CORREIO DO LEITOR
CIDADÃOS sem-abrigo em Ermesinde
“Abre a tua boca para pronunciar sentenças justas, e faz justiça ao pobre e ao miserável“
Provérbios 31, 9
A sucessora da “SOPA DOS POBRES” trouxe às suas páginas – há quanto tempo isso não acontecia? – um meritório trabalho do seu redator Miguel Barros, sobre alguns pobres em Ermesinde. Sim, quando falamos em sem-abrigo, é de pobres que falamos.
A mesma excelência não tiveram os intervenientes abordados, que parece terem falado para o jornal de há sessenta e tal anos e não para A Voz de Ermesinde de hoje, tão anquilosadas foram a maioria das suas declarações. Faltou-lhes apenas a coragem de dizer que a culpa dos pobres serem pobres, é dos próprios pobres. Recuei muitas décadas e ouvi de novo aquela alma caridosa: - Tome lá cinco tostões, mas, olhe lá, não gaste tudo em vinho.
Felizmente, excetuam-se deste grupo os elementos da Associação Porta a Porta e os representantes partidários da CDU e do BE.
Boas intenções não faltaram. Todos encheram com elas suas bocas.
Os Serviços Municipais, com o levantamento da situação já feito, estão alerta e por isso, vão tratar da «elaboração de um guia de recursos local; planificação das atividades; construção de um Plano de Ação, para conjugação de esforços e rentabilização de recursos na resolução do problema; identificação das necessidades de formação das equipas e programação da mesma». Roga-se que a conclusão de estudo tão exaustivo, seja mais rápido do que a construção da “Casa da Democracia Local”.
O senhor Presidente da Junta, «manifestou a preocupação com que a autarquia vê este «grande problema» da nossa cidade» e claro, «está inteiramente disponível para encontrar soluções». Além disso, e, apesar de ter preferido que os pobres tivessem ficado no Porto, foi adiantando trabalho: «distribuiu junto destes cidadãos sem-abrigo da nossa cidade a ceia natalícia e um kit de higienização».
O Sr. Padre «vê com muita preocupação e apreensão esta situação», e esclareceu que «os cidadãos sem-abrigo são vítimas e frutos desta sociedade individualista», não deixando de enaltecer o «grande trabalho de caridade» que é feito.
Gente que se importa, que se preocupa, que se esforça, no entanto…
Não havia necessidade de borrar a pintura, com o dedo acusatório: «os cidadãos sem-abrigo, na sua esmagadora maioria, não querem ser realojados nem querem cumprir regras», diz o Sr. Padre, «todas estas pessoas estão referenciados e acompanhados pelos serviços de Ação Social da Câmara de Valongo, acrescentando o dado que a esmagadora maioria delas, senão todas, recusa a integração em albergues», reforça o Sr. Presidente, “muitas destas pessoas sem-abrigo não querem ser ajudadas, porque, por exemplo, têm de cumprir horários, regras, quando são institucionalizadas”, anui o Sr. Conselheiro.
Há, porém, quem ponha o dedo na ferida e aponte a solução: «estes cidadãos sem-abrigo precisam de ser reeducados». Em campos estalinistas, maoistas ou quejandos?, não ficou esclarecido.
Sem pudor, exige-se que os “cidadãos sem-abrigo” se integrem, ao mesmo tempo que se consideram não-integráveis.
Mas onde fica o lugar para a empatia e o lugar para a compreensão?
Como se deve comportar o pobre para nos deixar satisfeitos?
Querer ajudar dá-nos o direito de impor regras impraticáveis?
Fazem más escolhas? Tomam decisões erradas? Claro! Como todos nós, aliás. A diferença é que, a nós, que vivemos confortavelmente, ninguém nos julga.
Preocupamo-nos com o pobre que toma a bica e fuma o seu cigarro na esplanada e ficamos calados quando os nossos gastam centenas de euros num fato de treino e num par de sapatilhas.
A quem é que isto devia envergonhar? A nós, ou ao pobre?
A questão é velha: as pessoas são menos capazes por serem pobres, ou são pobres por serem menos capazes?
O que ressalta da leitura das palavras dos depoentes nas duas páginas d’AVE, é que a razão pela qual se é pobre, é porque se é irresponsável.
Nada mais deplorável. A pessoa torna-se incapaz quando é atirada para a pobreza e perde a capacidade de gerir opções.
É sabido que a pobreza pode levar a problemas de saúde mental. Ninguém na plenitude das suas capacidades mentais, tendo alternativa justa, decide optar pelo sofrimento voluntário.
Não entender isto, é continuar a “brincar à caridadezinha” e deixar tudo na mesma. Creio que não é isto que se deve desejar.
Alfredo Silva - CC 02726045
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