à farmácia, com a receita médica, sabia que só muito excecionalmente ela não seria aviada de imediato, mesmo que nela constassem alguns fármacos menos comuns.

    Quem estivesse atento, ao longo destes anos, foi verificando que muitas coisas estavam a mudar nas farmácias, não só na sua modernização, mas também noutras vertentes, e muitas delas a exibirem um luxo que poderia ferir a sensibilidade dos clientes/doentes, pois estes facilmente deduziam que essa ostentação provinha dos “ganhos da doença” (pagos por ele e pelo SNS – através dos nossos impostos). Era o tempo das “vacas gordas” e as farmácias pareciam assim ser um setor económico apelativo, pelo que os trespasses de farmácias e alvarás sucediam-se e eram feitos por milhões de euros, valores esses altamente especulativos, mas em que um dia a “batata quente” acabaria por queimar alguém, logo que surgisse o período das “vacas magras”, e este está instalado através de várias componentes, nomeadamente o esmagamento das margens de comercialização, medicamentos genéricos mais baratos, concorrência das grandes superfícies, insuficiência de capitais e endividamento da “empresa”, etc..

    Só os mais desatentos e menos entendidos em gestão empresarial, para a qual muitos dos proprietários das farmácias não tinham a preparação desejada – porque de um negócio se trata, embora com muitas condicionantes e privilégios –, ficará agora surpreendido que a crise nas farmácias seja notícia na imprensa. Outros ficarão ainda mais confusos ao ouvirem que há farmácias à venda por um euro, cujos proprietários desejam vender a farmácia por aquele valor, mas em que obviamente o comprador terá que assumir todo o ativo e o passivo (dívidas) do negócio. Se em meios pequenos se compreende, porque ali o negócio, do ponto de vista económico, não é sustentável, já noutras situações as razões são outras, conforme já citadas atrás, mas também profundas alterações na sociologia urbana, pelo que nalgumas zonas citadinas (as mais antigas) o número de farmácias é incomportável, podendo, num raio de poucas centenas de metros, existir várias farmácias, pelo que, obviamente, a sua rentabilidade está fortemente ameaçada.

    O valor dos trespasse, se o houve, os investimentos na loja e a quebra das margens refletem-se na tesouraria da farmácia, atrasando-se nos pagamentos aos fornecedores, e assim esta passará a ter dificuldades na gestão/reposição dos stocks de medicamentos. Assim, noticia a imprensa que as empresas farmacêuticas e os grandes distribuidores de medicamentos não fornecem algumas farmácias a crédito, pelo que estas têm grandes dificuldades em gerir os stocks de medicamentos, não evitando as roturas de fármacos. O cenário é negro: «Associações de farmácias alertam para o colapso das farmácias e a situação, dizem, está a degradar-se a um ritmo acelerado desde 2005. O cenário é de alerta e 20% das farmácias estão sem dinheiro para repor stocks».

    Esta situação de roturas de stock acaba por penalizar o cliente/doente, porque ao dirigir-se a uma farmácia corre riscos do medicamento de que necessita não estar disponível, o que, como se disse atrás, era “impensável” no passado. Imagine-se que esta situação (rotura do medicamento – mesmo os mais “banais”) ocorre em plena noite ou numa localidade onde só há uma farmácia! Que consequências pode ter para o doente?

    Pessoalmente, confesso que já perdi a confiança atrás citada nas farmácias, e testemunho, como doente crónico, que já me aconteceu, mais do que uma vez e em pouco tempo, não conseguir aviar a receita na totalidade, porque a farmácia (e não foi numa só) não tinha todos os medicamentos constantes na receita médica e como esta não pode ser “partida”, a opção foi voltar lá para levantar o(s) medicamento(s) em falta, com inconvenientes para mim. Observando, tenho constatado também ali outras situações semelhantes, bem como um certo desconforto dos técnicos de farmácia nestas situações. Que medidas tomarão as autoridades competentes? Assim não, porque o doente, que até é o elo mais fraco desta cadeia, pode ser seriamente prejudicado (mais um “castigo”?) nas situações de rotura dum fármaco de vital importância e que ele necessita de imediato.

    Por: Serafim Marques (*)

    (*) Economista

     

     

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