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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 31-07-2016

    SECÇÃO: Destaque


    REPORTAGEM COM O SERVIÇO DE APOIO DOMICILIÁRIO A IDOSOS DO CENTRO SOCIAL DE ERMESINDE

    De porta em porta a distribuir afetos, carinhos e amizade

    Neste mês de julho acompanhamos uma equipa do Serviço de Apoio Domiciliário a idosos do Centro Social de Ermesinde na sua rotina diária. Uma rotina que começa cedo, por volta das 8H00 e termina cerca das 20H30. Uma rotina que vai muito além da simples entrega de refeições ao domicílio ou do tratamento da higiene pessoal e da higiene da habitação da pessoa idosa. Esta é também uma rotina de afetos, de carinhos, de amizade que há 30 anos a esta parte são distribuídos de porta em porta pelas equipas que integram esta resposta social junto de uma franja da população que muitas vezes vive "esquecida no silêncio da solidão".

    Fotos MANUEL VALDREZ
    Fotos MANUEL VALDREZ
    Assim que os ponteiros do relógio assinalam as 8H00, as carrinhas que transportam as equipas do Serviço de Apoio Domiciliário (SAD) a idosos fazem-se à estrada para mais um dia de trabalho. Trabalho? Bom, este é mais do que um mero trabalho para as funcionárias que integram as equipas deste serviço que é prestado há já três décadas pelo Centro Social de Ermesinde (CSE), como mais à frente iremos perceber.

    Nesta primeira etapa do dia é feita a higiene pessoal dos utentes e posteriormente preparados e servidos os pequenos-almoços. Nós acompanhamos uma pequena parte do percurso com uma das equipas do SAD, no caso na companhia da Patrícia e da Ivone. Durante o trajeto que nos levou a casa dos primeiros utentes ficamos a conhecer um pouco melhor não só a essência desta resposta social direcionada, sobretudo, para a população idosa, mas também a realidade de Ermesinde enquanto cidade cuja população envelhece a uma velocidade rompante, sendo que em muitos casos esse envelhecimento acontece na mais profunda das solidões, longe de um carinho de alguém próximo ou de um amigo(a) com quem possam trocar dois dedos de conversa. «Em Ermesinde existem muitos idosos que vivem sozinhos. Mais do que possamos pensar», referem as duas Ajudantes de Ação Direta a caminho da nossa primeira paragem, no sentido de justificar o facto de o SAD ter cada vez mais procura, de acordo com relatos que nos vão chegando.

    «EM MUITOS

    CASOS SOMOS

    A ÚNICA FAMÍLIA

    DOS IDOSOS»

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    Dizem-nos que a população da freguesia está muito envelhecida, e que o SAD não consegue dar resposta às solicitações que sistematicamente lhe chega. Muitos idosos vivem sós, é um facto, mas há outros que vivem com as famílias, ou têm o suporte dos familiares, mas mesmo para estes o SAD acaba por ser um apoio indispensável, já que segundo nos contam estas duas funcionárias, hoje em dia grande parte dos familiares dos idosos trabalha, e não consegue acompanhar de perto o seu familiar, não pode largar os seus empregos para cuidar do seu idoso. Há, porém, outros casos, em que os próprios familiares apesar de terem disponibilidade para estar ao lado do idoso não têm condições - de saúde, sobretudo - para cuidar dele, visto também eles terem limitações. Pegando neste aspeto, Patrícia e Ivone recordam-nos uma situação passada por elas vivenciada, em que uma utente de 102 anos idade estava ao cuidado da filha que andaria na casa dos 80 anos, e que era mais doente do que a própria mãe. «Era uma velhinha a cuidar de outra velhinha», lembram. O facto de viverem sozinhos ou de não terem o acompanhamento permanente dos familiares faz com que os idosos olhem para as Ajudantes de Ação Direta que compõem as equipas do SAD como a sua família e o caminho para fugir à solidão. «Em muitos casos somos a única família destas pessoas, já que durante o dia só nos vêem a nós. Somos a sua única companhia, e por vezes, muitas delas nem se importariam de ficar sem a higiene diária, querem é um carinho, uma palavra amiga, alguém que lhes possa fazer um pouco de companhia. Temos casos de utentes que se em determinado dia recebe na sua casa uma funcionária do SAD diferente da que lá vai habitualmente eles estranham, sentem a falta dessa pessoa que lhe dá carinho, atenção. Eles apegam-se muito a nós», dizem Ivone e Patrícia que acrescentam que a ida diária das funcionárias do SAD às suas casas é para muitos idosos o único momento do dia em que têm contacto com alguém, com quem falam, riem, ou choram…

