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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 31-07-2016

    SECÇÃO: Destaque


    ORDENAÇÃO SACERDOTAL EM ERMESINDE

    Filipe Azevedo: "Na busca de Deus pela arte"

    Filipe Gonçalo da Silva Azevedo, 36 anos, é um dos cinco padres, ordenados na Sé Catedral do Porto no dia 10 de julho último. Natural de Fajozes, Vila do Conde, onde cresceu e se fez para vida, estudou, trabalhou, namorou, mas nada o satisfazia nem tinha a felicidade de quem faz o que está certo. Aos 25 anos sentiu o chamamento divino, deixou tudo e foi para o seminário preparar-se para ser sacerdote. Durante os últimos cinco anos estagiou na paróquia de Ermesinde, onde complementou a sua preparação para a missão que abraçou. A pouco mais de 24 horas da sua ordenação sacerdotal, que há muito esperava, Filipe Azevedo concedeu uma entrevista ao nosso jornal, onde recordou algumas etapas e pormenores do caminho que escolheu percorrer.

    Fotos MANUEL VALDREZ
    Fotos MANUEL VALDREZ
    Um misto de nervosismo, ansiedade e esperança tomava conta de Filipe Azevedo a cerca de 24 horas de um momento que há muito aguardava. Nervosismo e ansiedade que, no entanto, não se deviam ao facto de no dia seguinte ser ordenado padre, mas sim em relação ao futuro, «porque um padre nunca sabe para onde vai e até que o bispo me chame, eu não posso fazer planos nem sei tão pouco quanto tempo irei ficar no local onde vou ser colocado, se cinco ou cinquenta anos», diz. Esperança, porque o caminho da fé é precisamente isso, esperança no futuro. Quando iniciamos um diálogo com um padre, ou com um quase padre, como era o caso, saltam-nos de imediato à memória perguntas do tipo: "como e quando descobriu esta vocação?" ou "em que altura da vida sentiu o chamamento?". Num discurso simples e sereno, Filipe Azevedo confessou que desde pequeno sentiu essa inquietação. É então que do seu baú de recordações retira uma história que hoje pode ser vista como um prenúncio do que viria a acontecer cerca de três décadas depois. O cenário é Fajozes, uma freguesia do concelho de Vila do Conde, onde o nosso entrevistado nasceu há 36 anos, no seio de uma família católica. «Aos três anos comecei a ir à missa com a minha mãe, e quando chegava a casa imitava o que lá via. Ia para o banco de carpinteiro onde estendia um xaile branco, ia buscar água e pétalas de rosas que simbolizavam as hóstias e depois obrigava a minha mãe a pôr-se de joelhos e a comungar», recorda por entre sorrisos aquela que era uma das suas brincadeiras de menino. A mãe sempre o incentivou a entrar no seminário, sentindo, quem sabe, a vocação do mais novo dos seus quatro filhos, algo que só viria a acontecer aos 25 anos, pois até lá Filipe Azevedo nunca «quis saber de nada disso», optando por trilhar um percurso de vida normal como qualquer outro jovem da sua idade, conforme faz questão de dizer. «Estudei, trabalhei numa fábrica em Vila do Conde (no caso a Quimonda), saía com os amigos, tinha namorada, mas tudo aquilo que vivia não era o que me satisfazia na vida, e nesse sentido comecei a procurar outras coisas, e uma das que procurei foi a igreja. Senti então que esse era o caminho a percorrer». A aproximação ao seminário acontece então aos 24 anos, um passo que foi visto com bons olhos por toda a sua família, desde logo a mãe, que, como já foi referido, sempre o incentivou a seguir o caminho da fé. Um ano mais tarde entra no Seminário do Bom Pastor, aqui em Ermesinde. Quando olha para trás, para o tal percurso de "vida normal" realizado até à entrada no seminário, o hoje padre Filipe Azevedo diz que esse tempo vivido faz parte da sua história, e quando questionado sobre se esse período teria sido uma espécie de interregno na sua vocação religiosa, diz prontamente que «não perdi tempo nenhum durante esse período. Tudo o que fiz foi viver. Todo esse tempo contribuiu para a minha formação humana, porque mais importante do que a formação intelectual é a formação humana», afirma enquanto confessa que o tal chamamento para este caminho sempre existiu na sua vida, até porque «Ele sempre nos chamou, mas o que acontece é que muitas vezes dizemos que ainda não é agora que eu quero ir, e foi um pouco isso o que aconteceu comigo».

