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    Arquivo: Edição de 30-04-2006

    SECÇÃO: Crónicas


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    De Atenas com amor

    «Uvas Athenas portas». Eis um dos jogos de palavras que os iniciados no latinório gostávamos de apresentar como emblema dos nossos conhecimentos humanísticos e de um nível social distintivo. Divertíamo-nos ante a perplexidade dos interlocutores, de súbito convidados a "matar uma charada" aparentemente fácil dada a sonoridade do sintagma no vernáculo pátrio, mas incapazes de lhe encontrar outro sentido e justificação. Chegava então o momento do brilharete com a revelação de que se tratava de uma frase latina que queria dizer «levas uvas para Atenas».

    A evidência de que se tratava de mero exercício escolástico está na ilógica proposição. Atenas, uma das mais importantes cidades da Antiga Grécia, onde pontificava a cultura da vinha e do olival, seria ponto de exportação de bons vinhos e de qualificado azeite, não mercado para uvas ou para o líquido dele resultante. O Olimpo incluía um deus do vinho, o célebre Baco ou Diónysos que, segundo a mitologia grega, era filho de Zeus e de Sémele, e em honra do qual eram celebradas festas orgiásticas onde o precioso néctar desempenhava papel nuclear. Dele nos falam poetas, filósofos e historiadores do mundo antigo. Ainda na actualidade o vinho é produto agrícola importante, de grande consumo e fonte de divisas para a economia helénica. Não esqueçamos que a posição excelente do território grego, o seu clima influenciado pelos ares mediterrânicos são, esplendidamente propícios ao desenvolvimento da actividade vitivinícola.

    A MATRIZ CULTURAL DO OCIDENTE

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    Mas, se os produtos da agricultura alimentaram o comércio marítimo, que desde muito cedo estimulou as longas viagens ao correr das costas mediterrânica e atlântica, permitindo contactos com as respectivas populações litorais e a fundação de entrepostos que deram origem a futuras cidades, não foi apenas o aspecto mercantil com o exterior que tornou a Grécia famosa. Ela foi, sem dúvida, a matriz cultural do ocidente, o berço de criações do espírito sem paralelo no mundo. Apesar da organização política sui generis que vigorou no território grego durante milénios, Atenas foi o luzeiro nas letras, nas artes e nas ciências, isto é, em todas as vertentes do intelecto humano. Ali viveram e ensinaram Sócrates, Aristóteles, Platão, entre outros, que estabeleceram as bases do saber subjacentes às realizações do mundo ocidental. Por todo o espaço helénico, no continente, nas ilhas do Mar Egeu e nas colónias, nomeadamente as da Sicília, este povo deixou obras ímpares em todas as manifestações literárias (Homero, Hesíodo, Píndaro, Alceu, Safo e Anacreonte, Ésquilo, Sófocles, Eurípedes, Aristófanes); na História, em que se destacaram Heródoto, Tucídedes e Xenofonte; na Oratória, cujo vulto maior foi Demóstenes, na Escultura, em que se tornaram célebres Míron (Discóbolo), Fídias, Policleto e Praxíteles, e uma plêiade de autores menos conhecidos, todavia de grande relevância na pintura, na cerâmica, na joalharia.

    Para todos quantos admiram as grandes criações humanas e aprenderam a render homenagem aos seus autores, a Grécia inspira veneração e um enorme desejo de a visitar. Logo que a oportunidade surgiu, não a desperdicei. Mais do que isso: levei a família comigo. Infelizmente, a estada foi curta e só nos permitiu dispor de três dias para conhecer os principais lugares e monumentos de Atenas, passando depois à ilha de Rodes onde permanecemos uma semana completa. Espero ali voltar a fim de conhecer outras regiões do país que muito têm para nos ensinar.

    A LEITURA DE "AS MEMÓRIAS DE ADRIANO"

    Como não sei viajar sem livros, mesmo sujeitando-me às brincadeiras dos meus familiares, incluí na bagagem quatro obras para não correr o risco de ficar ocioso naqueles momentos em que nos despojamos da indumentária turística e recolhemos à tranquilidade da instalação hoteleira. É verdade que tínhamos televisão nos quartos e podíamos sintonizar os maiores canais europeus, contudo aos atentados bombistas no Iraque, às conturbadas relações entre israelitas e palestinianos e às eleições italianas, eu preferia uma boa leitura .

