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Edição de 30-04-2024
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    Arquivo: Edição de 29-02-2024

    SECÇÃO: Local


    Memórias do jovem ermesindense Gabriel Pinto sobre a sua experiência de voluntariado em África

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    Sou o Gabriel Pinto, tenho 23 anos e sempre me interessei por voluntariado. De há uns anos para cá comecei a pesquisar outro tipo de voluntariado, o voluntariado internacional. Como acabo por ter um défice em línguas estrangeiras, nomeadamente o inglês, comecei a pesquisar países que tivessem a mesma língua nativa. Obviamente, sempre gostei de me sentir útil e poder ajudar a fazer a diferença. Algo me chamava para viajar para longe e ajudar o próximo, foi aí que através de algumas pesquisas conheci a associação ‘’Para onde?’’.

    A ‘’Para onde?’’ tem várias associações agregadas se é assim que se pode dizer, encontrei várias associações, instituições e fundações até que após pesquisar alguns dias interessei-me mais pela ‘’Fundação da Criança e da Juventude’’ pois acabava por me identificar mais com ela. Li vários comentários, consegui tirar informações através de antigos voluntários sobre esta fundação, até que decidi fazer a minha candidatura. Neste local baseava-se, em dar apoio ao estudo a crianças e conseguir dar aulas de acordo com as nossas bases de informação.

    No processo de toda a candidatura tive de enviar uma carta de motivação para a ‘’Para onde?’’ onde referi que cria ingressar na ‘’Fundação da Criança e a Juventude’’ para o mês de agosto. Após ter passado na primeira fase de seleção, foi marcado uma entrevista com a responsável da associação – Para onde? - a Joana, e mais tarde veio a resposta positiva a dizer que a minha candidatura ia ser enviada para a responsável da fundação de São Tome. Após várias tentativas de marcação de entrevista, consegui ter a entrevista com a responsável – Kika Sol – onde posteriormente referiu que fui aceite e acabou por me propor de imediato a criação de uma peça teatral para poder apresentar no final do meu tempo lá.

    Falando agora um pouco até da peça teatral que foi criada acho que todos os recursos que nós portugueses possuímos lá, são um desafio no dia a dia. Recordo-me que quando comecei a pensar na peça de teatro, tinha de ter em mente que não podia gastar muitos tinteiros, nem folhas de papel, nem figurinos, nem cenários porque simplesmente não há nem me sentia bem a utilizar esses recursos que podiam fazer falta mais tarde. Lembro-me que tinha ensaios na fundação com muita coisa a acontecer ao mesmo tempo, mas mesmo assim sentia que eles queriam estar ali a ensaiar e a sentir aquilo. Posso dizer que nunca tive tanto prazer em realizar uma peça de teatro como aquela.

    Consegui incluir música, momento de descontração, canto, adereços em pouco tempo e saber que eles gostavam mesmo de estar ali. A peça chamava-se ‘’Era uma vez’’ devido a música que as meninas lá cantavam da ´´Kell Smith’’ porque representava o que todos os adolescentes iam vivendo na escola. Toda a peça representava atitudes de violência nas escolas, onde o texto que usei foi mesmo escrito por um aluno que era o Almerindo, onde ele era um menino muito querido e especial entre todos. Acabo por nunca me esquecer de todos que realizaram aquela peça desde a Alizia ao Almerindo que davam vida às personagens principais narrando toda a história, as meninas que iam fazendo de coro: Edlena, Arlenya, Daniela, Ana Maria, Atayene, Aryene, os meninos que iam fazendo todas reações ao texto: Freddie, Edvander, Lisandro, Leo, sei que tenho mesmo muitas saudades de cada um. No último dia sei que foi um dos dias mais duros que passei na minha vida ainda tão curta.

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    Acabei por estar a perceber, o efeito naquelas crianças como tive. Lembro-me que quase não consigo fazer um último ensaio com eles porque não paravam de chorar e o meu coração não estava mesmo a conseguir lidar com aquilo tudo. Gostei tanto, que acabei por nem perceber que podia ter agarrado ainda mais cada momento.

    Gostei de todos sem exceção, das minhas colegas de casa, mas principalmente de cada miúdo que estava ali e também, não posso esquecer do Josimar, Kelvio, João, Khalifa, Ju, Aristóteles, Leticia, Duda, Kelve, que trabalhavam diariamente para manter aquela fundação e posso dizer que sempre me ajudavam quando era preciso, mesmo com coisas simples. Estou a recordar-me ainda que vinha embora num determinado dia, mas sei que já não ia à fundação no dia a seguir porque teria de fazer as malas e levar uma colega ao aeroporto cedo. Mas depois daquele dia, tive de voltar à fundação mesmo no último dia e ter ficado no dia anterior a preparar tudo até mais tarde para depois ir embora e não me atrasar. Porque tinha mesmo de dar um último abraço e aproveitar cada abraço. Lembro-me que o responsável são tomense da fundação – Khalifa – foi buscar a sua filha a casa para se despedir de mim, a Flaviana. Nunca dei um abraço tão demorado e carinhoso como aquele (ainda hoje tenho essa foto de fundo no meu telemóvel e relógio), porque ali senti o que era o verdadeiro carinho nos braços, o amor, a amizade, foi tudo naquele segundo.

