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    Arquivo: Edição de 30-06-2016

    SECÇÃO: História


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    A Primeira Guerra Mundial tem cem anos (17)

    Prisioneiros alemães e austríacos em Portugal

    No período da Primeira Guerra Mundial, mais concretamente após a declaração de guerra que a Alemanha apresentou a Portugal, em 9 de março de 1916, mais de mil alemães e austríacos (entre os 16 e os 45 anos) que viviam em Portugal ficaram prisioneiros. Os outros tiveram de abandonar o país rapidamente, sob pena de também serem encarcerados. Dos que ficaram aprisionados alguns foram enviados para a ilha Terceira, Forte de São João Baptista em Angra do Heroísmo (no mesmo local, onde, 10 anos antes, falecera Gungunhana), outros para a Fortaleza de Peniche.

    Tendo a visita de estudo de encerramento do corrente ano letivo, no âmbito da disciplina de História Contemporânea, da Universidade Sénior de Ermesinde, sido a Peniche, no passado dia 18 de junho, acho pertinente partilhar com os leitores, esta temática dos prisioneiros ligados ao inimigo ("Potências Centrais", entenda-se Impérios Alemão e Austro-Húngaro), parte dos quais foi encarcerada há cem anos (1916) na Fortaleza de Peniche, donde os sobreviventes saíram apenas em 1919, após a assinatura do Tratado de Versalhes (28 de junho de 1919).

    Segundo o censo populacional, no início da República viviam em Portugal 969 alemães e 110 austro-húngaros. O Decreto-lei 2350, de 21 de abril de 1916, determinava a expulsão de todos os súbditos inimigos, exceto os do sexo masculino, com idades entre 16 e 45 anos, que não podiam abandonar o país, tendo, antes, de se apresentar às autoridades portuguesas, podendo ser acompanhados pelas suas famílias se o desejassem. O governo republicano ainda foi mais longe quando, em 2016, retirou a nacionalidade portuguesa, aos nascidos de pai alemão. Juntou-se a este número de "inimigos" presos os tripulantes das 72 embarcações alemãs apreendidas nos portos portugueses em fevereiro de 1916.

    Estes prisioneiros durante a sua privação de liberdade foram acompanhados pela Cruz Vermelha Portuguesa que tinha como principal objetivo assegurar a correspondência postal entre os prisioneiros e as respetivas famílias, respeitando as resoluções da Conferência Internacional de Washington de 1912.

    Além de terem sido presos, os súbditos alemães e austríacos que viviam em território português viram apreendidas as suas propriedades e as suas empresas. Apesar de haver uma situação de guerra real entre Portugal e a Alemanha, desde 1914, esta situação de aprisionamento de cidadãos alemães e austríacos, no território colonial e metropolitano de Portugal só ocorreu depois da declaração de Guerra da Alemanha a Portugal.

    Foi esta declaração, ocorrida a 9 de março de 1916, que desencadeou algum ódio ao povo germânico e, da parte do Parlamento português uma vigorosa declaração de guerra no dia 4 de abril de 1916, apoiada pela imprensa, com destaque para o jornal de grande tiragem, "O Século", que acusava os alemães, numa repescagem histórica de outras eras, de "bárbaros", "hunos" e outras denominações similares, ao mesmo tempo que apelava à sua expulsão de Portugal.

    Ainda em abril de 1916, "O Século" voltava a "carregar" sobre os alemães, que se tornavam os inimigos a abater: com a sua expulsão "... fica o país livre dos seus mais ferozes inimigos... capazes das façanhas mais baixas e dos crimes mais tremendos...". A imprensa incitava o povo a repudiar os alemães e a unir-se ao governo republicano na preparação para a guerra.

    Ao princípio, os alemães que estavam em Portugal há mais tempo não acreditavam na efetiva concretização das decisões do Governo português, sobretudo no seu aprisionamento, até porque alguns já se consideravam mais portugueses que alemães e outros até tinham filhos nascidos em Portugal que cumpriam o serviço militar em Portugal.

