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Edição de 30-04-2024
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    Arquivo: Edição de 15-12-2022

    SECÇÃO: Destaque


    ENTREVISTA

    Pós-8òs, o selo discográfico com carimbo em Ermesinde que pretende ressuscitar as bandas do rock português que se perderam no tempo

    ANDRÉ CARNEIRO
    ANDRÉ CARNEIRO
    No final dos anos 70 e durante toda a década de 80 assiste-se a uma autêntica revolução no universo musical português. Presencia-se por estes anos o nascimento da música moderna portuguesa, que agrega a si vários estilos de músicas, mas onde o rock português surge como “cabeça de cartaz” e conhece uma verdadeira expansão. Há um boom enorme de bandas a cantar na língua de Camões, sendo que algumas gravaram discos, ao passo que outras não, ficaram-se pelas maquetes e pelo anonimato dos grandes circuitos comerciais e por consequência do grande público. Mas não (ficaram esquecidas) dos verdadeiros apaixonados - por este género musical -, dos colecionadores e dos investigadores destas bandas que não alcançaram os patamares da fama. É o exemplo de duas bandas nascidas em Ermesinde na década de 80, e que nesta edição recordamos pela voz de um melómano, também ele oriundo da nossa cidade. General Inverno e Fado Negro, duas bandas de rock português icónicas que tiveram como berço a nossa terra e que passadas mais de três décadas do seu nascimento viram agora editados pela primeira vez os seus trabalhos discográficos através de um projeto criado por André Carneiro, o tal melómano ermesindense com quem estivemos à conversa.

    Projeto esse que dá pelo nome de Pós-8òs, um selo discográfico que tem como missão, digamos, editar ou reeditar estes “tesourinhos” musicais, vulgo bandas, que ficaram perdidas nos anos 80. Para os leitores pouco familiarizados com a linguagem discográfica, um selo é uma espécie de editora musical independente. E é precisamente este o projeto que teve o seu início oficial em abril deste ano que foi criado por André Carneiro, um cidadão nascido em Alfena a meio da década de 80 - 1985 para sermos mais precisos - mas que viveu (e vive) a maior parte da sua vida em Ermesinde.

    APAIXONADO, COLECIONADOR E INVESTIGADOR MUSICAL

    Como todas as histórias, também a ligação de André com a música teve o seu início. O interesse e a consequente paixão por esta arte começou praticamente desde que nasceu, por influência dos seus irmãos mais velhos. «Eu cresci a ouvir a música que eles ouviam, e acabei por ser influenciado por eles. Era mais a música alternativa, o som da frente, como se chamava na altura e que estava na vanguarda», conta-nos o nosso interlocutor, acrescentando que neste início foi também muito influenciado pelo carismático radialista António Sérgio, quiçá o maior divulgador deste género de música em Portugal, e que educou, digamos assim, toda uma geração quanto ao estilo de música mais alternativa. «Eu como praticamente nasci a ouvir “aquilo” ganhei uma paixão natural por esse tipo de música», lembra André Carneiro, que na adolescência agregou a esta sua paixão de ouvinte o interesse em colecionar (vários artefatos ligados à música) e de investigar mais a fundo o fenómeno musical português, sobretudo aquele menos conhecido do grande público. «Comecei a ter gosto em investigar música daquela altura (anos 80) e dos anos anteriores, inclusive o rock português, a área onde acabei por me tornar mais especialista, embora goste de tudo um pouco, e até tenho um vasto conhecimento musical de variados estilos, mas o rock foi a minha base. Ainda em adolescente comecei a assistir a ensaios de bandas de garagem locais, a colecionar discos e a dedicar-me mais à investigação do rock em Portugal, uma área em que notei que havia pouca gente a explorar, embora fossem aparecendo “aqui e ali” uns blogs a falar sobre isso», recorda André, que desde tenra idade foi adquirindo um espólio musical - desde discos, cassetes, CD’s que herdou não só dos seus irmãos mais velhos como também tudo o que foi comprando ao longo de anos a fio - que hoje é bastante considerável. Este ermesindense lembra que começou todo este processo de investigação musical por conta própria e sem uma linha definida, e à medida que ia colecionando ia investigando sobre as bandas, e ao mesmo tempo adquirindo conhecimento sobre aqueles movimentos todos dos anos 70, 80 e 90. «As investigações começaram muito por eu andar atrás das coisas, ou seja, andava por lojas de segunda mão de discos, nas feiras, e cheguei a comprar em sites de leilões e classificados na internet. Tudo o que aparecia relacionado com o rock português eu comprava. Coisas estranhas que não conhecia, muitas vezes comprava só para conhecer e depois acabava por investigar aquilo. Para além disso eu ia comprando tudo o que era artefactos ligados à música, como livros, revistas, fanzines e jornais antigos. Fui também comprando coleções particulares. Ou seja, eu tentava vasculhar em tudo o que houvesse relacionado com música moderna portuguesa para conseguir juntar todo esse material. E posso dizer que consegui juntar um grande acervo. Já não tenho é espaço para tanta coisa, que é, aliás, o grande problema dos colecionadores», diz-nos o nosso entrevistado que passou os últimos 20 anos da sua vida a colecionar e a investigar bandas do rock feito em Portugal. Este espólio que foi construindo resulta igualmente de contactos e conhecimentos que foi travando com outros colecionadores e investigadores deste fenómeno que é o rock português ao longo destas duas décadas, com a troca de informações, ficheiros de áudios inéditos - como, por exemplo, gravações antigas no Rock Rendez-Vous, a grande catedral do rock português dos anos 80 -, entre outros artefatos.

