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    Arquivo: Edição de 15-12-2020

    SECÇÃO: Destaque


    REPORTAGEM

    Brinquedos que contam histórias e reavivam memórias

    Quem acha que são apenas os olhos de uma criança a ganhar um brilho especial quando se cruzam com um qualquer brinquedo terá forçosamente de ler as linhas que se seguem para perceber que também os adultos se rendem facilmente aos encantos destes objetos mágicos que dão cor ao universo infantil. Tudo porque por si só um brinquedo tem o condão de reavivar memórias, de “contar” uma história, de nos remeter para determinada altura da nossa vida. Percebemos isto com nitidez no rescaldo da nossa visita a uma fábrica quase centenária e que também ela guarda dentro das suas paredes histórias e memórias. Não é uma fábrica qualquer, é a única fábrica em Portugal que produz brinquedos tradicionais, os mesmos que se começaram a fazer há 100 anos, e que fizeram as delícias dos nossos pais e avós. A história do brinquedo tradicional português também nasceu aqui, nesta fábrica, fundada em 1921 em Alfena, e que atualmente continua de portas abertas, e mais do que continuar a produzir brinquedos continua a perpetuar aquele que é indiscutivelmente um património nacional. Venha connosco conhecê-lo.

    Fotos ALBERTO BLANQUET
    Fotos ALBERTO BLANQUET
    Quem nunca terá ouvido falar da JAJ, da JATO, ou da PEPE, nomes que antecederam a hoje em dia denominada Bruplast, fábrica situada em Alfena que desde há praticamente 100 anos a esta parte tem contribuído para o sorriso de centenas de milhares de crianças assim que têm nas suas mãos um brinquedo.

    Foi nesta unidade industrial nascida em 1921 que o brinquedo tradicional português ganhou existência pela mão de um funileiro, de seu nome António Augusto. Hábil a fazer funis, baldes, ou bacias em zinco, ele teve a perspicácia de fazer por essa altura uma gaitinha com asas, aquele que seria o primórdio do brinquedo tradicional. Seguiram-se as roquinhas (enchidas com pedrinhas que ia buscar ao rio Leça), começando a vender estes brinquedos em feiras. E foi então que pensou para si próprio: “se podemos fazer isto também podemos fazer mais brinquedos!” E a partir daí começou a nascer a criatividade para fazer outros brinquedos. Em folha de flandres. Há que sublinhá-lo. Com a escassez de chapa por causa da Grande Guerra o nosso artista, na casa dos seus 20 anos, virou-se um pouco para a madeira, começando a produzir os (hoje) famosos ciclistas e as pombinhas.

    JÚLIO PENELA
    JÚLIO PENELA
    António Augusto foi quem deu o “pulo” no brinquedo tradicional português, e quem o diz é o seu neto, Júlio Penela, que a par do seu filho é hoje o “timoneiro” de uma fábrica que começou por se chamar JAJ, depois em 1955 passou a ser a JATO e com a entrada do seu pai e do seu tio nos anos 70 passou a denominar-se de PEPE. Tudo nomes sonantes do brinquedo tradicional que ao longo destes anos todos foi evoluindo de geração em geração na família Penela. Só um parêntese para dizer que a fábrica nasceu em Alfena, no lugar da Aldeia Nova, tendo ainda assentado arraiais em Ermesinde, na Rua 5 de Outubro, a Indústria de Quinquilharias de Ermesinde, na altura a grande fábrica erguida por António Augusto, até que já com o pai de Júlio Penela à frente do negócio a empresa regressa às raízes, isto é, a Alfena.

    E já que estamos em época natalícia, e porque Natal na “mentalidade” infantil é sinónimo de presentes, de brinquedos, Júlio Penela, que cresceu neste Mundo fascinante do brinquedo, como refere, lembra os seus tempos de menino, quando por estas alturas o seu pai brindava todas as crianças da rua onde morava com brinquedos da fábrica. Todas as crianças da sua rua tinham um brinquedo oferecido pelo então proprietário da fábrica. «Brinquedos fantásticos, todos em folha flandres, lindíssimos, e com uma perfeição muito acima da média já na altura», conta o nosso interlocutor que ainda hoje guarda brinquedos daquele tempo ou não fosse além de um profundo conhecedor do brinquedo tradicional um colecionador entusiasta.

