CANÇÃO AO RIO DE LESSA
Francisco de Sá de Meneses (Porto, c. 1510 - Lisboa, 6 de dezembro de 1582), o primeiro conde de Matosinhos e senhor de São João da Foz, comendador de Proença e de Sever, e que além de ter exercido vários importantes cargos ao serviço do Reino de Portugal, foi um poeta português. Aí fica a “Canção ao Rio de Lessa”.
1. «Ó Rio de Lessa,
Como corres manço;
Se eu tiver descanço,
Em ti se começa.
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2. Sempre socegados
Vão teus movimentos:
Não te turbam ventos,
Nem tempos mudados.
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3. Corres por arêas,
E bosques sombrios:
Não te turbam rios,
Nem fontes alhêas.
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4. Nasces de hum penedo
Tosco, e descomposto:
A ti mostra o rosto
A manhãa mais cedo.
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5. A Aurora em nascendo,
Quando estás mais lizo,
Com alegre rizo,
Em ti se está vendo.
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6. Quando o mar não sôa,
E passam mil velas,
Em ti faz capelas
Com que se corôa.
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7. De álamos, cercados
De viçosa hera,
Sempre a Primavera
Corôa teus prados.
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8. Logram teus salgueiros
Mil tempos serenos:
Nunca serão menos
Os teus amieiros
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9. Por ti cantam aves
Só por te ver, quedas,
Mil cantigas ledas,
E versos suaves.
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10. De laços, e redes
Criam sem receio;
Seguras no seio
De teus bosques verdes.
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11. Dem-te as noites sono;
E com larga mão
Flores o Verão,
Fructos o Outono.
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12. Sombra no Estio,
Sem nenhum reguardo;
Neves dê ao prado
O Inverno frio.
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13. Por ti canta Abril,
Quanto cuida, e sonha,
Ora com samfonha,
Ora com rabil.
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14. Quando se levanta,
Quando o sol mais arde,
Assim canta á tarde,
Á noite assim canta.
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15. Para que são, Maio,
Tantas alegrias,
Pois teus longos dias
Passam como raio.
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16. Por muito que tardes,
São tardanças vãas:
Foram-se as manhãas,
Ir-se-hão as tardes.
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17. Para que te gabas
De teus vãos amores
Para que são flores,
Pois tão cedo acabas?
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18. Em espaço breve
Chega ao mar o Douro:
Os cabellos de ouro
Se fazem de neve.
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19. Ó rio de Lessa,
Fructos em Janeiro
Nasceráo primeiro
Que de ti me esqueça.
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20. Primeiro em Agosto
Nevará sem calma,
Que o tempo, desta alma
Aparte seu rosto.
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21. Algum tempo manço,
Deos o ordene assi,
Em que torne a ti
Com algum descanço».
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(Fonte: Apologia..., de Joam Soares de Brito, 1641, exemplar ANTT.)
Por:
Carlos Marques
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