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    Arquivo: Edição de 29-02-2016

    SECÇÃO: Local


    Enterro do João deu vida a mais um Carnaval em Ermesinde

    Fotos MANUEL VALDREZ
    Fotos MANUEL VALDREZ
    Com chuva ou com sol, o Enterro do João voltou a sair à rua para animar a população de Ermesinde durante a quadra carnavalesca. Ao longo de três dias (7, 8 e 9 de fevereiro), a freguesia rejubilou com aquela que é indiscutivelmente uma das mais importantes - e interessantes, há que dizê-lo - manifestações da cultura popular local. À semelhança do que tem acontecido no passado recente, esta tradição voltou a ser reavivada pela Junta de Freguesia de Ermesinde (JFE), organismo que contou com a colaboração de um leque de coletividades e entidades locais para levar por diante a festa, entre outras a Associação Académica e Cultural de Ermesinde, a Associação Desportiva e Recreativa da Gandra, a União Desportiva e Recreativa da Formiga, a União Desportiva Cultural e Recreativa da Bela, os Bombeiros Voluntários de Ermesinde e a esquadra de Ermesinde da Polícia de Segurança Pública (e que nos desculpem todos as outras coletividades/entidades que deram o seu importante contributo para o desenrolar das várias fases do evento).

    Tal como no ano transato, o enredo do Enterro do João voltou a conhecer algumas novidades. Se em 2015 o João punha os pés em Ermesinde vivo e de boa saúde acompanhado da sua amante - contrariando assim a tradição de que o ilustre ermesindense regressava à terra já sem vida ou às "portas da morte" - em 2016 ele volta a surgir na freguesia a vender saúde e de novo a apunhalar o matrimónio com a sua legítima esposa, Maria Rambóia, que desta vez foi traída com… um homem! Na chegada do João à Estação de Ermesinde, ao início da tarde do dia 7, o S. Pedro deu tréguas e permitiu que o sol aparecesse tímido entre as nuvens a dar as boas vindas ao conhecido cidadão local, facto que fez com largas centenas de populares tivessem acorrido às imediações da estação para também eles saudarem o regressado João. Depois de saudar e agradecer a calorosa receção à multidão que o esperava, o João lá partiu num animado e colorido cortejo carnavalesco pelas ruas da cidade composto por centenas de foliões. Até que o João teve o seu final trágico, um atentado, ao que percebemos, que o leva "desta para melhor". O enredo tem então continuação na noite de 8 de fevereiro, com o velório do João, que teve lugar na zona onde esta tradição tem as suas raízes, a Travagem. Contrariamente a anos anteriores, o velório não ocorreu no largo da feira velha, como inicialmente estava previsto, pois devido à forte intempérie que, entretanto, voltou a assolar a região, a organização teve de encontrar um "Plano B" para continuar a levar por diante a paródia carnavalesca. E a solução passou por transferir o velório para o armazém da JFE situado junto aos terrenos da Resineira, um local que se iria revelar pequeno demais para acolher a multidão que não quis perder os capítulos seguintes do divertido enredo. Sobretudo o derradeiro capítulo, o do julgamento e o enterro - ou a queima neste caso - quiçá o ponto alto da festa, o qual aconteceu na noite de Carnaval (9 de fevereiro). Inicialmente, esta última fase da festa esteve agendada para os terrenos da Resineira, onde se encontrava instalado um palco para levar avante o capítulo do julgamento e a sempre aguardada leitura das deixas, mas como o S. Pedro não estava de fiar, a Junta resolveu continuar a festa no seu armazém. Também aqui a popular paródia carnavalesca sofreu alterações em relação ao que diz a história, isto é, este último ato deixou de ser realizado nas margens do rio Leça, mais precisamente entre as pontes ferroviária e rodoviária, onde, aliás, foi reproduzido desde que a JFE chamou a si a organização da festa, para passar a ser realizado ali ao lado, nos já referidos terrenos da Resineira. Isto acontece, e nunca será demais recordar, devido ao facto de as citadas margens se encontrarem em fase de recuperação, ao abrigo de um projeto abraçado pela Junta, e nesse sentido não se afigurarem como o palco ideal para levar por diante este particular capítulo do enredo. Aparte este pormenor logístico, ainda que importante de acordo com a história do Enterro do João, a organização tentou manter-se o mais fiel possível à tradição, e nesse sentido o final do popular cidadão de Ermesinde acabou por ser junto ao Leça, próximo da ETAR, onde os foliões assistiram à queima do (boneco do) João. Em suma, a tradição na sua essência, foi cumprida com eficiência, com um ou outro lapso, e aqui será de referir a deficiente dicção de algumas das personagens do julgamento, facto que a juntar à algazarra provocada pela multidão que lotou o armazém da Junta. em determinados períodos, quer do julgamento quer da leitura das deixas, tornava impercetível o que se passava em palco. Por fim, um elogio à eterna viúva do João, Maria Teles (Rambóia), a guardiã desta tradição, talvez a única pessoa que habita o "mundo dos vivos" que ajudou a enraizar na cultural popular local o Enterro do João, e como tal conhece como ninguém a essência desta paródia carnavalesca, ela que, mais um ano, foi um espetáculo dentro do próprio espetáculo. Como a própria Maria Rambóia confessou numa recente entrevista concedida ao nosso jornal, vai ser difícil um dia alguém a substituir no papel de viúva do João, pois "é preciso ter queda e lata", sobretudo queda Dona Maria, em nossa opinião, e a senhora tem que sobra.