    ANJOS DA GUARDA

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    A missão do SAD passa por proporcionar a melhor qualidade de vida aos utentes no seio do seu lar, sublinham estes dois "anjos da guarda". É assim que Manuela (nome fictício, por uma questão de privacidade dos utentes e seus familiares) se refere às Ajudantes de Ação Direta do CSE. A sua casa, situada na zona das Saibreiras, foi a nossa primeira paragem e ali ficamos a conhecer a sua história. Vive com a mãe, de 84 anos, que sofre de Alzheimer. Conta-nos que a doença foi descoberta há dez anos e que desde há três anos a esta parte Ana (também nome fictício), a sua progenitora, está acamada. O pai faleceu em 2005 e de lá para cá o estado de saúde da mãe foi-se agravando, quiçá, segundo Manuela, devido às saudades do marido. Além do Alzheimer, Ana sofreu algumas tromboses, facto que agravou ainda mais sua condição física e mental, naturalmente. Face a este cenário, Manuela e os irmãos decidiram procurar a ajuda do SAD há três anos, para ajudar a cuidar da sua mãe na parte da higiene pessoal, pois como faz questão de dizer em relação à alimentação ela própria assume a tarefa de fazer as refeições para Ana. «Eu nunca quis que a minha mãe fosse para um lar. Aqui em casa ela está mais confortável, e eu e os meus irmãos decidimos então contratar o SAD, até porque já não podíamos cuidar (da higiene) dela», diz Manuela, que se encontra reformada. Enquanto Ivone e Patrícia tratam da higiene de Ana no quarto, a filha conversa connosco na sala, referindo-se a estas e a outras funcionárias do SAD que diariamente vão a sua casa como "anjos da guarda". «Gosto muito delas (funcionárias) e não tenho nada a apontar ao serviço que elas prestam. É complicado cuidar de uma pessoa no estado da minha mãe, mas por uma mãe faz-se tudo, e estas meninas têm sido uma ajuda muito grande», diz pouco antes de nos despedirmos.

    Já a caminho de mais uma visita Ivone e Patrícia partilham connosco mais alguns pormenores desta interligação com a realidade social da freguesia. Referem, por exemplo, que diariamente têm contacto com utentes de vários estratos sociais, pese embora a grande maioria viva com dificuldades (financeiras, sobretudo), facto que por vezes se reflete até na (falta de) água quente para tratar da higiene matinal dos idosos. Contam-nos então que muitas vezes têm de levar água aquecida do Centro Social de Ermesinde para casa dos utentes, porque lá não há água quente! Há também os miminhos extras que as funcionárias do SAD por vezes dão aos seus utentes. «Ocasionalmente levamos-lhes uma salada de frutas, ou outro miminho para que possam comer fora das refeições, a meio da tarde, por exemplo, já que o frigorífico de muitas destas pessoas encontra-se por vezes vazio! Não somos obrigadas no âmbito do nosso trabalho a dar-lhes estes mimos extras, mas gostamos de o fazer», dizem-nos.

    O SAD é, pelo que vimos e ouvimos, um importante apoio quer aos idosos quer às próprias famílias destes. Muitas vezes o único apoio!

