ENTREVISTA NO ÂMBITO DA CELEBRAÇÃO DO 66.º DIA MUNDIAL DOS LEPROSOS
Lepra ainda é uma realidade no século XXI
Celebrou-se a 27 de janeiro último em todo o Mundo o 66.º Dia Mundial dos Leprosos. Falar de lepra na atualidade pode parecer estranho, mas... em pleno século XXI esta doença ainda é uma realidade! Apesar do Mundo ter ao longo de décadas e séculos conhecido tantos avanços (desde logo científicos) esta enfermidade ainda não foi erradicada do nosso planeta Porquê? Esta foi a questão principal que nos levou ao Núcleo de Ermesinde da Associação Portuguesa de Amigos de Raoul Follereau (APARF), onde estivemos à conversa com Carlos Santos, coordenador deste núcleo ou grupo local, mas também membro nacional da Direção desta instituição particular de solidariedade social.
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Fotos ALBERTO BLANQUET |
Instituído pela Organização das Nações Unidas em 1954 o Dia Mundial dos Leprosos é atualmente celebrado em 130 países com a finalidade de alertar a população mundial para as condições de sofrimento e de miséria em que viviam milhões de pessoas atingidas pela lepra. Assinalado no último domingo do mês de janeiro, este dia mantém-se atual, pois apesar da progressiva redução do número de doentes, a doença ainda não foi erradicada, sobretudo nos países mais pobres do globo onde a sua prevalência se mantém elevada. Mas já lá vamos.
Em Portugal o Dia Mundial dos Leprosos é celebrado há 32 anos, pela mão da APARF. Mas em pleno século XXI faz sentido continuar a falar de uma doença cujos primeiros relatos de existência remontam a cerca de 4000 anos antes de Cristo? Faz todo o sentido, na voz de Carlos Santos.
Ainda antes de abordar os contornos da realidade atual da lepra faz igualmente sentido falar na missão que a APARF tem abraçado de há 32 anos a esta parte, uma missão que na sua génese prossegue aquilo que foi iniciado pelo seu inspirador: Raoul Follereau. Quem foi este homem? Foi um escritor, jornalista e advogado francês - nascido em 1903 - que numa viagem a África - nos anos 30 - se deparou com algumas pessoas que se escondiam no meio do arvoredo aquando da sua passagem por elas. Estranhando este comportamento, perguntou ao guia que o acompanhava quem eram aquelas pessoas. São leprosos, foi a resposta. Esta imagem “tocou” Raoul Follereau, que ao questionar-se sobre o porquê destas pessoas se esconderem só porque padeciam de uma enfermidade dedicou os 50 anos seguintes da sua vida à causa dos leprosos.
Na companhia da sua mulher, Madeleine Boudou, deu a volta ao Mundo várias vezes, visitando leprosarias/prisões, proferindo milhares de conferências sobre a causa, participou em fóruns, numa entrega total ao serviço destes estigmatizados doentes. «Este homem desinstalou-se. Ao invés de levar uma vida confortável dedicou-se à denúncia das injustiças, daquela ideia que ainda hoje temos presente num Mundo que é cruelmente egoísta, ou seja, como é que tão poucos têm milhões e tantos milhões têm muito pouco ou nada!», diz Carlos Santos, numa alusão à ligação entre a lepra e as desigualdades existentes na Humanidade.
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Aliás, estas desigualdades respondem de certa forma à nossa pergunta inicial: porquê em pleno século XXI ainda existe lepra?. Mas voltando a Raoul Follerou, na sua condição de “vagabundo da caridade” ou “apóstolo dos leprosos”, como foi chamado, ele visitou Portugal em duas ocasiões, nos anos 50 e 60, mais precisamente o Hospital Rovisco Pais, na Tocha, antigamente chamado de leprosaria nacional, para onde iam todos aqueles a quem era diagnosticada a doença, uma unidade que no passado chegou a ter 2000 doentes. Muitos destes homens e mulheres eram para ali levados compulsivamente pelas forças da autoridade, como se fossem para uma prisão! Esta imagem verificava-se um pouco por todo o Mundo: o doente com lepra era discriminado, afastado do convívio social. Era hostilizado e ele próprio se auto-excluía da sociedade. Carlos Santos compara esta imagem do passado com a altura em que apareceu o vírus HIV/Sida, em que havia um pânico generalizado das pessoas em dar um abraço, dar um beijo, temendo o contágio da doença.
A missão de Raoul Follereau também passou por denunciar e contrariar essa hostilização, contrariar a ideia de que não fazia sentido que os doentes que padecessem de lepra fossem socialmente discriminados. A pouco e pouco essa hostilização foi-se esfumando, e hoje, de acordo com o nosso interlocutor, as pessoas já olham para esta doença de maneira diferente, já não há o medo de tocar num doente com lepra, já não há a tal hostilização do passado. «O Papa Francisco diz uma frase muito bonita que é: “nunca ninguém sinta repulsa de tocar o pobre e o excluído”, diz Carlos Santos numa espécie de analogia. Acrescenta que alguém que padece desta enfermidade é «como ter outra doença qualquer, em que existe uma possibilidade de cura e uma grande improbabilidade de sermos afetados pela lepra», explicando ainda que o grau de contágio da lepra é mínimo, sendo que esse contágio existe se houver um contato permanente com o doente infetado, porque se não houver esse contato sistemático o nosso sistema imunitário reage bem à bactéria. Mais de 90 por cento da população mundial está hoje imune a esta enfermidade. Além disso, a lepra não é hereditária, como se julgou durante séculos, tendo a título de exemplo neste aspeto, Carlos Santos recordado que no passado muitos casais com lepra que se encontravam internados no Hospital Rovisco Pais ali tiveram filhos, e que esses descendentes não nasceram nem contraíram nas suas vidas a doença.
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Por:
Miguel Barros
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