    A expulsão de outros, ligados à vida empresarial, deixava muitos portugueses sem trabalho. Alguns dos que abandonaram o território português fizeram-no para a vizinha Espanha, com os respetivos capitais. Outros fizeram questão de permanecer em Portugal.

    COM BASE NOS DADOS DO ARQUIVO HISTÓRICO MILITAR CERCA DE 180 ALEMÃES ESTIVERAM PRESOS NA FORTALEZA DE PENICHE, ENTRE 1916 E 1919
    COM BASE NOS DADOS DO ARQUIVO HISTÓRICO MILITAR CERCA DE 180 ALEMÃES ESTIVERAM PRESOS NA FORTALEZA DE PENICHE, ENTRE 1916 E 1919
    Assim aconteceu com "o comerciante Charles Timm, há muitos anos importante comerciante no Norte, [que] declarou a jornalistas que não sairia de Portugal; o industrial de cortiça Herold, do Barreiro, que tinha cerca de 4000 operários na sua indústria e que ficariam desempregados, sugeriu que ao menos o filho, português - que até cumprira o serviço militar português e era casado com uma portuguesa - passasse a controlar a fábrica; 20 alemães a trabalharem em empresas portuguesas, alguns casados com portuguesas, logo no dia do decreto, apresentaram ao Governo Civil de Lisboa uma petição onde declaravam quererem ser portugueses. Entre estes, o comerciante de pianos José Schumacher argumentava ter nascido em Portugal, nunca fora sequer à Alemanha e que o pai vivera em Portugal meio século. Outro, por ter passaporte português há 25 anos, e outro alemão por residir em Tomar há 16 anos e ter casado duas vezes sempre com portuguesas, tendo 5 filhos, dos quais 2 estavam a cumprir o serviço militar no Exército português; uma bibliotecária viúva de um português com 5 filhos portugueses; a família de Johann Hitzemann, esclarecendo que nem nascera na Confederação Alemã visto ter nascido em Hannover, cidade independente na altura, ter mesmo recusado o serviço militar alemão e ter 2 filhos a servir no Exército português. E finalmente, o drama da família de Hermann Burmester, cuja família vivia em Portugal há mais de um século, morava num palacete na Rua de Cedofeita, Porto, e era um dos maiores comerciantes de vinhos (Heinrich Burmester, oriundo do norte da Alemanha, e os 2 filhos, Friedrich e Edward, tinham fundado, em finais do séc. XVIII, a importante Companhia de Vinhos do Porto em Vila Nova de Gaia tendo ainda um navio, o Minho. Foi confiscado com todos os seus bens, arrolados e leiloados em hasta pública no Porto. Mais tarde, foi reconhecido o erro e feito o pagamento de uma indemnização à família, o que de nada serviu em termos emocionais e de património)".

    Casos como estes e várias exposições e requerimentos apresentados ao governo estiveram na origem do Decreto n.º 2377 de 9 de maio de 1916 que referia que o Decreto-lei 2350, de 21 de abril de 1916 não se aplicaria aos funcionários públicos (artigo 2.º), nem aos militares ou antigos militares, nem a viúvas, divorciadas ou solteiras que tivessem filhos no Exército Português (artigo 3.º).

    O Decreto n.º 2377, equiparava, também, aos súbditos inimigos, quanto à capacidade e regime de bens, os indivíduos que perderam a qualidade de cidadãos portugueses por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do decreto n.º 2355, de 23 de Abril do corrente ano.

    O Porto e a sua região acabaria por ser bastante beneficiado com esta nova legislação, visto que cerca de 120 mulheres e mais de 600 indivíduos "com sangue alemão" puderam permanecer em Portugal. Entre estes, refiram-se os membros da família Sommer, Ernestine von Wehye Daenhardt, viúva do Cônsul honorário Ernst Leopold Daehnhardt e Carolina Michaelis de Vasconcelos, na altura com 65 anos, importante personalidade ligada à literatura portuguesa, tendo sido até a primeira mulher a lecionar numa universidade portuguesa, a de Coimbra.

    Por: Manuel Augusto Dias

     

     

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