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    Arquivo: Edição de 30-12-2005

    SECÇÃO: Destaque


    REUNIÃO DA ASSEMBLEIA MUNICIPAL DE VALONGO

    Fotos URSULA ZANGGER
    Fotos URSULA ZANGGER

    Desempate e voto de qualidade

    Nas deliberações dos órgãos colegiais é mais ou menos frequente acontecer empate nas votações, o que implica o uso de determinados comandos para que se obtenha um sentido, sim ou não, a favor ou contra, sobre o assunto que tenha de ser aprovado pelo respectivo órgão decisor. O tratarmos desta matéria neste momento, tem como razão o que vem acontecendo na Assembleia Municipal do nosso concelho, tendo o mais recente evento ocorrido na sessão ordinária realizada no passado dia 28 do corrente mês de Dezembro.

    Para melhor enquadramento, convirá recordar o que, de facto, aconteceu na citada sessão da AMV de 28 do corrente mês. Ora, depois de largamente discutida a proposta da Câmara de “Orçamento e Grandes Opções do Plano para o Ano de 2006”, a presidente submeteu o documento a votação, anunciando no final que o resultado tinha sido de 15 votos a favor e de 15 votos contra e uma abstenção, comunicação que de imediato levou a que alguns deputados municipais se interrogassem quanto ao resultado, dado que não foi perceptível que algum membro presente tivesse manifestado abster-se na votação, recebendo como resposta que fora ela, a presidente, que se tinha abstido.

    Perante tal realidade, haveria que, cumprindo o Regimento, conhecer o “voto de qualidade” da presidente, para então se saber se o documento era aprovado ou rejeitado. A presidente, numa atitude pouco ortodoxa, decidiu suspender os trabalhos por cinco minutos, sem terminar o processo de votação que, por sua iniciativa, estava em curso, procedimento, aliás, já adoptado em reuniões anteriores.

    Embora a interrupção dos trabalhos no decurso de uma votação seja algo de difícil compreensão, pior foi quando, retomados os trabalhos, a presidente anunciou que se iria retomar a discussão para posteriormente se proceder a nova votação, o que de facto aconteceu mau grado os protestos de vários deputados, aos quais a presidente respondeu que se tratava de matéria não prevista na lei nem no Regimento e que assim se deveria fazer em obediência ao Código do Procedimento Administrativo. E, de facto, houve novo período de discussão. Nova votação. Novo empate e, então, se conheceu o voto da presidente, ficando por esclarecer se o fizera na convicção de que estava a usar a figura jurídica de “voto de desempate” ou de “voto de qualidade”.

    O que se passou, quanto a nós, foi algo que deveria ser evitado em votações futuras, para o normal funcionamento do órgão deliberativo concelhio, para segurança das votações e para prestígio e respeito que se deseja que a presidente da AMV incuta a todos quantos participam nas reuniões por si presididas, e aos munícipes que assistem ao desenrolar dos trabalhos.

    VOTO DE DESEMPATE

    E VOTO DE QUALIDADE

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    Procurando perceber o que se terá passado na reunião de 28 de Dezembro, admitimos ter sido uma grande confusão entre o “voto de desempate” e o “voto de qualidade” e a pouca ou nenhuma atenção dada pela presidente da Mesa ao que sobre o assunto está previsto no Regimento da AM. Se assim não tivesse ocorrido, a sorte do “Orçamento da Câmara Municipal para 2006” tinha sido encontrada regularmente, sem a confusão que se gerou, o que se poderia ter evitado.

    Esta questão dos empates nas votações é matéria regulada de forma diferente, conforme as instituições onde ocorrem e de acordo com os respectivos regimentos. Na Assembleia da República, onde o presidente da Mesa não tem o direito nem o ónus do voto de qualidade, determina o Regimento que «quando a votação produza empate, a matéria sobre a qual ela tiver recaído entra de novo em discussão» e se «o empate na segunda votação [persistir] equivale a rejeição». A lei que regula o funcionamento dos órgãos autárquicos, sendo omissa quanto ao processo de resolver situações de empates em votações públicas, implicou que tal matéria fosse tratada no Regimento, onde se plasmou que «as deliberações são tomadas à pluralidade de votos, estando presentes a maioria do número legal dos seus membros, tendo o presidente voto de qualidade em caso de empate, não contando as abstenções para o apuramento da maioria». Esclareça-se que tal redacção está em conformidade com o que dispõe o Código do Procedimento Administrativo.

    Para não alongar demasiado este escrito, valerá a pena recordar em que consiste a diferença entre “voto de desempate” e “voto de qualidade”. E, a melhor maneira de o fazer, talvez seja dar a conhecer o que ensina o Prof. Diogo Freitas do Amaral, transcrevendo o que sobre o assunto se pode ler a páginas 596 do Curso de Direito Administrativo, 2ª edição, I Volume. Diz este prestigiado professor de Direito Administrativo: «A forma mais usual que a lei utiliza para resolver o impasse criado por uma votação empatada consiste na atribuição ao presidente do órgão colegial do direito de fazer um “voto de desempate” ou um voto de qualidade». Em ambos os casos, é o presidente quem decide do sentido da votação: no primeiro procede-se à votação sem que o presidente vote e, se houver empate, o presidente vota desempatando; no segundo, o presidente participa como os outros membros na votação geral e, havendo empate, considera-se automaticamente desempatada a votação de acordo com o sentido em que o presidente tiver votado». Em nota de rodapé ao texto citado, o Prof. chama a atenção para três diferenças práticas importantes entre os dois sistemas: (a) no sistema de “voto de desempate”, o presidente não tem de tomar posição na generalidade das votações, só intervindo em caso de empate, ao passo que no sistema de “voto de qualidade”, o presidente tem de se definir em relação a todos os assuntos postos à votação; (b) ao proferir um “voto de desempate” o presidente tem o dever de fundamentar a escolha feita, o que não sucede com o “voto de qualidade”; (c) no sistema de “voto de desempate” é possível o presidente suspender a reunião antes de desempatar, ou propor a reabertura da discussão para se proceder a nova votação, ao passo que nada disso é possível no sistema do “voto de qualidade”. O Prof. conclui dizendo que se o sistema de “voto de desempate” faz do presidente um verdadeiro árbitro ou mesmo um chefe orientador, o sistema de “voto de qualidade” remete-o à posição de mero primum inter pares, do que parece não oferecer dúvidas a ninguém que é esta e não a outra, a figura do presidente da AMV.

    Na mesma linha, concluímos nós que, estando regimentalmente determinado que as situações de empate nas votações são decididas por meio de “voto de qualidade”, mal terá andado a presidente da AMV, os eventuais conselheiros e os deputados que apoiaram a sua decisão de resolver a situação de empate por meio do processo de “voto de desempate”, em vez de seguir a via do “voto de qualidade”, como lhe impõe o Regimento da Assembleia Municipal de Valongo.

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

     

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