Sem fantasias
O discurso de Cavaco Silva na celebração do 25 de Abril 2006, na Assembleia da República, primou por ter ultrapassado as formas que têm envolvido as comemorações em anos anteriores: «formato clássico e anacrónico, pesadamente nostálgico dentro do qual se lembra essa revolução dos cravos que há pouco mais de trinta anos, incendiou as imaginações e funcionou como marco de tantos sobressaltos libertadores», para citar o jornalista Vicente Jorge Silva, no DN, de 26 de Abril 06.
O Presidente escolheu como tema o Portugal das margens da exclusão social: «das profundas disparidades em que cada vez é maior o fosso entre as regiões marcadas por uma ruralidade periférica e as regiões mais urbanizadas». Pôs o dedo numa ferida que faz sangrar.
Portugal é na União Europeia «o país que apresenta mais desigualdade de distribuição de rendimentos e aquele em que as formas de pobreza são mais persistentes». E acrescentou: «é preciso legar às novas gerações um país mais livre, mas também uma sociedade mais justa».
Alguém afirmou em recente Congresso no Seminário de Valadares, que o futuro do cristianismo está na compaixão, no mundo das margens, da periferia, e a Igreja terá de ser na realidade uma Igreja da compaixão. Creio que do mesmo modo a sociedade com futuro será a da compaixão (no sentido de se voltar para os que sofrem, para partilhar, para ser solidária, para fazer justiça. Na periferia da sociedade se encontram os idosos, as crianças em risco, as vítimas da violência doméstica que atinge principalmente as mulheres, a população juvenil qua abandona a escola precocemente, os desempregados, os alcoólicos, os toxicodependentes.
O discurso de Cavaco Silva chamou a atenção para um grave problema do país real, desapegando-se da pura nostalgia dos cravos cujo significado já poucos entendem. Até porque, como referiu M. António Pina, no JN: «Hoje, os pobres são se possível, ainda mais pobres que antes de 1974, e os ricos mais ricos.
Foi aí que o 25 de Abril ficou por fazer». Portugal continua a ser um país de população pobre, doente, sem competitividade, incapaz de se impor pela produtividade. Com uma desigualdade social que chegará a ser perversa perante os princípios que sempre nos nortearam como nação e que, à medida que se põem de lado ou se alijam como fardo insuportável, provocam mais exclusão, porque criam menos justiça e solidariedade e mais solidão e opressão não só ideológica. Que os portugueses se empenhem no compromisso para a inclusão social, mesmo aqueles que nunca aceitaram que se possa fazer algo mais e só criticam, embora nunca tenham feito nada. Há sempre “velhos do Restelo” num abanar contínuo de cabeças. De resto todos os conhecem.
Por Armando Soares
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