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    Arquivo: Edição de 15-05-2006

    SECÇÃO: Crónicas


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    De Atenas com amor (II)

    Há quem volte de Atenas “com a pedra no sapato” e assim não admira que proteste a sua frustração, dizendo que só lá encontraram “montes de calhaus”. Provavelmente não observaram “com olhos de ver”, para além da névoa que os tempos antepuseram a um conjunto ímpar de realizações que aquele povo notável legou aos vindouros. Pena é que tal aconteça, porque a cidade guarda tesouros de muitas culturas que ali se estabeleceram desde priscas eras.

    A Grécia não é um destino dos mais propagandeados pelos operadores turísticos nem parece haver uma política dinâmica nesta indústria por parte dos seus governos. A impressão que colhemos é de que se trata de um movimento espontâneo originado pelo que ela representou através de vários milénios nomeadamente durante o período clássico, “cerca de 150 anos de uma criatividade excepcional no pensamento, na escrita, no teatro e na arte”, com todas aquelas figuras que nos habituámos a venerar.

    Os amantes da cultura procuram-na em busca de outros conhecimentos, e esses não se sentem defraudados. Significativamente são visitantes alemães, ingleses, austríacos, holandeses, japoneses, a julgar pelos tipos físicos, pela oferta de imprensa estrangeira patente nas bancas, pela oferta de certos produtos alimentares, mais do que pela língua de comunicação que é, quase exclusivamente, o Inglês. É gente de todas as idades com predominância dos jovens, – não esqueçamos que estávamos nas férias da Páscoa, ainda que o nosso calendário religioso não corresponda ao dos ortodoxos gregos – com frequência famílias ou grupos de amigos que invadem hotéis, monumentos, museus, lojas, mercados, cafés. O hotel em que nos hospedámos regurgitava de gente, incluindo alunos em visitas de estudo com os respectivos professores.

    Atenas não é só a Acrópole (o Pártenon e o Erecthéion encontravam-se em obras de restauro) e a biblioteca de Adriano, a ágora antiga e a do tempo romano, os teatros de Dioniso e de Herodes Ático, os templos a Júpiter, a Diana e a Posídon, os Jardins Nacionais, espaços de “relax” em meio ao bulício da cidade. São tantos os lugares públicos a exigir visita que, nos escassos três dias que lá passámos, tivemos que estabelecer opções. Convém recordar que, neste chão, desenvolveram-se inúmeras civilizações desde o Neolítico, passando pela Idade do Bronze (micénica e minóica as mais avançadas), período clássico ou das cidades-estado, os tais cento e cinquenta anos de extraordinário fulgor, macedónia, romana, helenística, otomana, até ao século XVIII em que o domínio turco foi sacudido. No entanto, seria apenas em meados do século vinte que a Grécia viria a adquirir, em definitivo, o seu destino de país independente com fronteiras bem definidas, após a entrega pela Itália das Ilhas do Dodecaneso no Mar Egeu. Devido a tudo isso, teriam que ser conclamados os antigos heróis e génios gregos para levarem a cabo a gigantesca tarefa de revelar ao mundo tudo o que ainda não está em condições de ser mostrado. Em várias ruas da cidade encontram-se, devidamente protegidas, explorações arqueológicas que hão-de fazer luz sobre aspectos ainda não totalmente conhecidos do seu passado.

    Para mitigar o interesse dos visitantes, existem muitos museus em Atenas. O mais procurado é, sem dúvida, o Museu Arqueológico Nacional que reúne exemplares notáveis de todas as fases da história da Grécia, nomeadamente do ouro micénico, da cerâmica, da escultura e da joalharia. Esta colecção de obras de arte tem um valor incalculável e foi enterrada durante a 2ª Guerra Mundial para a preservar de roubos e vandalismos. As peças apresentadas são de tamanha perfeição que parece impossível terem sido produzidas há cinco ou seis mil anos. As jóias micénicas nada ficam a dever às mais sofisticadas criações dos “designers” actuais dessa arte. E que dizer dos vasos e da estatuária dessas eras pré-históricas? Quem ainda pensar que os povos antigos eram atrasados, ficará envergonhado de tal preconceito ao ver a perfeição que os antigos gregos transpuseram para as suas obras. Este é, indubitavelmente, um dos melhores museus do mundo. Existem centenas de outros espalhados por esta cidade de três milhões e meio de habitantes dirigidos a variados ramos do conhecimento e do engenho produzidos pelas gentes que por cá viveram.

    À primeira vista os gregos são reservados, pouco comunicativos, até um pouco rudes. Essa é a impressão que ressalta nos contactos iniciais que com eles mantemos. Depois de algum tempo, esse frio dissipa-se e, embora não ostentem a exuberância e o calor humano dos latinos, verificamos que são capazes de nos oferecer acolhimento agradável. Pessoas que se emocionam perante uma criança não podem ser rotuladas de insensíveis ou menos sociáveis. Não há grego(a) que não sorria ao ver um bebé, frequentes vezes acariciam-no e perscrutam as suas reacções com regozijo. A Matilde, que perfez um ano no 1º dia de viagem, foi motivo para muitas manifestações desse tipo onde quer que nos deslocássemos.

    Esse carácter sóbrio manifesta-se nas instalações hoteleiras até quatro estrelas. Os estabelecimentos são de irrepreensível limpeza e arrumação, mas os empregados respondem só aos pedidos dos hóspedes, não agem espontaneamente. Os pequenos-almoços são abundantíssimos, muito variados e de qualidade excepcional, onde sobressaem produtos da agricultura, da pecuária, da apicultura e das compotas nacionais, incluindo produtos muito conhecidos de outros países e de outros gostos culinários. No capítulo dos laticínios não faltam em qualquer refeição o queijo feta assim como o tzatziki, um preparado de iogurte espesso com pedaços de pepino, alho, azeite, vinagre, sal e pimenta, em certos casos ervas aromáticas, simplesmente delicioso. Imprescindíveis os frutos secos (nozes e pinhões) mel e cópia de fruta em compota.

    Nos restaurantes e tavernas serve-se muita carne e mais raramente peixe, o que é estranho numa cidade de grande tradição nas actividades do mar. O souvlaki é um prato muito usual: espetadas de porco com arroz e batata frita, tzatziki e feta, podendo a carne de porco ser substituída por carne de frango; também o moussaka, espécie de empadão com recheio de beringelas ou qualquer outra variante.

    Apesar da curta estada, guardei excelente impressão desta cidade, de tudo quanto nela pude observar e aprender. Muito havia ainda para referir mas não devo abusar da paciência do leitor.

    Por: Nuno Afonso

     

     

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