PASSEIOS DE BICICLETA À DESCOBERTA DO PORTUGAL REAL...
“– Tem cuidado meu. Podes ficar sem ele.”
O dia amanheceu ventoso. Lembro-me da expressão “Até a barraca abana” e sorrio. Esqueço-me das dores do corpo, nem sei se são das andanças ou do terreno onde dormi. As costas, principalmente, acusam as mordeduras das pedras que revestiam o chão. Foi uma batalha épica o desmontar e guardar a tenda. Deixei a metodologia do bem dobrar o pano para, em desespero de causa, empurrar e amarrotar para dentro do saco, que era o que importava. O vento que fique com a taça. Terminado, dirijo-me para a secretaria do parque, para dar a entrada e saída.
Volto para Sesimbra. Vila piscatória, fundada no sopé de uma colina onde foi erguido um castelo pelos Mouros e conquistado em 1165 por D. Afonso Henriques, tomado novamente pelos Mouros, foi definitivamente reconquistado por D. Sancho I. Para além do porto de pescas a sua atividade assenta nos serviços e no turismo, com excelentes praias. Já é meio da manhã. Subo a colina e visito o castelo. Das suas ameias temos uma paisagem deslumbrante da Vila e do mar. Aqui consulto o mapa e pelas dores ou não, decido uma etapa curta.
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SANTUÁRIO NOSSA SENHORA DO CABO ESPICHEL |
Sigo pela estrada que me levará ao Cabo Espichel. Estrada esta ladeada quase sempre por habitações. Os terrenos envolventes têm arbustos rasteiros e erva amarela da estiagem de agosto. Os perto de 16 Km pela EN 379 são feitos em ritmo de passeio domingueiro. Visito externamente o Farol. A nossa costa era conhecida, principalmente pelos Ingleses, como “Costa Negra”, devido à falta de iluminação de sinalização. O Marquês de Pombal (séc. XVIII) mandou construir uma rede de faróis entre os quais este é um dos mais antigos de Portugal (1790). Mais umas dezenas de metros e estou no átrio do Santuário do Cabo Espichel. Composto por uma Igreja (visitável, mas sem autorização de fotografar o seu interior), a limitar o átrio as antigas hospedarias. Temos a Ermida das Memórias e a casa da água. Exceto a Igreja, nada é visitável, denotando-se até no resto do complexo uma certa degradação nas velhas hospedarias. Segundo uma lenda, no sítio onde foi erguido, apareceu a imagem da Virgem em 1410, ficando conhecida como o Santuário da Nossa Senhora do Cabo Espichel.
Finda a visita, sigo para Alfarim e desta para o parque de campismo Campimeco. Parque situado numa arriba de falésia com vista para o mar. Por aqui o terreno era mais confortável para o chão da tenda. Alfarim é uma aldeia pacata, dá apoio a praias como a do Meco, a das Três Bicas, a do Penedo e a Naturalista do Rio da Prata. Para bons manjares, temos o restaurante/bar do Grupo Desportivo de Alfarim. Com a noite a instalar-se e admirando o pôr-do-Sol e com o aparecimento das luzes da Costa da Caparica e de Lisboa no horizonte, decido ficar por aqui mais um dia.
Lá diz o ditado que, comer e dormir bem, faz o tempo passar depressa. Hoje é sábado. Se pernoitar na Costa da Caparica, na manhã de domingo percorrerei a linha “bem”, de Belém a Cascais. Pela EN 377 passo pela Lagoa de Santo André. A paisagem muda. Os meus companheiros de viagem são agora os pinheiros. Percorro Fernão Ferro, no Fogueteiro desvio-me outra vez para a beira-mar. Tomo um café numa esplanada de bar na praia da Fonte da Telha. Curiosos olham para a bike, se soubessem os Kms que já fez. Pelo sim pelo não, dirijo-me para a Caparica ainda a horas decentes para almoçar.
Consulto o Maps, e verifico que tenho cinco a seis parques. Pela lógica da “batata” fico-me pelo segundo. Mas que “batata”. Temos lugar, dizem-me, mas o pessoal foi todo almoçar. Ok. Fico a aguardar aqui à fresca. Ao meio da tarde lá aparecem, todos atarefados! Eu e um casal de holandeses a penar. Depois de inscritos, fomos acompanhados por um funcionário ao devido sítio. A hora do almoço já lá ia. Montada a tenda e com um bando de “melros” que não tiravam a vista de cima, tive a sensação de ter que prender a bicicleta. Rodas desmontadas, presas ao quadro e este ao poste de eletricidade. Depois do banho, o telemóvel foi posto à carga numa das fichas de apoio no WC para se ligar as máquinas de barbear. Encostei-me por ali à espera. Eis senão quando entram três indivíduos e dirigem-se logo para o telemóvel. Dando pela minha presença, um deles pergunta-me. É seu?? À minha resposta, O que achas!!!, trocam de olhares e um deles, paternalmente, diz. – Tem cuidado meu. Podes ficar sem ele. Ok. Tinha chegado ao “Far West”, ou simplesmente aos limites da grande capital? Depois da janta, e da leitura de um jornal diário dirijo-me para a tenda. A bike está no sítio. Estará tudo na tenda? Já duvido de tudo. Está. Está tudo… Acho!!!! Às 23h30m instala-se o caos. Há sardinhada. Há música, com o som tão alto que se ouvirá em Faro. Estou perdido... porca miséria!...
Por:
Manuel Fernandes
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