    Quando a ocasião surgiu, escolhi aleatoriamente "As Memórias de Adriano". Em boa hora optei por esta obra de Marguerite Yourcenar. A leitura foi de enorme utilidade, quer para compreender melhor a Grécia e os seus naturais, quer para incluir, no programa das nossas visitas, lugares que lhe foram caros. Adriano, um dos mais importantes imperadores de Roma (76 a 138), era um apaixonado pela Grécia e pela sua extraordinária cultura. Estudou em Atenas e a autora atribui-lhe as seguintes palavras: «Atenas conquistou-me imediatamente./.../ As Matemáticas e as Artes ocuparam-me alternadamente em estudos paralelos; tive também ocasião de seguir em Atenas um curso de Medicina de Leotíquido. A profissão de médico ter-me-ia agradado./.../ Este grego duro ensinou-me o método». E, noutra passagem, confessa: «O meu epitáfio será inciso em latim nas paredes do meu mausoléu, mas é em grego que eu terei pensado e vivido». Ao longo da sua vida, a Grécia não lhe saiu do pensamento e do coração: «Sempre que olhei de longe, numa volta de qualquer estrada ensoalheirada, uma acrópole grega e a sua cidade perfeita como uma flor, ligada à sua colina como o cálice à sua haste, sentia que essa planta incomparável era limitada pela sua própria perfeição, consumada num ponto do espaço e num segmento do tempo. A sua única probabilidade de expansão, como a das plantas, era a sua semente: o germe de ideias com que a Grécia fecundou o mundo...»."

    Ao invés de outros imperadores, como o seu pai adoptivo Trajano, que se empenharam na expansão do Império, Adriano voltou-se para dentro. Defendeu e fortificou as fronteiras, administrou sabiamente a enorme extensão de território com a diversidade de costumes e valores que lhe coube em herança, dotando-a dos mais diversos equipamentos, incluindo os culturais: «Construir é colaborar com a terra./.../ Abrir portos era fecundar a beleza dos golfos. Fundar bibliotecas era ainda construir celeiros públicos, acumular reservas contra um inverno de espírito cuja aproximação certos sintomas me fazem prever, mau grado meu».

    A BIBLIOTECA DE ADRIANO

    Nesse propósito, mandou construir, no sopé da colina da acrópole de Atenas, uma enorme biblioteca que as vicissitudes, no rolar dos séculos, reduziram a muito pouco, confirmando os seus receios. Façamos de conta que é a voz do imperador que no-la apresenta: «A sua casa (do amigo Arriano) estava situada a dois passos da nova biblioteca com que eu acabava de dotar Atenas e onde não faltava nada que pudesse favorecer a meditação ou o repouso que a precede: assentos cómodos, um aquecimento adequado durante os Invernos muitas vezes ásperos, o alabastro e o ouro de um luxo moderado e calmo. Fora dispensada uma atenção especial à escolha e colocação das lâmpadas. Sentia cada vez mais a necessidade de reunir e conservar os volumes antigos, de encarregar escribas conscienciosos de lhes tirar cópias novas. Esta bela tarefa não me parecia menos urgente do que o auxílio aos veteranos ou os subsídios às famílias prolíficas e pobres».

    Grande parte dos lugares mais procurados pelos turistas encontra-se numa área não muito extensa e que pode percorrer-se a pé. Consideremos como marcos desta área as Praças Omonia, Keramikos, Sintagma e a zona da Acrópole. Isso não quer dizer, evidentemente, que se esgota neste espaço a oferta cultural duma urbe com milénios de história e actualmente com cerca de 3 500 000 habitantes. Além de museus diversos, e dos edifícios público-administrativos em que se destaca o Parlamento, bibliotecas, academias, universidades, existem ruínas um pouco por toda a cidade, muitas delas ainda não oferecidas ao conhecimento dos visitantes. Acredito que seja tarefa ainda para muitos anos. No entanto, ficou-me a impressão de que não terá havido uma política bem conduzida em matéria de turismo. Numa daquelas publicações que as companhias de aviação colocam à frente dos assentos dos passageiros, li que foi recentemente nomeada uma nova ministra do Turismo de quem se espera um grande incremento nesta área. Prometo continuar na próxima crónica.

    Por: Nuno Afonso

     

     

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