    HOMEM VOLTADO

    PARA A BELEZA DA ARTE

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    De há cinco anos a esta parte, Filipe Azevedo faz da paróquia de Ermesinde a sua casa. Para aqui veio estagiar, e aqui concluiu a sua dissertação de mestrado em Teologia. E é pegando na sua tese que descobrimos uma outra faceta deste novo sacerdote: a paixão pela arte, e muito em particular pela arte litúrgica. Uma faceta vincada neste seu trabalho académico, intitulado de "A Arte Litúrgica - A Voz da Igreja e a Voz dos Artistas", no qual procurou fazer uma ponte entre o mundo da arte atual e aquilo que os grandes pintores pensam sobre a parte espiritual da arte. «A arte litúrgica toca-me de uma forma especial, pois é uma aproximação da beleza à eternidade já neste mundo», confessa. Este seu trabalho é dividido em três capítulos; no primeiro, o padre Filipe Azevedo começa por referir que desde o povo Hebreu até à atualidade existe um percurso em que o homem aprofunda um sentimento de busca de Deus através da arte, que eleva o homem e o ser humano no sentido do infinito, «e são os homens que aprofundam isto e conseguem transportar essa visão da beleza para fora através da obra, quer esse homem seja crente ou não. Aquilo que ele põe para fora é sinal do infinito. As mais belas obras de arte nascem da alma humana, do divino, da busca do infinito». Faz uma curta contextualização histórica do uso das artes plásticas na liturgia e no culto divino. Retrata a arte no uso dos símbolos, na transmissão de mensagens, na educação, no ensino e na evangelização ao longo da história do cristianismo, desde as raízes bíblicas até aos dias de hoje. É uma rica e longa caminhada que atravessa dois mil anos de história e culturas diversas, mas em que está sempre presente a necessidade sentida pelo homem de expressar a sua fé através da arte, diz.

    Os outros capítulos são dedicados ao diálogo que deve haver entre os artistas e a Igreja. Aqui, o padre Filipe cita várias vezes os três últimos papas, Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI, por terem sido aqueles que mais apelos fizeram aos artistas para produzirem arte sobre a liturgia. Trata a questão da arte litúrgica e analisa os princípios fundamentais de uma arte ordenada para a liturgia, a influência de alguns artistas neste capítulo, assim como dos documentos conciliares, como a constituição "sacrosantum concilium", a "Mensagem do Concílio à Humanidade" de Paulo VI, a carta aos artistas, de João Paulo II e o discurso de Bento XVI aos artistas.

    A PALAVRA

    DOS ARTISTAS

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    Quando analisa a mensagem que os artistas dirigem à igreja, Filipe Azevedo diz que alguns artistas declaram-se homens de fé, como Salvador Dali, e abordam na sua arte essa temática e tanto a sua linguagem verbal como a sua obra são claras a esse respeito. Outros usam uma linguagem esquiva ou mesmo equívoca, mas nota-se que no seu interior há uma busca e questionamento que os transporta para o campo da teologia e da busca de Deus, sem nunca o dizerem abertamente. Fazer a ponte entre a Igreja e esses artistas foi uma preocupação do Concílio Vaticano II e dos Papas que se seguiram. O mundo das artes precisa de abrir horizontes e o artista necessita de libertar-se do seu individualismo, de crescer interiormente. A Igreja deve ouvir e estudar o que estes artistas dizem e criam, pois todos buscam «a pureza, a perfeição, o superior, o sublime, a beleza, a verdade». Todos, intencionalmente ou não, «buscam no mais íntimo do seu coração o Divino Criador». Não há dúvida alguma de que as suas obras mostram a fé, mesmo que não a sintam dessa forma. Essas obras são também uma mensagem, a que a Igreja deve estar atenta. Deus comunica com os homens e os artistas têm dotes naturais para O ouvirem. A Igreja deve saber reconhecer "nas obras destes artistas o toque do Mestre".

    O encanto pela arte pode, de igual modo, ser explicado pelas raízes familiares. O pai é criativo na área da publicidade e sempre incentivou os filhos a desenhar e a pintar. Aliás, dois deles acabariam por seguir carreiras ligadas, de certa forma, à corrente artística, a arquitetura e o design gráfico. O próprio Filipe Azevedo tem formação em conservação de restauro, adquirida antes da entrada no seminário, no ensino secundário. Confessa que sempre se sentiu atraído pelo desenho, pela pintura, um dom, que segundo o próprio, tem sido transportado para a vida religiosa, referindo, como curiosidade, que as aguarelas que surgem semanalmente no boletim da Igreja de Ermesinde são da sua autoria.

