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    Arquivo: Edição de 15-12-2017

    SECÇÃO: História


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    60º ANIVERSÁRIO DO CENTRO SOCIAL DE ERMESINDE (35)

    Recordando o Padre Américo

    Nesta quadra natalícia parece-me adequado recordar aqui, a propósito dos objetivos assistenciais do Centro Social de Ermesinde e da época que vivemos, uma figura maior do altruísmo português - o Padre Américo. É uma figura que quase toda a gente conhece, mas que vale a pena evocar para que nunca caia no esquecimento. Em Ermesinde onde também fez obra a favor dos mais carenciados, o seu nome foi dado a uma das suas ruas e há um pequeno busto seu na Rua do Bom Samaritano. O jornal do Centro Social, quando ainda se denominava "Sopa dos Pobres", recordou-o precisamente na 1.ª edição de Natal, em dezembro de 1958, já lá vão 59 anos.

    A Igreja Católica, tanto em Portugal como noutros países da Europa e de outros continentes, tem figuras que se destacaram pela sua entrega aos demais, principalmente, aos desprotegidos e mais desfavorecidos. Conta-se, entre esses, o bondoso Padre Américo. Poucos saberão que, antes de ser padre, vestiu o hábito de franciscano, há precisamente 93 anos atrás (agosto de 1924).

    O Padre Américo é considerado, ainda hoje e muito justamente, um modelo como "educador social" dono de uma grande capacidade intuitiva, que desenvolveu uma filosofia de ação muito própria, repleta de princípios, valores religiosos e morais, que depois foi canalizando para a prática quotidiana.

    O Padre Américo (o seu nome completo é Américo Monteiro de Aguiar) nasceu no dia 23 de outubro de 1887, em Galegos (concelho de Penafiel). Foi o oitavo filho duma família cristã. Depois de ter frequentado o ensino primário, começou por trabalhar na atividade comercial no Porto e, em 1906, foi para Moçambique, regressando a Portugal em 1923, com 36 anos de idade, altura em decide tornar-se religioso, como franciscano, ingressado no Convento Franciscano de Vilariño de Ramallosa, Espanha, onde tomou o hábito no dia 14 de agosto de 1924.

    Contudo, após dois anos de vida conventual, abandona a opção do franciscanismo, mas não a de religioso. Com o objetivo de se ordenar, tentou entrar no Seminário do Porto, como a sua admissão foi recusada, entrou no Seminário de Coimbra em 1925, aos 38 anos.

    No dia 29 de julho de 1929, com 42 anos, seria ordenado padre, passando a dedicar-se, de forma mais intensa e determinada, a auxiliar os mais pobres da cidade do Mondego: pessoas sem abrigo, famílias sem rendimentos, doentes e presos.

    No âmbito dessa ação ao serviço dos mais desfavorecidos, tomou conta da "Sopa dos Pobres" de Coimbra e promoveu "Colónias de Férias" para as crianças da rua. Terá sido no desenvolvimento dessa atividade que lhe surgiu a inspiração da criação da "Casa do Gaiato".

    A 1.ª seria criada em Miranda do Corvo (distrito e diocese de Coimbra), a 7 de janeiro de 1940, com o objetivo de apoiar os rapazes abandonados, vítimas da miséria social então instalada no país, na difícil conjuntura da 2.ª Guerra Mundial. Três anos mais tarde (1943), o "Pai Américo" começou a construir a "Aldeia dos rapazes em Paço de Sousa (concelho de Penafiel). Em 1944, surgiria o primeiro número do jornalinho "O Gaiato" (um periódico escrito, feito e, em parte, distribuído pelos rapazes da obra) que ainda hoje se publica.

    Centenas de "gaiatos" errantes transformaram-se em homens honestos, bons chefes de família, pais exemplares, cidadãos úteis à sociedade.

    O LARGO À FRENTE DA ESTAÇÃO DE ERMESINDE ERA FREQUENTADO POR MENDIGOS
    O LARGO À FRENTE DA ESTAÇÃO DE ERMESINDE ERA FREQUENTADO POR MENDIGOS
    Em 1945, abriu um Lar para Estudantes no Porto; em 1951 fundou o Património dos Pobres, dedicado às famílias sem casa; em 1952 as "Conferências Vicentinas dos Gaiatos" tinham já construído 26 casas, "Património dos Pobres", nos distritos de Lisboa, Coimbra Aveiro e Porto (algumas em Ermesinde), alargando-se até aos Açores.