    É o caso da Alzira (nome fictício), de 93 anos, que vive sozinha na zona da Gandra, e que é auxiliada pelo SAD em tudo, desde a higiene matinal, da confeção do pequeno- almoço, almoço e jantar, do tratamento de roupas, da limpeza da casa, até ao momento em que se recolhe no seu leito ao fim do dia. Mentalmente, Alzira faz inveja a muitas senhoras bem mais novas. «Já me disseram que as têm visto mais novas e mais parvas», diz-nos por entre risos. Sabe e gosta de conversar, é culta, gosta de ler e ouvir os clássicos, como lhe chama. Desde que a sua irmã morreu que vive sozinha, recebendo por vezes a visita de duas sobrinhas, mas tirando essas duas familiares não tem mais ninguém. Ou melhor, tem. Tem as meninas do SAD, como lhes chama. «São o meu grande apoio», diz. Tirando elas, que a visitam algumas vezes durante o dia, a sua única companhia são os livros e a música. Gosta de ler os grandes vultos da literatura portuguesa, como Camilo Castelo Branco ou Eça de Queirós - tem uma biblioteca admirável, como pudemos ver - , e ouvir nomes sonantes da música clássica, como Mozart, Strauss, ou Beethoven. Tirando estas "companhias" está sozinha. «Mas prefiro estar sozinha do que mal acompanhada», diz-nos com humor. «Estou bem aqui em minha casa», confessa. O problema são as pernas, que já não andam como antigamente. A sua mobilidade é cada vez mais reduzida, precisando do auxílio das meninas do SAD, como se refere a elas, para se movimentar. E quando elas ali não estão fica sentada na companhia dos livros, da música e de alguma televisão que ainda vai vendo. Apesar de repetir que gosta de viver sozinha reconhece que sem o apoio do SAD a sua vida seria mais complicada, «o que seria de mim sem elas», diz quando se refere às suas meninas com quem gosta muito de conversar um bocadinho sempre que elas ali vão prestar-lhe os serviços. «Gosto delas todas, embora por vezes as mais novas se esqueçam de fazer uma ou outra coisa, mas é normal». Antigamente como recorda, costumava ir ao restaurante, mas agora, que mal se segura em pé, como diz, todas as suas refeições são confecionadas pelo SAD, e a comida é boa, segundo nos confessa, e embora tenha uma "boca santa" não acha muita piada quando lhe levam "iscas de bacalhau".

    TRABALHO

    GRATIFICANTE

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    Nem só com idosos trabalham as equipas do SAD. Uma pequena parte dos utentes que usufruem deste serviço são portadores de deficiência, e um ou outro ainda novo. Este facto leva a que as duas Ajudantes de Ação Direta com quem viajamos recordem outra história, esta uma história marcante nos anos que já levam de atividade no SAD - Ivone trabalha ali há três anos enquanto Patrícia já o faz há 11 anos. Recordam então a história de um cidadão jovem portador de deficiência motora que vivia na mesma casa com um irmão com deficiência mental e a mãe, idosa, e com vários problemas de saúde. «Todos precisavam da ajuda de uns dos outros para viver e ninguém se conseguia ajudar», lembram. Estes e outros casos são histórias de vida, histórias de uma realidade por vezes desconhecida, ou até ignorada, pela sociedade em geral. Histórias de cidadãos, sobretudo de idades avançadas, que vivem na solidão, com dificuldades várias, órfãs de um carinho, de um sorriso, ou de uma simples palavra amiga. O SAD, de certa forma, vem atenuando de há 30 anos a esta parte estas lacunas sociais. «É gratificante para nós poder ajudar as pessoas, porque muitas vezes somos a única família deles. Ao ajudá-los sentimo-nos úteis, e ver que no fim de vida deles estamos a proporcionar-lhes algo de bom», dizem a Patrícia e a Ivone, que confessam sentir-se afeiçoadas pelos utentes com quem diariamente convivem. «Quando morrem, de certa forma também morre uma parte de nós. Sem querer acabamos por nós envolver emocionalmente com essas pessoas, porque vemos que muitos não têm mais ninguém senão a nós. Quando algum deles parte ficamos afetadas psicologicamente», dizem-nos pouco antes de nos deixar no Centro Social de Ermesinde, no sentido de prepararem a segunda etapa do dia, isto é, a fase da distribuição dos almoços, que ocorre entre as 11H30 e as 13H30. Seguem-se outras etapas: o lanche e os jantares, sendo que o dia de trabalho acaba lá por volta das 20H30. Mero trabalho? Nem tanto assim, mas antes a missão de ir de porta em porta distribuir um sorriso, um carinho ou um abraço. Esta é a parte invisível que se encontra patente no dia-a-dia desta resposta social.

    Por: Miguel Barros

     

     

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