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    Arquivo: Edição de 15-05-2006

    SECÇÃO: Opinião


    CARTAS AO DIRECTOR

    As causas da sinistralidade rodoviária

    No rescaldo da ‘operação Páscoa’ a GNR divulgou, com grande aparato mediático, um estudo sobre as causas dos acidentes rodoviários. Segundo o estudo policial as causas seriam, na ordem dos 90%, atribuíveis aos condutores, restando 6% para as vias e 2% para avarias dos veículos.

    Afinal o estudo tão propalado nada traz de novo! Todos sabemos que a responsabilidade, em derradeira instância, é sempre do condutor, mesmo quando a via é mal concebida e se encontra em mau estado, está mal sinalizada... Não prescreve o código estradal que o condutor deve manter o domínio do veículo e conduzir de modo a evitar qualquer obstáculo que lhe surja, ainda que imprevisto? Descontados os casos que, espera-se, sejam residuais de defeitos de fabrico ou de más reparações – em que a responsabilidade recai sobre os fabricantes ou os reparadores –, não é obrigação dos proprietários dos veículos assegurar a sua correcta manutenção e bom estado?

    O estudo, parece, não esclarece sobre as causas autênticas dos acidentes, ficando-se por verdades ‘lapalissianas’ e, por isso, inúteis, na melhor das hipóteses, enganadoras, na pior. Admitindo, portanto, a responsabilidade dos condutores, como se traduz em concreto, quais os erros e deficiências dos condutores, quais os factores determinantes do fracasso, etc., etc..

    Não admira, portanto, que tenha conseguido uma rara unanimidade, desde os fanáticos dos ‘cidadãos automobilizados’ à Prevenção Rodoviária na sua denúncia e reprovação. O estudo foi acusado de servir para justificar a actividade e a actuação da fiscalização da GNR.

    A brigada de trânsito e os seus denominados especialistas há muito nos habituaram, nesta matéria, a que as suas análises das causas dos acidentes sejam pouco credíveis e fundamentadas, proclamadas com arrogante convicção! É bem mais fácil afirmar que se devem, em geral, ao excesso de velocidade – que não quantificam nem demonstram! – do que investigar, séria e aprofundadamente, as causas concretas de cada acidente.

    Escamoteia-se, quase sempre, se não sempre, que não é a velocidade em si que causa os acidentes, como se esconde que o conceito de excesso de velocidade é autónomo, relativamente àquele. Em determinadas circunstâncias e condições, 20 Kms/h pode constituir excesso de velocidade, enquanto a grande maioria das pessoas sensatas reconhece que o limite legal nas nossas auto-estradas é ridículo e convida ao desrespeito, reconhecidamente generalizado.

    Experiências feitas em vários países vieram demonstrar que, em determinadas situações, o aumento do limite legal de velocidade, onde as condições das vias o permitem, contribui para a diminuição da sinistralidade e para a fluidez do trânsito, o que, entre outras vantagens, faz baixar o consumo de combustíveis e, consequentemente, a poluição.

    Aliás, apesar de evitarem falar disso, todos sabemos que a sinistralidade é muito mais reduzida nas auto-estradas, apesar do nível elevado de desrespeito do limite legal da velocidade.

    É igualmente óbvio que é mais fácil – basta instalar uns radares, quanto mais esconsos mais rendíveis! – fiscalizar a ultrapassagem dos limites legais da velocidade, mesmo que não constitua perigo ou incomode ninguém, que as manobras perigosas e a irresponsabilidade na condução dos que se consideram donos da estrada, de risco elevado a qualquer velocidade.

    Temos em Portugal um código estradal inadmissivelmente repressivo. Preparado por Nuno Magalhães, membro do governo de Santana Lopes e militante portista – de Paulo Portas, nada de enganos! –, compreendia-se a sua ânsia securitária e repressiva. Menos compreensível foi a atitude dos novos governantes que assumiram, sem pestanejar e com uma pressa suspeita, essa política da extrema direita, adoptando o código sem alterações e produzindo regulamentações com espantosa rapidez. Em nome da segurança rodoviária e da urgência sentida de travar a hecatombe da sinistralidade, que ninguém contestava, nem contesta.

    Denunciei, nestas colunas, há cerca de um ano, a desproporcionalidade das medidas repressivas, a sua duvidosa constitucionalidade em variados aspectos, a violação intolerável dos direitos e garantias que consentia, a consequente desconformidade com o Estado de Direito Democrático. Afirmava já que, ademais, seria ineficaz para alcançar o fim que proclamavam os seus autores e defensores.

    Mais de um ano de experiência veio, tristemente, confirmar as minhas convicções e os meus receios. A violenta, excessiva e inadmissível repressão não eliminou nem sequer atenuou significativamente a sinistralidade rodoviárias e as suas negras consequências.

    Por Manuel Gonçalves

     

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