    Em menos de vinte anos, o Padre Américo ergueu uma obra grandiosa à qual nenhum coração humano pôde ficar insensível.

    Em 16 de julho de 1956, a aventura de "Pai Américo" parou repentinamente num acidente de viação, em S. Martinho de Campo (neste concelho), quando regressava de uma viagem ao Sul do País, contava então 68 anos de idade. Conduzido ainda ao Hospital Geral de Santo António, do Porto, acabaria por falecer.

    Foi exumado a 15 de julho de 1961, no cemitério paroquial de Paço de Sousa, e trasladado no dia 17 de julho de 1961 para a Capela da Casa do Gaiato de Paço de Sousa, onde jaz em campa rasa, como fora seu desejo. Durante as cerimónias fúnebres, usou da palavra o deputado Dr. Urgel Horta, tendo afirmado, a certa altura, o seguinte: "(...) Saibamos nós compreender a grande lição da sua vida, tudo fazendo para que a sua obra de tanta magnitude e projecção e tanta grandeza se transforme em fundação, que a alargue e continue, e da mais fraterna solidariedade humana contida no Evangelho".

    Por ocasião da comemoração do 50.º aniversário da sua morte, o Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa publicou uma Nota Pastoral em que defende o "modelo inédito de educação da juventude" do Padre Américo, fundador da "Obra da Rua" (Casas do Gaiato).

    Depois deste apontamento biográfico, transcrevemos agora parte do artigo que a "Sopa dos Pobres", de dezembro de 1958 publicou, da autoria do saudoso "Marques de Almeida", intitulado "A Imortalidade do Pai Américo".

    "(…) O busto do Pai Américo figurará nas principais praças de todas as cidades do mundo.

    É que da "Obra da Rua", nasceu um dos mais belos exemplos para toda a humanidade do, presente e do futuro. E é destes cometimentos que a humanidade precisa, para poder consolidar a sua estrutura vital, tão necessária a um profundo entendimento comum entre os povos que a constituem.

    Tenho diante dos meus olhos, dois exemplares de "O Gaiato", o lídimo porta-voz da "Obra da Rua". Ao longo da sua prosa, tudo é simplicidade, traduzida na mais suave linguagem, uma linguagem bem característica de quem vive espiritualmente agrilhoado a uma fonte inesgotável de sincero sacerdócio.

    Pai Américo está ainda bem presente na memória de todos os que vivem no seio da sua obra. De manhã à noite, aqueles pequeninos rapazes, os homens do futuro, arrancados à brutal lama da rua, parece verem, ainda, a cada momento, a imagem do seu salvador, a abençoá-los com o seu terno olhar cheio da mais bela pureza cristã.

    A casa de Paço de Sousa, o Lar do Porto, a Casa do Tojal, a Casa de Lisboa, a Casa de Miranda do Corvo, o Calvário e ainda a tão discutida obra do Barredo, e outras centenas de casas para pobres, são factores incontestáveis que, nos mostram e traduzem com verdadeira fidelidade, a firmeza pura dos alicerces que suportam a obra do Pai Américo, fonte deliciosa duma vintena de anos de luta sem tréguas para bem da humanidade miserávelmente transviada.

    "Somente uma vida vivida para os outros vale a pena ser vivida". Era assim que Einstein distinguia os homens da categoria do Pai Américo.

    Muitas vezes me lembro do bondoso sacerdote, principalmente quando deparo com dezenas de crianças mendigando, diariamente, pelos portais da minha rua.

    Deve constituir, para nós portugueses, motivo do mais alto orgulho, a perpétua existência da Obra em questão. O seu criador era português, e o valor da sua obra já boje é sobejamente conhecido e louvado em muitas terras do estrangeiro.

    Do mesmo modo que hoje nos orgulhamos dos serviços feitos dos nossos avoengos através da história dos descobrimentos e da colonização do mundo até então ignorado, devemos, também, sentir idêntico orgulho, nas entranhas do nosso coração, pelo feito sublime do nosso tão saudoso Pai Américo.

    Ergamos as nossas mãos a Deus como reconhecimento por nos ter enviado mais um irmão que veio mostrar ao velho mundo como é possível trazer a verdadeira paz entre os povos, preparando os homens do futuro, dentro duma disciplina puramente cristã".

    Por: Manuel Augusto Dias

     

     

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