    Até hoje depois de sair do país não consegui mais falar com essa rapariga, e isso deixa-me preocupado, mas ao mesmo tempo a certeza de que um dia posso voltar e ter ali um sorriso que fazia mudar cada dia e cada pensamento triste que possa ter. No fundo, apetecia-me abraçar todos ao mesmo tempo e trazer todos para casa.

    Recordo-me que estive numa casa com pessoas portuguesas que foram comigo, onde não nos conhecíamos, apenas por mensagens e foi tudo muito estranho no início, mas depois acabámos por nos habituar. Por exemplo, houve uns dias na casa que quase tínhamos de escolher em usar o autoclismo, lavar a louça ou tomar banho porque não havia uma grande quantidade de água que chegava à nossa zona.

    Tínhamos de lidar também com a nossa cadela que era a Mérida que por sinal era bem complicada e com os ratos e baratas que iam aparecendo. Aliás, lembro-me que tinha um rato na casa quando o nosso grupo chegou e estivemos quase uma semana a tentar apanhá-lo. Em relação à parte social eu se acho que Portugal é acolhedor, nomeadamente no Norte do país acho que São Tomé é casa para viver, porque as pessoas são genuínas de si e muito disponíveis. Uma outra história que me estou a lembrar foi com umas colegas minhas quando íamos visitar a bela natureza do país ao fim de semana, furou um pneu e eu que ia na conversa no carro da frente com a Margarida, Jorge, Eduarda e Catarina nem demos conta que já não iam atrás de nós e quando reparámos ligámos logo para elas e disseram logo que não era preciso voltar. Nós preocupados fomos e reparámos que realmente não era preciso porque já estavam 2 motos e 1 carro para ajudar a mudar de pneu, se fosse em Portugal tínhamos de chamar o reboque e ainda íamos tomar um café e depois é que chegava.

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    Claro que depois tem as suas carências económicas onde há mesmo muita gente a viver em situações graves mesmo. Recordo-me também que fui visitar uma Roça com o meu grupo de amigos depois da visita foi o caminho mais longo que fiz emocionalmente até ao carro. Recordo-me que eu e a Beatriz, vínhamos a descer aquela rua completamente em lágrimas porque não consigo ainda acreditar até hoje que isto é possível em pleno século XXI. Estamos preocupados com a guerra na Ucrânia, porque temos medo de que chegue até nós, e preocupados com o que vemos nas notícias sobre Israel e a Palestina. Mas existe tanta guerra e fome noutros pontos do mundo e parece que andamos todos a dormir e só queremos saber o que nos afeta diretamente.

    A nível ambiental, lembro-me que uma colega minha que era a Eduarda, que tirou o curso, e era a que percebia mais desses assuntos disse-me uma coisa que até hoje me lembro, que foi que os europeus tinham dinheiro para poder combater as alterações climáticas, eles não. Simplesmente me lembro que à beira da minha casa, lá para combater a erosão costeira, era colocar cada vez mais pedras para não avançar o nível do mar, mas não se preocupavam por exemplo com a recolha do lixo.

    Acho que quem pode devia mesmo ajudar, porque merecem apesar de saber que se tem de filtrar todos os assuntos. O exemplo que comprovei com os meus olhos e talvez a pessoa que estava lá com melhor coração, seria a Catarina, recordo-me que sempre que podia dava comida ou comprava aos comerciantes de rua para dar um pouco de si àquelas pessoas. Lembro que que quando vim para Portugal, fiz questão de encomendar numa senhora um doce típico do país para trazer e o que ela disse foi apenas não se esqueçam de mim.

    A questão de segurança naquele país, enquanto homem, acabo por perceber que acabamos por nos sentir mais seguros e até senti respeito muitas vezes. Por exemplo, quando estava numa mercearia que fazia de bar, discoteca, café, restaurante e fui embora com um grupo de pessoas tendo ficado lá outro, o Dionísio e o Bruno que eram são tomenses, falaram-me para mim como se fosse o responsável do grupo para ficar descansado e isso acabava por fazer-me sentir mais respeitado.

    Eu inclusive, cheguei a dar uma volta ou outra sozinho pela marginal mesmo não havendo eletricidade na rua e nunca senti propriamente medo. Claro, que não posso falar pelo sexo oposto.

    O meu apelo é para que todos que desejam ou possam ajudar a FCJ – Fundação da Criança e da Juventude façam-no com carinho e amor porque haverá sempre alguém a sorrir do outro lado. As diferentes formas de ajudar são: o apadrinhamento de crianças, tornar-se voluntários como eu fui e/ou poder ajudar monetariamente.

    Conta bancária Portugal:

    Entidade: 21 312

    Referência: 503 682 433

    Conta bancária São Tomé:

    Nome da conta: FUNDAÇÃO DA CRIANÇA

    E DA JUVENTUDE

    Swift: INOISTST

    IBAN: ST68 000200000184752310440

    Nota: Gabriel Pinto é membro da direção da Associação Académica e Cultural de Ermesinde e eleito na Assembleia de Freguesia de Ermesinde.

     

     

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