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    AS DEIXAS DO JOÃO

    Momento imperdível da festa é por norma o período da leitura das deixas, que este ano foram 110, um pouco menos do que no ano passado e, como manda a tradição, as primeiras referem-se à vida do João. Eis, pois, algumas das pitorescas quadras que marcaram o Enterro do João de 2016:

    Boas noites meus senhores (e minhas senhoras, meninos e meninas, crianças e crianços, menos novos e menos velhos, mais novos e mais velhos, desamparados, encalhados e outros ados, bem, o melhor é começar.

    Continuamos a tradição

    de fazermos o funeral

    ao nosso amigo João

    (…)

    Minhas senhoras e meus senhores

    Aqui vos vou dizer

    A vida que o João passou

    Enquanto andou a viver

    Na Bela foi nascido

    Em Ermesinde foi batizado

    A sua mãe deixou-o à roda

    Com o nome de João bastardo

    Andou perdido na vida

    Teve sorte e não foi de aviário

    Foi parar aos States

    E por lá ficou milionário

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    (...)

    Em Nova Iorque viveu sem moral

    Por isso veio fazer um retiro

    Mal chegou a Portugal

    Foi morto com um tiro

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    (…)

    Como também manda a tradição as origens do Enterro do João nunca são esquecidas nas deixas, em particular à figura de Abílio Rambóia, que durante décadas a fio foi o principal dinamizador deste enredo carnavalesco.

    Se há funeral cá em Ermesinde

    Do nosso amigo João

    Agradecemos ao sr. Abilio

    Que os fez sem um tostão

    A causa de tudo isto

    E não para andar à bóia

    E para não apagar da memória

    Era o senhor Abílio Rambóia

    (pedir aplauso de homenagem)

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    E posto isto lá começaram as alfinetadas, tendo a primeira sido oferecida à vizinha freguesia de Alfena, que ao que parece quer imitar esta velha tradição ermesindense.

    Com as deixas que ele deixou

    Até é preciso ter pena

    Vejam que até deixou imitadores

    Lá para os lados de Alfena

    Surgem depois algumas reivindicações para Ermesinde, surgindo posteriormente os bens que o João deixa a inúmeras associações/instituições/personalidades ermesindenses.

