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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 31-07-2016

    SECÇÃO: Crónicas


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    O que for se verá

    Apanhado num momento particular da minha vida em que o apelo da escrita se vê confrontado com certa desmotivação, em que a promoção do meu livro recente que tem merecido dos primeiros leitores comentários positivos se confronta com o regateio do tempo sempre usurário no derradeiro trecho do meu caminho, soltei o verbo como animal a que se abre a porta do redil. Contrariamente ao que me é habitual, pensar num tema e guardar na memória as principais linhas que pretendo desenvolver, desta vez resolvi começar a escrever ao acaso, sem determinar, antes, o fio condutor do pensamento nem as etapas que me hão de levar ao destino qualquer que ele seja. Pensei: que título darei ao meu trabalho? Como nada tinha em mente, escrevi o título acima e as palavras começaram a organizar-se como lhes aprouve. Mas… seria mesmo assim? Que papel foi o meu neste caso? Não sei, posso apenas afirmar que as palavras foram saindo ordeiramente e vi-me no papel do pastor que outra coisa não faz além de seguir a suas ovelhas com o olhar. Ter-me-ei enganado esse tempo todo, anos e anos escrevendo, corrigindo, repassando os textos várias vezes e introduzindo alterações a cada nova leitura? Em caso afirmativo, quanto tempo terei perdido, houve benefício nas correções feitas, não teria sido melhor deixar fluir o discurso a seu bel-prazer? A questão parece-me ser outra: o adestramento no manejo das palavras vai-se aprimorando mas mantemos os velhos hábitos de tal modo que, se comparássemos a versão livre inicial e a última resultante de todas as correções, provavelmente não haveria diferenças de qualidade significativas.

    Que diria eu à memória do Sr. Pe. Telmo, recentemente falecido, professor de Português a quem devo grande parte do meu "engenho", que recomendava, insistentemente, cuidado para não repetir palavras e sons próximos e deixar os textos "repousar" alguns dias antes de os reler e introduzir-lhes as necessárias correções? Tomei como verdadeiras as suas orientações e continuo a acreditar nelas. Penso que ninguém, por mais experimentado que seja, consegue "domesticar a pena" fazendo com que esta sempre lhe obedeça prontamente e de modo escorreito.No mesmo sentido vão as palavras de António Lobo Antunes ao descrever a sua longa e pertinaz aprendizagem do ofício que escolheu, mau grado os esforços dos pais que queriam fazê-lo médico. Este parece reclamar para si o mérito de se haver tornado o maior escritor português vivo ao reviver as tentativas e os erros que foi cometendo até "formatar" a mente, refazendo trechos, páginas, textos completos que encheram cestos de lixo até encontrar as formasque o satisfizessem. Um dia,entendeu ter atingido aquele ponto que lhe permitia escrever quase de uma assentada o livro que tivesse em mente.

    No ofício de escritor, como em tantos outros, há técnicas que devem nortear a atividade. Dominar as técnicas é fundamental mormente para quem faz da escrita a sua atividade profissional. Assim acontece com o jornalista e com o escritor seja ele prosador, dramaturgo ou poeta. À técnica acrescem a bagagem cultural adquirida,a criatividade e a sensibilidade pessoais. Poucos foram, no entanto, os escritores pátrios que viveram, em exclusivo, da escrita. No século XIX, só Camilo Castelo Branco logrou essa proeza mas foi ela também a principal responsável da sua morte quando a cegueira progressiva o impediu de continuar a exercê-la. Mesmo os renomados escritores portugueses atuais só passaram a viver apenas da escrita quando a sua reconhecida qualidade literária e/ou a aceitação por parte dos leitores lhes permitiu dedicarem-se em exclusivo ao ofício.António Lobo Antunes, ainda que, há vários anos, afastado do hospital psiquiátrico onde trabalhou, só recentemente "deu baixa" da sua condição na Ordem dos Médicos, agora livre para exercer a atividade que sempre quis. José Rodrigues dos Santos, o escritor que mais livros vende em Portugal, declarava, não há muito, continuar incapaz de optar por uma das duas atividades que exerce, o jornalismo ou a literatura. Talvez mantenha as duas por razões diversas: jornalista por vocação e escritor por razão.Os tempos são outros, como outros são também os motivos que impediam/impedem o escritor de exercer, em regime de exclusividade, o seu mester.

    Mas não é disso que, agora, se trata. Não sou jornalista nem escritor, apesar de dois livros publicados. Sou professor aposentado e assim vou continuar enquanto Deus permitir. Como é tão vulgar ouvir-se: "o futuro a Deus pertence".

    Por: Nuno Afonso

     

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