O «paradoxo de duas pernas»
«O paradoxo de duas pernas» ou «Luiz Pacheco é ... Luíz Pacheco», segundo Saramago, são apenas algumas das definições atribuídas ao homem/ escritor/ editor/ crítico literário que, tal «como um meteorito, passou pelo céu de Lisboa, rebentou e ficou em milhares de pedaços incandescentes, que foram caindo, e ainda hoje caem... ». Mas qualquer definição que se atribua a Luiz Pacheco será sempre insuficiente face a um percurso que se pode considerar simultaneamente trágico e cómico, mas sem dúvida, com momentos de genialidade.
Quem foi Luiz Pacheco?
Nascido em Lisboa a 7 de Maio de 1925, Luiz José Gomes Machado Guerreiro Pacheco desde cedo manifestou talento para a escrita tendo frequentado o primeiro ano do curso de Filologia Românica da Faculdade de Letras de Lisboa, sendo um aluno excepcional, mas acabou por desistir por dificuldades financeiras.
Luiz Pacheco publicou dezenas de artigos em vários jornais e revistas, incluindo o antigo “Diário Popular” e a “Seara Nova”, e foi fundador da editora Contraponto, em 1950, onde publicou obras de escritores como Raul Leal, Mário Cesariny, Natália Correia, António Maria Lisboa, Herberto Hélder e Virgílio Ferreira.
Dedicou-se também à crítica literária e cultural, ganhando fama como crítico irreverente, que denunciava a desonestidade intelectual e a censura imposta pelo regime do Estado Novo.
Nas dificuldades que passou ao longo de uma vida atribulada, em que se viu algumas vezes sem meios de subsistência para sustentar a família, Luiz Pacheco encontrou inspiração para escrever o conto "Comunidade" (1964), que muitos consideram ser a obra-prima do escritor. “Oriundo de uma família da burguesia rural, Luiz Pacheco sempre contrariou todas as regras de uma vida estável e confortável, chegando mesmo a viver de esmolas. Tanto na vida como na obra, ele viveu sempre no limite, afrontando, sem hesitação, as regras impostas pela sociedade. Numa época em que a censura não permitia a liberdade de expressão, Luiz Pacheco foi um dos escritores portugueses que abordou a homossexualidade na literatura – em obras como “O Libertino passeia por Braga, a Idolátrica, o seu Esplendor” (1970). Chocou muita gente ao passar para texto uma cena de engate com um magala, durante a guerra colonial, naquele que ficou conhecido como um dos textos mais badalados da sua obra. “Bissexual, foi preso diversas vezes, pelos textos que publicou e pelas mulheres menores com que se envolveu. Teve três mulheres oficiais e oito filhos. Mas o facto de ter posto a literatura acima da própria família levou à desagregação daquilo que ele chamava a sua "tribo". Os textos de Luiz Pacheco são considerados na sua grande maioria autobiográficos, reflectindo muitos deles as suas vivências diárias.
Mas a importância de Luiz Pacheco vai muito além daquilo que ele escreveu.
Considerado o “Sacristão do Surrealismo”, Luiz Pacheco teve um papel fundamental na literatura portuguesa enquanto editor. Publicou obras de Mário Cesariny, António Maria Lisboa, Herberto Helder, Natália Correia, Virgílio Ferreira, entre muitos outros. Luiz Pacheco foi ainda o primeiro editor do Marquês de Sade em Portugal e de muitos outros autores não divulgados anteriormente.
Uma das suas facetas mais polémicas é a de crítico literário. Por diversas vezes gerou verdadeiras ondas de consternação no meio literário português, ao publicar a sua opinião sobre autores e obras. Um dos seus folhetos mais célebres é o que denuncia uma situação de plágio entre dois conhecidos escritores portugueses (plágio de Fernando Namora a Virgílio Ferreira, denunciada na sua obra “O Caso do Sonâmbulo Chupista”).
Depois de ter vivido em inúmeras casas e quartos e de ter percorrido o país de lés a lés por diversas vezes, Luiz Pacheco “assentou” num lar em Lisboa, onde passou estes seus últimos anos. Morreu dia 5 de Janeiro no Hospital do Barreiro, o libertino, o libertário, ou mesmo como gostava de se definir numa fusão das duas, o libertinário.
(Texto recolhido do Portal Galego da Língua)
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