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Edição de 31-03-2025
Jornal Online

SECÇÃO: Crónicas


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Sem abrigo

O dia começou-me mal. Cheguei atrasado ao emprego. Isto no dia em que saio mais cedo para ir ao psicólogo a Lisboa.

Às quatro da tarde saí de Portalegre e às seis já estava a chegar ao aeroporto mas, a partir daí… Em cima da hora, já desvairado, encostei o carro como pude e corri para o consultório, no Saldanha.

A consulta foi pouco produtiva. Não consegui soltar-me e verbalizar todas as queixas que tenho da vida, desde que a Noémia me deixou. Quando ia pagar, dei-me conta que tinha deixado a carteira na porta do carro, ao pagar a portagem.

Voltei ao carro, mas não o encontrei. No café em frente, confirmaram-me que tinha sido rebocado. Na pressa, tinha-o posto num espaço reservado a deficientes.

De repente, vi-me numa situação muito desconfortável: só tinha 4 euros e 70, eram nove da noite, estava a duzentos quilómetros de casa e não tinha onde dormir. Enquanto pensava o que fazer, comi uma sandes com uma imperial e um café.

Lembrei-me de um amigo da tropa, que vive em Campo de Ourique. Liguei-lhe, mas, assim que começou a chamar, acabou-se a bateria. Sem dinheiro para o Metro, fui a pé. Quando dei com a rua, eram já quase onze da noite. Toquei, toquei à campainha, mas ninguém respondeu.

ILUSTRAÇÃO @RODOLFO.BISPO77
ILUSTRAÇÃO @RODOLFO.BISPO77
Voltei para trás, meio acabrunhado. Sem saber para onde ir, segui a linha do elétrico até ao Chiado. Já não cirandava pela cidade desde os tempos de tropa. Aqui e ali, havia pessoas a dormir enroladas em cobertores e metidas em caixas de cartão. Como se teriam deixado chegar àquilo? Um desemprego inesperado? Um endividamento incontrolável? Uma desistência abismal?

Um indivíduo de barba hirsuta veio pedir-me “uma ajuda”. Ia dizer-lhe “hoje não pode ser”, como habitualmente, mas acabei por lhe dar vinte e cinco cêntimos. Pela primeira vez, sentia uma identificação estranha com aquelas pessoas.

Era minha intenção continuar a andar até que amanhecesse mas, ao contrário do que esperava, comecei a sentir-me cansado. Subi a Almirante Reis e toquei em três pensões. Uma estava cheia e as outras duas não me aceitaram sem pagar adiantado.

Pela primeira vez, também eu não tinha onde dormir. Para piorar as coisas, começou a chuviscar. Abriguei-me debaixo de um toldo. Depois, encostado às paredes, meti por uma transversal da Morais Soares e entrei na porta encostada de um prédio.

Fiquei parado na penumbra, atento a todos os ruídos. Cheirava a mofo. Sentei-me nos degraus de madeira e aos poucos a fadiga invadiu-me. Estive ali muito tempo de pernas encolhidas, dobrado sobre os joelhos, com o rosto apoiado nas mãos abertas, enquanto o frio se espalhava por todo o corpo. Apesar de estar cheio de sono, só conseguia adormecer por curtos períodos. Apetecia esticar-me. A meio da noite, reclinei-me de lado nos degraus, mas as arestas magoavam. Fui mudando amiúde de posição. Tiritava. Os pés estavam gelados. Ansiava pela manhã.

De repente, meio estremunhado, ouvi passos a descer as escadas. Em poucos segundos, levantei-me, mas não evitei ser visto por uma mulher que devia ir trabalhar. Envergonhado, saí.

Tinha parado de chover. Subi a rua até ao alto da Penha de França. Do lado de Xabregas, o céu tingia-se de fortes tons de vermelho. Em breve, a enorme bola solar fez a sua entrada triunfal. Há quanto tempo não via um

(...)

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Por: Joaquim Bispo

 

 

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