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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 31-03-2016

    SECÇÃO: Crónicas


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    A coragem

    Não foi só o facto de relembrar Miguel Torga com o seu "Recomeço" que lia no editorial do Diretor deste pequeno arauto que me despoletou a palavra CORAGEM. Foi também o facto de ele se ter atrevido a ter a coragem de aceitar um novo desafio, ainda mais aquele que "nunca tinha pensado". Mas a vida é assim mesmo - se esquecermos os "ruídos externos" e interiorizarmos dentro do nosso eu, penso que qualquer um de nós assumirá que existem coisas com que nos deparamos: aquelas com as quais nunca contávamos e outras que também nunca imaginaríamos ter a coragem para…

    No livro aberto que é a vida, num reino onde era de bom senso não termos a ousadia de apontar o "rei que vai nu", tendo em conta que representa as nossas costas, tenho dado por mim a pensar que ao deparar-me com uma panóplia de trechos de vivências que representam os post-its intrínsecos à própria vida ganhei o hábito de escrutinar a coragem que lhes está implícita. CORAGEM de se ser, de se assumir, de se ousar, de se atrever, de se fazer, mesmo que aos olhos dos outros (sempre vão existir os outros) isso possa ter laivos de crueldade - tanta quanta existir no seu íntimo e que aproveitam para deitar "cá para fora" e abafar desta forma a tal coragem, que nem se atrevem a identificar porque não a conhecem. Ora, o desconhecido, para gente que não tenha a coragem de ser curioso e aprender com isso, por norma, "abate-se".

    De fevereiro já se trazia um dia (que não devia ser mais que um só dia), o de "namorados", em que se lembrava também a violência no namoro. Afinal também eu conhecia jovens que já tinham sido vítimas de namoros violentos. Aqui, a falta de CORAGEM para denunciar esta calamidade moral, deveu-se em parte à falta de atenção de pais - embrenhados que quase todos seremos naquilo que colocamos no topo da nossa pirâmide de necessidades. Isso levará a que por vezes nos "ausentemos". Não se tem tempo para identificar os sinais que se calhar nem nós queremos "escutar" pois, para lá de um namoro apelativo, temos o "bom partido" que se lhe associa e depois, o pior de todos: o julgamento social, o fazer ver aos amigos ou a falta de coragem suficiente para aprender a largar aquilo que depois se pode tornar um vício que, infelizmente, se poderá tornar hereditário.

    Entrados em março e cá está mais um dia, que também não deveria ser só mais um dia - o da mulher, que tem no seu dígito o 8. Transeunte da vida e de autocarros, lá se via homens de flor na mão (e que eu espero que não tivessem a vergasta na outra). Cética em relação à durabilidade destes "pequenos momentos" agora, à distância destas datas sinto não dever deixar de ficar solidária com quem afinal também precisa destes "pequenos momentos" para desenvolver os seus negócios que assentam em responsabilidades e acima de tudo - famílias. Dava-me conta disso quando no final desta semana os restaurantes se aprimoravam para receber em convívio mulheres, que precisam largar por um bocadinho preocupações e dores de cabeça. De algumas, sei (porque conheço) levavam consigo - a compreensão da família, com idades mesmo septuagenárias onde nunca era tarde para se ganhar a coragem de aprender a largar: "eu tenho que a compreender e confiar".

    Mais coisa, menos coisa, ninguém escapará à tendência de olhar para o seu umbigo. Todos valorizaremos o que for confortável para nós. Os dias temáticos serão efetivamente uma fonte extra de negócio, que desvalorizamos no sentido inverso ao encanto que nunca teremos tido ou àquele de que já nem lembramos. Um dia destes ouvia uma senhora de idade dizer "nunca se viu disto", as mulheres andam "tolas". Escutando algo que nem sequer me fazia "enfiar a carapuça" não deixei de me ressentir: será justo condenarmos tempos modernos, ainda mais que fomos nós que os pedimos? Adotar costumes que afinal nos ajudam a colorir a vida? Então que dizer do "dia do pai", "dia da mãe" ou até "dia dos finados"? O que dizer dos dias que marcam feriados no nosso calendário, ou aquele em que fazemos questão de marcar como nascimento, união e até desunião?