    RELÍQUIAS QUE VALE HOJE FORTUNAS

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    Verdadeiras relíquias que valem uma fortuna, diz, ao mesmo tempo que nos conta que há colecionadores a dar 2000 e 3000 euros por um brinquedo antigo. Mas, na sua ótica estes brinquedos têm uma história muito grande, um valor sentimental enorme, e não há dinheiro que pague isso. Além de Alfena também Ermesinde ainda hoje é conhecida por ser a terra do brinquedo tradicional português, duas localidades que outrora tinham várias fábricas de brinquedos, sendo que muitos fabricantes concorriam uns com os outros, como recorda Júlio Penela. «O Moreira da Silva e a família Moura em Ermesinde também faziam brinquedos em folha flandres, mas o que mais se destacou sempre foi o meu avô. Ele, com a 3.ª classe, metia-se num avião rumo à Alemanha, onde se faziam bons brinquedos em folha flandres, e sem falar alemão, sem tradutor, lá ia e trazia alguns modelos que copiava cá, reinventava-os, mudava umas coisas dava-lhe um toque pessoal, até depois começou a criar os seus próprios modelos», recorda Júlio Penela. «Depois entraram as normas europeias e estragou tudo. Nós temos de cumprir, mas os asiáticos não têm de cumprir, e quando se fala nisto eu sinto alguma mágoa, porque o nosso Estado no passado nunca olhou para o brinquedo, e só agora é que se está a dar um bocado de importância», diz.

    Hoje em dia o brinquedo tradicional não se vende como antigamente, ainda por cima agora temos a pandemia, o que trava ainda mais as vendas, mas para Júlio Penela os seus brinquedos são os mesmos que eram há 100 anos atrás feitos pelo seu avô, isto porque o modo como são fabricados é o mesmo de há um século atrás, tudo rigorosamente igual, sendo que por vezes há colecionadores que dizem que os brinquedos que se fabricam hoje são atuais e não antigos. Júlio Penela contesta esta ideia, explicando que os moldes onde os brinquedos são fabricados têm 100 anos, e que por isso o brinquedo é na mesma original. «As pessoas não percebem isto, dizem que são uma segunda vaga de brinquedos, mas não tem nada a ver uma coisa com a outra. Uma fábrica não pode parar. Agora há fábricas que foram extintas e se aparecer um brinquedo ou outro (dessa fábrica) claro que tem o seu valor porque já não se faz. Neste momento a única fábrica em Portugal a fazer brinquedos tradicionais somos nós», diz com orgulho.

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    Júlio Penela confessa ainda que hoje em dia nas conferências (sobre o brinquedo) a que vai constata que as pessoas ainda não têm a ideia do que é o mundo do brinquedo tradicional, um objeto que já não é uma coisa vulgar, mas sim já é um património muito grande da nossa cultura nacional, não sendo por acaso que existe o Museu do Brinquedo de Ponte de Lima (cuja maior parte dos brinquedos ali expostos são, segundo Júlio Penela, originários de Alfena e de Ermesinde), o Museu do Brincar de Vagos e a futura Oficina do Brinquedo que irá nascer em Alfena. Para Júlio Penela o brinquedo tradicional não tem preço, são peças raras, mostrando-se triste por muitas vezes os colecionadores olharem para o brinquedo que têm nas suas vitrinas como algo que vale muito dinheiro. «Quando se começa a meter dinheiro nos brinquedos esqueça, está tudo perdido. E é isso que eu discuto, não posso aceitar que alguém dê 2000 ou 3000 euros por um brinquedo, o mais que pode acontecer são trocas entre colecionadores, porque não vejo o brinquedo como dinheiro. Para mim se tenho uma peça que é única ela é minha, tem um valor sentimental, por isso podem chegar aqui e oferecer-me muito dinheiro por um brinquedo e eu recusar, como já aconteceu, porque para mim vale mais o valor sentimental, porque você brincou com eles. Isto do brinquedo é um mundo extraordinário e tem de se ter muita sensibilidade», diz com um brilho nos olhos enquanto conversava connosco por entre vitrinas e prateleiras apinhadas de carrinhas “pão de forma”, de táxis, de “carochas”, de elétricos, de fogõezinhos, de máquinas de costura, de carros de polícia, de cozinhinhas, entre outros brinquedos cativantes a que deitamos o olho.

