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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 31-01-2020

    SECÇÃO: Crónicas


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    A dama do Violoncelo

    “Toquei violoncelo na Orquestra Sinfónica do Porto”, foi das primeiras coisas que disse quando me foi apresentada esta senhora de estatura franzina mas de porte elevado. Senti que por ali haveria história, muita história de vida, ao longo dos seus já 91 anos. E fiquei assim ligada a um desafio que nunca pensava voltar a abraçar: fazer companhia a dois seres encantadoramente madurinhos a quem posso levar e adicionar alegria e até esperança no despertar para alguns dos momentos em que juntinhos têm completado dias de calendário e de vida.

    Assim se transformava serviço em aprendizagem que me devolveu a vontade de colocar em textos, com rostos encriptados na escrita de aventuras, que também não existem sem desventuras e estas, a dama do violoncelo tinha-as gravado na sua alma desde tenra idade – os seus 6 aninhos quando foi enviada para um colégio interno, de consolidada reputação (que ainda em tempos de hoje se mantém). Haveria de sair aos 15 anos para apoiar a sua mãe que emocionalmente sucumbia ao desgosto de em 3 dias ter perdido dois filhos, os irmãos queridos desta menina que conta, já sem lágrimas, que foi ela que teve que os lavar, que os vestir e ver enterrar.

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    Cumpriu a promessa que fez a seu pai e cuidou da mãe no tempo de vida que lhe pertenceu até que fosse repousar junto dos que “já lá estavam” só que a par disso (e se calhar sem disso se dar conta), os desgostos serviram para lhe solidificar a coragem em que alicerçou tudo aquilo que haveria de ser, e é: uma dama com pulso de ferro, dentro de um coração que só agora deixa que lho invadam no seu sentir mais profundo.

    Sir Alex Huxley dizia que “Se calhar é bom sofrer. O artista pode fazer alguma coisa se for feliz? Ele vai querer fazer? O que é arte, afinal, senão um protesto contra a horrível crueldade da vida”. A arte terá sido um dos caminhos que a menina e depois moça, encontrou para amenizar a dor e a crueldade das suas perdas – primeiro na pintura, exposta em quadros que se espalham pelo charme de uma casa cheia de história e depois na música, com a formação feita em conservatório em tempos em que “meninas” seriam só meninas e depois senhoras, dedicadas à família e ao lar.

    Concordo com o que um dia li: a coragem não é ausência do medo, é sim a persistência apesar do medo. Em meados dos anos cinquenta de um século que já passou, agarrar num violoncelo e escolher como profissão ser música requeria muita, mas muita coragem somada a outra tanta determinação para enfrentar (acima de tudo) estigmas de uma sociedade burguesa, derrubando paradigmas, conceitos e valores que foram sendo enraizados ao longo dos séculos e que não haveriam de desaparecer de um momento para o outro.

    A par disso e enquanto se movia com o seu violoncelo entre palcos e festas onde a música era soberana, ia cuidando do seu lar, do seu jardim, da sua horta, concretizando outros sonhos e o maior de todos: que as suas filhas tivessem um lugar seguro para assentar e ramificar das raízes que lhes deram origem, construindo as suas próprias famílias, seguindo os seus sonhos e também as suas esperanças. Conseguiu-o e isso acalenta-lhe a alma como é fácil vislumbrar no seu semblante quando da sua janela olha para todas estas conquistas, banhadas por um mar que não lhe fica distante e em que também ele está ora apaziguado, ora revolto e tumultuoso guardando dentro de si e das suas entranhas histórias de aventuras maravilhosas e desventuras trágicas mas que em nada lhe tira a beleza, a força e o respeito por tudo aquilo que é e representa.

    Por trás de uma grande mulher se estiver um grande homem então aí a fórmula é perfeita. Assim aconteceu em 1953 quando a dama do violoncelo e o apaixonado pela arte cénica formalizam uma união que dura até aos tempos de hoje. Está assente num respeito que se percebe foi construído em cima da amizade que se transformou em amor.

    Numa das quadras de um Livro de Curso de 1955 pode ler-se o que escreveu a então jovem do violoncelo, ao companheiro que escolheu para a acompanhar na sua caminhada:

    «Mas fora de brincadeira

    Melhor moço não há.

    Amigo certo e seguro

    Pronto para tudo está.»

    (...)

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    Por: Glória Leitão

     

     

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