    GENERAL INVERNO NA GÉNESE DO SELO PÓS-8ÒS

    Foram estas investigações que levaram André Carneiro a chegar aos General Inverno, uma das bandas ermesindenses cuja biografia - da autoria do nosso entrevistado - damos a conhecer em baixo. Uma banda que acabou por estar na origem da criação do selo Pós-8òs em abril último. André recorda então que este projeto surge no seguimento da biografia da referida banda que ele estava a escrever para o próximo livro que o professor e historiador Jacinto Soares se encontra a trabalhar sobre a história da nossa cidade. «Eu já conhecia os General Inverno, tal como os Fado Negro, outra banda de Ermesinde, através das minhas investigações, e já tinha áudios das maquetes deles. Sempre tive um certo fascínio pelo facto de Ermesinde, uma cidade pequena, ter pelo menos estas duas bandas com qualidade, com um bom som, na década de 80 e que conseguiram gravar maquetes. De maneira que, enquanto escrevia o artigo contactei os membros da banda, em particular o vocalista, o Jorge Seabra, no sentido de tirar apontamentos para o tal artigo. Curiosamente em 2022, assinalavam-se os 35 anos da formação da banda e acabei por propor ao Jorge Seabra a seguinte ideia: já que estávamos a escrever um artigo sobre a banda, porquê não editar um CD comemorativo com a obra completa desta? Ele gostou da ideia, que aliás, já tinha em mente, mas que, até à data, não tinha conseguido colocar em prática. E foi aqui que nasceu a ideia de eu criar um selo», explica André Carneiro. Foi assim que nasceu o projeto Pós-8òs, e os General Inverno acabaram por ser a primeira banda a ser editada por este selo. «Uma banda da minha cidade, algo que me deu ainda mais orgulho», conta André, que tendo em conta o vasto espólio que tem nas suas mãos de bandas portuguesas que nunca foram reeditadas, pensou: «já que consegui fazer esta primeira edição - com os General Inverno - porquê não continuar com o selo?» Foi este o click que motivou este jovem a fazer um trabalho com outros grupos musicais que ficaram perdidos no tempo e que nunca foram reeditados, nem tiveram a oportunidade de gravar um disco.

    E o resultado disto é que o selo Pós-8òs já vai na sua quinta edição, ou seja, este recém-criado projeto já editou cinco bandas, duas delas de Ermesinde, sendo que a última foram os Fado Negro, cujo trabalho discográfico é lançado oficialmente hoje, precisamente na mesma data do jornal, 15 de dezembro. E por falar em trabalho, há que referir que este trabalho de reedição de maquetes de bandas pouco conhecidas não é fácil, conforme explica André. «Desde logo porque há que encontrar os membros das bandas, perceber se estas estão interessadas em fazer uma edição, algo que nem sempre é fácil, já que nem todos têm os seus próprios registos e muitas vezes tenho que recorrer ao meu arquivo pessoal, uma vez que estamos a falar de bandas de há 30 anos atrás, sendo que muitos dos elementos estão casados, com filhos, outros já são avós, outros até já morreram. Isto dá um certo trabalho, e muitas das bandas nem sequer estão interessadas em fazer uma reedição», diz-nos André Carneiro, que faz também todo o trabalho gráfico dos CD’s, usando para isso os seus conhecimentos de fotografia - área em que já trabalhou - e a sua formação em photoshop.