    BRINQUEDOS QUE FAZEM AS DELÍCIAS DE MIÚDOS E GRAÚDOS

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    Antigamente faziam-se muitos mais brinquedos do que hoje, agora o brinquedo tradicional pouco ou nada se faz, faz-se para quem coleciona ou para as lojas de artesanato, mas faz-se com a mesma essência, com o carinho com que se fazia há 100 anos atrás, garante Júlio Penela que também faz workshops para miúdos e graúdos. «Faço aqui workshops para as escolas e os miúdos adoram. Eles pensam que vão chegar aqui e ver computadores, playstations, etc. e quando chegam ficam a olhar muito sérios e a perguntar o que é isto? Depois eu começo a explicar, como funcionam os mecanismos, e posteriormente quando passo para a parte prática, em que os ponho a fabricar o próprio brinquedo, bem, nem queira saber, eles já não querem ir embora! Começam a mexer nos brinquedos, a montar as pecinhas todas, a pintar, etc., e isso é que me dá gozo. E depois vêm os avós ou os pais e ficam aqui a dizer: ei, eu brinquei com isto, com aquilo, eu tive um carro da polícia destes, um fogãozinho, etc. Pessoas de 70, 80 anos, que olham e dizem que brincaram com isto! Ou seja, estas memórias vêm ao de cima com estes brinquedos. É o revivalismo. Quem é que não brincou com um brinquedo destes? Hoje digo que o meu avô foi um visionário. E tenho orgulho nele. Para aquele tempo ele estava muito à frente».

    Também os funcionários tiveram e têm um papel muito importante no fabrico e na evolução do brinquedo. Noutros tempos a fábrica chegou a ter perto de 100 funcionários, cada um com a sua função, uns faziam as palhetas, outras as cordas, etc., sendo que hoje em dia são apenas quatro os funcionários multifuncionais da fábrica.

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    «Somos quatro funcionários e chega, porque a fábrica hoje não vive do brinquedo, vive do artigo industrial que fazemos. Mas não desisto do brinquedo porque é uma tradição de família».

    Como já dissemos o brinquedo atualmente é vendido para lojas de artesanato, ou para lojas vintage, mas este ano está difícil por causa da pandemia, em que as lojas estão fechadas, como acontece por exemplo com um dos melhores clientes desta fábrica, a Vida Portuguesa, que já fechou uma das suas lojas em Lisboa. Por conta disso as encomendas para este Natal diminuíram, segundo nos conta Júlio Penela. Antigamente a fábrica exportava não só para todo o país, como também para França, Espanha, Alemanha, para as antigas colónias portuguesas, sendo que no Natal o frenesim era ainda maior. De setembro até dezembro, até à véspera de Natal, a carrinha não parava, era sempre a carregar para Lisboa e Porto, conta o nosso entrevistado. «Neste momento estou parado, as lojas não vendem, estão fechadas, não há turismo. O que vai sobrevivendo é o artigo industrial».

    BRINCADEIRAS DE RUA FAZEM FALTA AOS MAIS NOVOS

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    Ainda sobre os brinquedos, Júlio Penela opina que hoje em dia as crianças estão a crescer num mundo das tecnologias, «e isso é muito mau, porque eles não se movimentam, estão sentados ao comando de uma consola, ou de um computador. A brincadeira de rua faz falta. Os pais deviam perder 10, 15 minutos por dia quando chegam a casa e vir à rua com as crianças praticar as brincadeiras de outros tempos, isso faz bem às crianças. A mentalidade dos pais é outra hoje, dão-lhes um telemóvel para a mão e a criança está ali entretida. Não há convivência familiar e este tipo de brinquedo reencaminha para isso. Os pais vêm aqui aos workshops com os miúdos e dão-me razão quando digo que isto faz bem aos miúdos. E olhe que eu faço workshops todos os meses e vêm muitas vezes as mesmas pessoas. Vêm de Leiria, Vila da Feira, Caminha, Vale de Cambra, de todos os lados, e saem daqui encantadas. Além de levarem o brinquedo que fazem ainda levam mais alguns. Há pessoas que repetem a experiência só para terem o brinquedo diferente. O brinquedo tem histórias, não é só fabricá-lo, as histórias também fazem parte do brinquedo tradicional», sublinha, não sem antes opinar que se não fosse ele muitas vezes não se falava no brinquedo tradicional. «O brinquedo não é trabalhado como devia ser. O brinquedo é uma coisa séria. Eu tenho de ser participativo na sociedade, e por isso faço workshops, faço muitas exposições e workshops em Santo Tirso, por exemplo, nas escolas, e os miúdos adoram, e depois vêm-nos visitar. Não basta só falar do brinquedo, temos de fazer um pouco de força para que as coisas funcionem. Não basta dizer que tenho uma fábrica com 100 anos de história, e o resto (?), não sai daqui para fora nada? Quando eu tive a iniciativa de abrir as portas ao público tornou-se logo tudo diferente. Nós temos de estar inseridos na sociedade e ver o que há, não é só ter uma fábrica, há gente que tem em casa brinquedos antigos, de infância, que estão perdidos, e temos de juntar este património todo para ser visto».

    (...)

    leia esta reportagem na íntegra na edição impressa.

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    Por: Miguel Barros

     

     

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