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    Arquivo: Edição de 30-07-2005

    SECÇÃO: Destaque


    Fotos Rui Laigunha
    Fotos Rui Laigunha
    "A VOZ DE ERMESINDE" NA FEIRA DO LIVRO DO CONCELHO DE VALONGO

    «Os livros seguem o seu próprio destino - como os filhos rebeldes»

    Manuel António Pina, o mais recente galardoado com o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, esteve na passada terça-feira, dia 13 de Julho, na Feira do Livro do Concelho de Valongo, a convite do Ágora, para uma conferência que girou em torno do título do seu último livro de poemas – precisamente “Os Livros” – um tema mais que adequado à Feira de Ermesinde.

    «Os livros acabam por seguir o seu próprio destino, como os filhos rebeldes», admitiu Manuel António Pina na sua conferência. O escritor salientou «a capacidade milagrosa das palavras falarem sozinhas».

    O poeta discorria sobre livros, a mão levemente presa a uma noite amena, a lembrar aquele instável equilíbrio de que ia ali falando entre a disciplina e a espontaneidade nos livros.

    Falava dos livros que alguém destinara, a tez cerrada e solene, numa férrea divisão (férrea, claro, também do Ferro do SNI) entre os sexos (ui!...), como fizera a Portugália: “Biblioteca dos Rapazes” e “Biblioteca das Raparigas”. Não haja confusões! Ou de Alice no País das Maravilhas, que o autor, Lewis Carroll, bem destinara a uma menina. Ou do Swift, esse malandreco que se propunha acabar com a fome na Irlanda, da maneira mais viável e expedita: que quem podia simplesmente devorasse os tenros rebentos nascidos nas famílias pouco abastadas, aliviando assim o peso de uns e deliciando o paladar de outros. Fino como um alho, este Jonathan Swift gozava, é claro, com a cupidez e a prepotência humanas, como também o fez com “As Viagens de Gulliver”, um livro que se enquadraria bem na literatura utópica (ou anti-utópica), pois mais não era que alegoria de ácida crítica social. Pois quê!... Adivinhava o Swift que se iria transformar em livro de aventuras para o público juvenil em vez de um percursor do “1984” do Orwell, ou do “Nós” do Zamiatine?

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    QUEM ESCREVE

    OS LIVROS É

    QUEM OS LÊ

    «Quem escreve os livros é quem os lê», proclamava o poeta, como quem se descarta do peso de um título como o seu segundo, “Aquele Que Quer Morrer”.

    E dizia que os livros que agora lia eram muito diferentes dos que lia há mais tempo, ainda que fossem do mesmo autor e exibissem o mesmo título.

    E confessava as recentes angústias de pai – quando o foi – ao ler notícias até aí obscuras, excedentes, como a da menina que metera os dedos numa ficha eléctrica...

    «Acabamos por ler a nossa própria história», insistia, e depois, num preciosismo, precisava corrigindo os cabalistas: «Não há só tantas Bíblias quantos os leitores da Bíblia, há tantas Bíblias quantas as leituras da Bíblia».

    E explicava como dantes preferia Mateus e agora João.

    E de como o maravilhoso “Pedro o Louco”, o filme do Godard, tinha passado do encantamento de há umas dezenas de anos à desolação de há poucos dias!...

    Mas depois desdizia e vinha com esta ideia de que «o amor com que um autor faz um livro contamina o amor do leitor». E dizia mais coisas. E falava agora de Rilke, depois de Valéry. E tentava explicar para além de todas as regras e receitas, como em “A Arte Poética” de Boileau, o que mesmo este dizia – mais ou menos assim: «bem, mas depois de tudo isto, é preciso ser poeta».

    E discorria, líquido como um regato de água, aqui sobre uma pedrinha, além sob uma ponte, da essência quase inenarrável da poesia, tudo menos «perfeita», como o tigre pintado no Palácio do Shogun, em Kyoto, que de tão bem feito, ele percebeu logo não ser produto da emoção e dos sentidos, do verdadeiro e do real, mas da lógica das descrições correctas contadas ao pintor que não conhecia o modelo, pois nunca tinha visto um tigre.

    E falou também, entre outras coisas, da ligação inquebrável da obra poética à língua em que foi gerada, contou do poema seu que ninguém lhe conseguia traduzir para o francês, perdidas significações que se volatilizavam irreparavelmente, e contou ainda da língua basca – o eusquera – em que não é possível blasfemar como no castelhano, tal a língua está ligada à sua própria construção e história de influência católica.

    E atirava por sobre as orelhas dos presentes, referências a Borges, a Elliot, a Ruy Belo. O ar da noite espalhou-as. Mas pousaram depois aqui...

    Por: LC

     

     

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