    O selo Pós-8òs faz edições limitadas em CD, um trabalho que como André Carneiro explica acaba quase por ser só para colecionadores e amigos, até porque o mercado para este tipo de música não é muito grande, pois só um nicho de pessoas é que tem interesse por este tipo de música alusiva ao rock português, na música moderna portuguesa dos anos 80 e 90 como nos explica. O selo Pós-8òs tem, aliás, um pequeno grupo privado de amigos no facebook, composto pelo tal nicho de apaixonados deste género musical.

    Porém, estas reedições que têm tido o carimbo do selo Pós-8òs podem também ser encontradas em lojas da especialidade, lojas de discos novos e usados, por exemplo, «até porque foi nestas lojas que eu encontrei as raridades, as edições antigas, os tesourinhos. Sendo que envio para algumas destas lojas - no Porto, Coimbra e Lisboa - mais direcionadas para música alternativa e que distribuem estas edições de autor, alguns exemplares», explica.

    E até onde André Carneiro quer levar este seu selo discográfico? «Gostava de ir até onde fosse permitido, porque tenho muitas bandas que gostava de reeditar, e por isso tenho muito trabalho para os próximos anos. Será um trabalho que farei conforme a minha disponibilidade, porque, apesar de tudo, isto é um hobbie».

    A terminar esta nossa conversa questionámos André Carneiro do porquê do nome de batismo deste selo ser Pós-8òs, ao que nos respondeu que esta designação resulta de uma espécie de trocadilho. Ou seja, «eu sempre gostei do pós-punk, sendo que o pós vem daí e é uma homenagem da minha parte a esse género musical, enquanto que os 80’s são as tais bandas dos anos 80 que fizeram parte da música moderna portuguesa e que em muitos casos acabam por se inserir nesse género».

    Depois de ficarmos a conhecer este projeto passemos então às biografias das duas bandas ermesindeses já editadas pelo selo de André Carneiro, os General Inverno e os Fado Negro.

    GENERAL INVERNO

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    Oriundos da cidade de Ermesinde, os General Inverno formaram-se em Dezembro de 1987 com Alcino Duarte (bateria), Jorge Seabra (voz, harmónica), Paulo Andrade (guitarra), Pedro Beck (guitarra) e Nuno Rocha (baixo), contando ainda com a colaboração de Nuno du Ebebck, pseudónimo de Carlos Bessa (autor de vários livros de poesia) na composição das letras e Henrique Gomes nos arranjos vocais.

    Foram a primeira banda de rock mais conhecida de Ermesinde nos anos 80.

    O grupo estreou-se em Janeiro de 1988 no programa “Ao Vivo” da Antena 1, actuando no Instituto Francês do Porto e interpretando três temas em directo.

    Participaram no 1.º Festival Luso-Galaico de Rock ao Vivo, realizado no pub Luís Armastrondo, no Porto, cuja final se realizou a 31 de Julho de 1988, tendo conquistado o 1.º lugar, ficando à frente dos “D’Age”(Lisboa) e dos “Easy Gents” (Lisboa), banda esta que mudaria mais tarde de nome e ficaria conhecida até ao presente como “Ritual Tejo”.

    Existem registos em vários periódicos da época, de notícias, críticas das músicas e actuações da banda (conforme imagens incluídas no digipack).

    Gravaram também por essa altura uma maquete intitulada “Sotabalda”, que incluía seis temas: “Super Sousa”, “Made In Japan”, “Sotabalda (Rimas de D. Ermezenda)”, “Sal Ar E Os…”, “Até Porque” e “Topas”, onde Nuno du Ebebçk, elemento do grupo com a tarefa de escrever muitas das letras do projecto, mostrava o quanto dos seus textos (subtis e pertinentes) foram pois um importante trunfo para o êxito inicial alcançado pela banda. A vocalização dos temas era da responsabilidade de Jorge Seabra, um excelente “performer”.

    Nas actuações ao vivo, apresentavam ainda outros temas não incluídos na maquete como: “Sarita no Arame”, “Pois”, “General Inverno”, “Islamiberolé, “Jacaré”, ou até mesmo “Natação Obrigatória” (versão de um tema original da “Banda do Casaco”).

