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    Arquivo: Edição de 15-12-2017

    SECÇÃO: Crónicas


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    A reserva de um génio

    Figura pública de relevo na sociedade brasileira da segunda metade do pretérito século, o cronista Rubem Braga era um homem introspetivo ainda que tivesse muitos amigos e fosse considerado o maior cronista de sempre do país irmão (1). Raríssimas vezes aceitava participar em programas radiofónicos ou televisivos, sequer em encontros com outros escritores nos costumeiros festivais literários. Conheciam-no bem os leitores do Grupo Manchete de Assis Chateaubriand e, mais tarde, de O Globo pela qualidade poética que imprimia aos seus trabalhos erigindo a crónica à nobre condição de género literário. Foi mesmo a crónica que cultivou quase em exclusivo tendo dado à estampa cerca de trinta obras, várias vezes reeditadas, e abrindo caminho a outros cronistas que se têm distinguido desde então.

    Constituiu, assim, grande surpresa a sua comparência no programa "Almoço com as Estrelas" que Aerton Perlingeiro apresentava na TV Globo aos domingos e levava ao convívio com o restrito público que, na época - anos sessenta -, tinha acesso à televisão: atores e atrizes de teatro, cinema e televisão, compositores e cantores de sucesso, escritores e pessoas que se distinguiam em qualquer área do saber e do entretenimento. Aerton dispensou-lhe caloroso acolhimento e quis saber o motivo da sua fuga à exposição pública. O cronista respondeu com ar natural e a descontração própria de qualquer brasileiro que se preze:

    - Porque para mim, mais que dois é multidão. E acrescentou: sou alguém que dá muito valor à sua privacidade e que não pretende impor seus pontos de vista a outras pessoas nem promover-se utilizando a boa vontade dos amigos entre os quais está você.

    No seguimento do diálogo entre o apresentador e o seu convidado-surpresa, este reforçou que não havia nenhum motivo especial, como snobismo ou pretensão para rejeitar outros convites mas tão só circunstâncias que, em cada caso, não o permitiram ou recomendaram. Contudo Aerton considerou um privilégio ter no seu programa alguém com o prestígio do então já famoso cronista. Quanto a Rubem Braga, na crónica "Natal" publicada no seu livro "A Borboleta Amarela", revela uma das principais características da sua personalidade que se reflete em toda a obra: "sinto uma grande ternura pelas pessoas, sou um homem sozinho na noite quieta, junto de folhagens húmidas bebendo gravemente em honra de muitas pessoas"(2). O também escritor e crítico Afrânio Peixoto confirma essa afirmação: " a marca registada dos textos de Rubem Braga é a crónica poética na qual alia um estilo próprio a um intenso lirismo provocado pelos acontecimentos quotidianos, pelas paisagens, pelos estados de alma, pelas pessoas, pela natureza" (2). Um dos seus melhores amigos Edvaldo Pacote descreve-o da maneira seguinte: "O Rubem era um turrão com uma veia extraordinária de humor, uma pessoa fechada, ao mesmo tempo poeta e poético. Era preciso ser muito seu amigo para que ele entreabrisse uma porta da sua alma. Ele só era menos contido com as mulheres, quando não estava apaixonado por uma em particular estava apaixonado por todas"(2).

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    Relevante e comprovando o que outros dele diziam foi o facto de ser não apenas um grande escritor mas também um homem de grande valor noutros domínios, antes de mais como jornalista correspondente de guerra, na Itália, junto da Força Expedicionária Brasileira durante a 2ª Guerra Mundial, mas também como colaborador de vários jornais e revistas do país e diplomata como Cônsul em Rabat (Marrocos). Apesar de ter como amigos os ex-presidentes da República Juscelino Kubitschek de Oliveira ("construtor" de Brasília, a realização dum sonho de muitas décadas); Jânio Quadros, o "homem da vassoura" que foi eleito com o maior número de votos da História do Brasil até então e que renunciou ao cargo após sete meses sem nunca explicar ao povo que o elegeu os verdadeiros motivos por que o fez alegando apenas a existência de "forças ocultas" que ninguém conseguia identificar; Afonso Arinos de Mello Franco intelectual e diplomata de grande prestígio, Adhemar de Barros por largo período governador de S. Paulo e muitos outros vultos em diversas áreas, nunca pretendeu alcançar notoriedade políticaou exercer altos cargos. Até ao fim da vida foi um homem discreto de muitos amigos mas de convivência rara. Dois dias antes de morrer, reuniu na sua casa de Ipanema apenas três amigos selecionados numa visita silenciosa. Dois dias depois, sedado, morreu no Hospital Samaritano sozinho como desejava e pedira aos amigos. A causa da morte foi uma paragem respiratória consequência de um tumor na laringe que ele preferiu não operar nem tratar quimicamente (2).

    Não obstante a quantidade de bons cronistas quer no Brasil, quer em Portugal, a crónica continua a ser, para muitos leitores, apenas uma dissertação sobre um tema sem a nobreza do conto com o qual é muitas vezes aparentada. No Brasil, Rubem Braga deu-lhe esse toque de alforria que o tribunal da opinião pública reconheceu e adotou. Hoje há muitos cultores do género no Brasil. Destaca-se, claramente, o nome de Luiz Fernando Veríssimo que alia ao tema explanado o humor.

    (1) Embora Machado de Assis tenha sido também um mestre da crónica não o foi em exclusivo fator que favorece Rubem Braga que tornou a crónica um género distintivo.

    (2) Conhecimentos do autor acrescentados com dados obtidos na wikipédia, enciclopédia livre.

    Por: Nuno Afonso

     

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