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    Esta ponderação ganhava cada mais consistência quando a caminho de causas em que ainda se acredita tenho que apanhar uma camioneta da carreira que no seu percurso faz paragem num estabelecimento prisional. Ainda hoje não me habituo a fico chocada, ao ponto de me emocionar quando se apeiam sobretudo mulheres, que de sacos na mão lá vão de mão dada com crianças pequenitas que ouço chilrear no trajeto que nos leva até lá. Amores corajosos, que conseguem transpor o arame farpado de uma prisão e passam através das suas barras. Não fosse assim e por tudo aquilo que me faz companhia de viagem nestes dias, como via eu uma senhora pequenina e franzina que de mochila às costas tem por hábito ir para aquelas bandas. Da última vez percebi que a visita deveria ser especial: o aniversário de um dos seus pois esta senhora contava as moedas (sofridas, via-se) que destrocava por 5 bilhetes pois desta vez fazia-se acompanhar por quatro netos de idades jovens que levavam uma caixa com um bolo de aniversário que cuidavam como se fosse uma relíquia: o seu pai fazia anos.

    Se de coragem falamos, aquela em que muitas vezes devíamos usar para estar calados (quando a intenção é somente derrubar psicologicamente os que ousam dar bom uso às suas vidas usando a coragem para colocarem um pé fora de portas que transporta a um mundo de descrenças, lassidão e desencorajador na maior parte das vezes) nesses "pequenos momentos" que podem levar a grandes perdas, de fé na vida eis que num autocarro ouvimos: "lembra-se de mim"? À primeira dava para ver que não, mas depois lá vinha a história de vida que estava associada a esta senhora que há uns meses atrás comentava com o marido um telefonema que recebia de um dos seus netos e lhe fazia esta chamada às escondidas: "avó, não temos nada para comer e também não temos dinheiro para material escolar. O pai não está e estamos sozinhos". A este desespero, de quem se via não ter meios económicos para se deslocar com regularidade bastou indicar-lhe os passos a dar na procura de ajuda de Técnicos com a formação adequada que existem, mesmo no universo escolar.

    Hoje ficava a saber o desenlace - os serviços que esta avó teve a coragem de procurar agilizaram-se prontamente. Estes meninos com 6 e 8 anos estão integrados em ama e ouvia-se esta avó dizer com uma felicidade imensa: "estão bem e agora a minha neta diz-me - avó, se calhar até é fatura de mais e fazia falta a outros meninos". Atónita diz que na escola sendo "mais do que apoiados" até é a diretora que vem trazer-lhos de visita para que possa matar saudades. Desta vez não era só o pai que se tinha enterrado no "vício". A mãe destes meninos e que era sua filha, tinha zarpado deixando tudo para trás."Nunca te esqueças que és mãe", é a recomendação que lhe deixa quando esta espaçadamente lhe liga. "Muito obrigado, pelos conselhos" e "também eu, ajudarei quem precisar e se cruzar na minha vida" é a forma mais gratificante de começar um dia, atazanado por "amigos coveiros".

    Uma simples conclusão tiro destes curtos episódios de vidas reais - "meter a minha viola no saco" e deixar-me de "bitaites" sobre momentos que muitas vezes e infelizmente, só podem mesmo ser vividos em "pequenos momentos". Apercebi-me que afinal a nossa coragem vem-nos de pequeninos e em dias que se seguem temáticos como o do pai e o da mãe, por exemplo, já são em pequeninas as crianças que sabem muitas vezes não terem a quem entregar a lembrança que na escola aprendem a fazer. Terão muitas vezes que aprender a engolir em seco e disfarçar o sentimento de tristeza à qual ainda não sabem dar nome. Casos há ainda, de falta de coragem em pais desavindos em ensinarem que o amor aos filhos não se extingue como o amor entre adultos. Infelizmente forçam na "escolha" entre um e outro e aqui, quem volta a ter coragem é a criança - abnegando, na vez do adulto e até não se sabe quando.

    Dizem ser de autoria de Mark Twain esta frase "coragem é a resistência ao medo, domínio do medo mas não a ausência do medo". Há dias cruzava-me com um apontamento que mencionava David, aquele que teve a coragem de degolar o gigante Golias, que simbolizava já então a violência, a opressão, a sujeição e a humilhação. Ainda seguindo o tema CORAGEM, David faz-me lembrar um jovem que de repente se viu a braços com a responsabilidade de chamar a si a tarefa da organização e edição de um pequeno arauto. Ele não se tinha dado conta que com o tempo ia-se vencendo a si mesmo, não estava sozinho nesta sua missão e que o maior gigante que ele derrotou terão sido os seus medos. O resultado, do todo que vale mais do que a soma das partes? Foi que em 2015 este jornal regional colocava-se no Top dos jornais mais requisitados na Biblioteca Pública Municipal do Porto.

    Parabéns A Voz de Ermesinde e seja bem-vindo Senhor Diretor!

    Por: Glória Leitão

     

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