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    Temas como “Super Sousa”, “Sal Ar E Os...”, “Topas” ou “Até Porque” denotavam rasgos de inteligência, humor e ironia, fugindo à leviandade típica de muitos outros grupos à época que cantavam em português. Tanto mais que as canções procuravam, dum modo então absolutamente novo, falar da realidade suburbana do Porto, particularmente de Ermesinde, de onde eram originários a maior parte dos membros da banda. E faziam-no com uma linguagem oral e musical que refectia diferentes tradições e influências, incorporando sonoridades e vivências de uma época do final de século.

    Os General Inverno notabilizaram-se por ter letras de qualidade, poderosíssimas e bem interpretadas, em que a voz de Jorge Seabra era bem perceptível, palavra a palavra, sílaba a sílaba. A cassete “Sotabalda” teve apenas por finalidade o agendamento de concertos ao vivo, e, por vezes, o envio para as rádios que a solicitavam.

    Os General Inverno pararam (infelizmente) em 1989, após terem recusado o convite da editora Polygram para gravação de um álbum. Os motivos foram, à data, assentes na incompatibilidade entre as vidas pessoais e profissionais dos seus elementos: um professor e artista plástico de Ermesinde, dois estudantes universitários de Coimbra mais um do Porto e um técnico de estatística de Bragança.

    Entre o fim oficial do grupo com a formação inicial, e, até meados de 1992, ainda se registaram meia dúzia de concertos com a banda, entretanto remodelada, passando a contar com os músicos Nuno Fernandes (baixo) e Nuno Gouveia (guitarra). Esta formação escreveu também dois temas novos: “Cinema S” com letra de Nuno du Ebebçk e “Sushi Sada” com letra de Jorge Seabra. Ao todo, o grupo compôs efectivamente 19 temas originais, tendo outros tantos ficado na gaveta.

    Ficou para a posteridade, além de um punhado de canções que foi trauteada por uma nova geração, a garra demonstrada em memoráveis actuações ao vivo, e, porque não referir, uma actuação na RTP1 no programa “Às 10” (actual “Praça da Alegria”) ou mesmo uma grata partilha do palco com os “Sitiados”, banda do falecido João Aguardela.

    André Carneiro*

    *Nota: O autor escreve segundo a ortografia antiga

    FADO NEGRO

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    Os Fado Negro são talvez um dos tesouros mais bem guardados da chamada Música Moderna Portuguesa. Surgidos em 1988, em Ermesinde, eram compostos por Júlio Salazar (voz), João Paulo (guitarra), Paulo Silva (bateria), João C. Sousa (teclados), e Mário Barros (baixo).

    O grupo rapidamente se destacou por uma sonoridade única e desruptiva, inspirada pela corrente pós-punk proveniente do eixo Liverpool-Manchester, e que acabaria por influenciar toda a música de vanguarda da década de 80, concretamente em Portugal.

    Iniciaram o circuito de concertos por vários pontos do Norte do país, em bares e discotecas, passando pelas mecas obrigatórias do rock ao vivo, como o Louis Armstrong e o Cova Funda (ambos no Porto), Azenha D. Zameiro (Vila do Conde), ou Hasta Pública (Lamego). Fizeram ainda a 1.ª parte de um concerto dos Rádio Macau em Vila Nova de Foz Côa.

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    Gravaram uma maquete nos emblemáticos estúdios Pinguim que lhes permitiu participarem na 3.ª Mostra de Música Moderna - Coimbra 90. Embora tivessem passado à 2.ª fase, a Mostra não prosseguiria após cancelamento por parte da organização a cargo da RUC - Rádio Universitária de Coimbra. Esfumava-se assim o sonho de conquistar lugares mais cimeiros ou mesmo a gravação do primeiro LP. Indisponíveis para continuar a trilhar caminho, resultado de compromissos profissionais e académicos dos seus membros, o grupo terminaria pouco tempo depois.

    Esta edição em forma de disco/homenagem é o registo “maior” que pretende trazer para a luz um “fado negro”, agora recuperado, que infelizmente permaneceu demasiado tempo oculto.

    Quando dizemos homenagem referimo-nos ao facto de um dos membros da banda, no caso o baixista Mário Barros, ter falecido em outubro passado. Este Mário Barros notabilizou-se anos mais tarde como jornalista do Comércio do Porto, do Jornal de Notícias e do Público.

    André Carneiro*

    *Nota: O autor escreve segundo a ortografia antiga

    Por: Miguel Barros

     

     

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