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    E para bem de Ermesinde

    Por quem tenho muitos sentimentos

    Deixo uma grande maquia

    Para muitos melhoramentos

    Ao abrir estes responsos

    Pois o juiz não erra

    Deixo 1 milhão de euros

    Aos bombeiros da nossa terra

    (...)

    Por ser lar dos idosos

    Desses não me esqueceria

    Deixo mais 5 milhões de euros

    Para dar aos centros de dia

    E para o Centro Social

    Deixo as minhas mais valias

    Para que toda a cidade ajude

    E se deixem de manias

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    (...)

    E para a Associação Académica

    e Cultural de Ermesinde

    Porque têm competências

    Deixo mais associados

    Para aumentarem as valências

    E para a ADICE

    Com credito valoroso

    Deixo o meu reconhecimento

    E um abraço caloroso

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    Para a Sabor a Teatro

    Deixo muito das minhas posses

    E para afastar os artistões

    Os necessários fantoches

    E para o rancho da Casa do Povo

    Porque sei que não levam a mal

    Vou oferecer um calendário

    Para se lembrarem do Carnaval

    (...)

    E ao padre de Ermesinde

    Por ser dele que a gente gosta

    Deixo um milhão de euros

    Para fazer uma casa na Costa

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    A tradicional rivalidade entre Ermesinde e Valongo não escapa mais uma vez à língua afiada do João, que aproveita a oportunidade para mandar alguns recados ao atual presidente da Câmara.

    Deixo 2 milhões de euros à Junta

    Por ser gente de valia

    Para iluminar a cidade

    Que à Câmara competia

    Deixo a decisão ao povo

    Mesmo que Valongo leve a mal

    Mas só com Câmara em Ermesinde

    Seremos terra sem igual

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    (...)

    E das eleições presidenciais resultou

    Um novo presidente

    Eles ganham sempre

    E quem se lixa é a gente

    (...)

    Ao senhor presidente da Câmara

    Por quem tenho considerações

    Para o ano sei que conto consigo

    Porque é ano de eleições

    Para o ano não deixo nada

    Vai haver até balões

    Em 3 anos não fez nada

    Faz para o ano que são eleições

    Disse o senhor Ribeiro

    Que não fez promessas

    A mim fez-me duas

    Mas continua sem pressas

    Nem pavilhão da Bela

    Nem rio nem Resineira

    Não espere pelas eleições

    Pois parece sem eira nem beira

    E ao senhor Ribeiro

    Que por aqui está por um fio

    Ou investe em Ermesinde

    Ou nunca chegará a rio

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    (...)

    Deixo um pedido à Câmara

    Ponham tudo na panela

    O estádio está quase resolvido

    Falta o pavilhão da Bela

    E como também é hábito nem o Governo escapa às críticas do João.

    E para o Governo que carrega nos impostos

    Da ideologia abram mão

    Acabem com as coisas vitalícias

    Dêem a saúde e a educação

    (...)

    Ao Governo deixo um aviso

    A vida está mal e trabalho nem vê-lo

    Ou resolvem a situação

    Ou o povo da-vos no pelo

    E se o Governo continua assim

    Lá se vai a nossa sorte

    Vamos todos acabar

    Como a Churrasqueira do Norte

    O final, apoteótico, este ano foi assim:

    E agora prestem todos atenção

    Não vale a pena a chorar

    Pois queiram ou não queiram

    O João vai acabar

    Agora ninguém arrede pé

    Isto não é nenhum engano

    Só peço a Deus que estejamos

    Aqui todos para o ano

    E para não haver confusão

    Em vez de ser enterrado

    Porque não quero estar frio

    A minha vontade é ser cremado

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    E porque não há crematório

    E pouco quem o peça

    Vejam la a minha sina

    Vou ser queimado no Leça

    Dou os parabéns à Junta

    E a sério estou a falar

    A obra do rio ficou bonita

    Até da gosto de gabar

    Mas tirarem a festa do sítio

    Dá sempre que pensar

    Quando quiserem baixar os custos

    Vão atirar-me à ETAR

    Por: Miguel Barros

     

     

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