    DEUS PASSOU

    PARA A PERIFERIA

    O visível afastamento dos fiéis da eucaristia é um tema que tem merecido atenção na sociedade atual. Quisemos, naturalmente, saber a opinião de Filipe Azevedo sobre um assunto que tem sido amplamente discutido, sobretudo no seio da Igreja. Diz então que a Humanidade é feita de ciclos, e nesse sentido recorda o passado, o período da transição do século XIX para o século XX onde as igrejas estavam vazias, mais do que agora. «As pessoas esquecem-se das razões que levavam os fiéis a procurar as igrejas. Aqui em Portugal, por exemplo, isso acontecia durante as guerras em que ao longo de anos e anos estivemos envolvidos. Como as gerações seguintes não viveram esses períodos de guerra, acabaram por se esquecer da igreja». Aliás, no seu trabalho académico há uma frase que, de certa forma, alude a este facto, que diz “parece que Deus passou para a periferia”. Pegando nesta frase, olha de novo para trás, para o passado, lembrando, a título de exemplo, que no tempo dos seus avôs Deus era o centro da vida, tudo o resto estava à Sua volta. «Hoje não. Deus passou para a periferia. Hoje pomos o "eu" em primeiro lugar, e quando pomos o "eu" em primeiro lugar estamos mal. Quando isso acontece não somos felizes, por mais que tenhamos na vida. Só nos realizamos verdadeiramente quanto mais perto estivermos de Deus». Filipe Azevedo diz, no entanto, que não se preocupa com os costumes atuais, com esse afastamento das pessoas da vida religiosa, «eu não posso puxar as pessoas para dentro da igreja, posso, sim, é testemunhar a minha fé com aquilo em que acredito, e estar aqui disponível para as pessoas quando elas me procurarem. O que eu digo é que temos de confiar em Deus. E se eu chegar ao final da minha vida e tiver conseguido converter uma pessoa já não é mau, é lucro», refere entre risos.

    ERMESINDE

    TEM UMA ENORME

    RIQUEZA DE GENTES

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    Como já foi referido, Filipe Azevedo está há cinco anos na paróquia de Ermesinde, e nesse sentido encontra-se já familiarizado com a comunidade local. Este facto levou-nos a colocar-lhe uma outra questão: que ideia construiu sobre a comunidade ermesindense ao longo destes anos. A resposta foi no sentido de que todas as comunidades tem as suas próprias características, todas são diferentes umas das outras, sendo que na sua opinião Ermesinde tem uma enorme riqueza de gentes, notando, porém, que uma grande fatia desta comunidade não tem as suas raízes na cidade, vem de fora, e espiritualmente não está ligada à paróquia. «Muitos até nem sabem onde fica a igreja. No entanto, quando vão às suas terras natais estas pessoas vão à missa, participam na vida religiosa, e é essa espiritualidade que lhes falta trazer para cá. Este é um facto muito comum nestas comunidades suburbanas, onde as pessoas naturais de cá são cada vez mais uma minoria, e isso reflete-se, a olhos vistos, na diminuição de batismos, de casamentos. Agora, isso não quer dizer que o homem deixa de procurar Deus, por isso não deixa», diz. Apesar de haver uma crescente separação entre as pessoas da cidade e a Igreja, de a comunidade cristã ser nas suas palavras cada vez mais restrita, Filipe Azevedo refere que se sente bem em Ermesinde, onde conta ficar pelo menos até finais de agosto, altura em que deverá ficar a saber o seu destino pastoral. Aproveita por isso a nossa presença para deixar uma mensagem à comunidade que o acolheu ao longo dos últimos cinco anos. «Sejam felizes, pois ao sermos felizes vivemos bem, realizando sempre aquilo o que Deus quer de nós».

    E foi precisamente ali, na Igreja Matriz de Ermesinde, que uma semana mais tarde à realização desta entrevista que a comunidade católica da nossa freguesia assistiu à primeira eucaristia presidida pelo padre Filipe Azevedo.

    Foi uma conversa agradável com um homem de fé, simples e amável, de bem consigo, que encontrou a felicidade e a paz interior ao acolher o chamamento de Deus para ser um operário na Sua vinha.

    Por: Casimiro Sousa

     

     

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