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    Arquivo: Edição de 12-07-2014

    SECÇÃO: Património


    TEMAS ALFENENSES

    O Palacete

    Fotos ARQUIVO AL HENNA
    Fotos ARQUIVO AL HENNA
    Na noite de 10 para 11 de Janeiro de 1963 a população de Alfena foi acordada, de uma ponta a outra, em grande sobressalto. A triste notícia correu célere, de boca a boca, de casa a casa, de lugar a lugar. 

    O Palacete, o edifício mais imponente, mais belo da Freguesia, construído há exatamente cinquenta anos, estava a ser consumido por pavoroso incêndio.

    Uma enorme multidão juntou-se rapidamente do local, embora mantida a distância segura pelas equipas das corporações de bombeiros que breve compareceram para o ataque ao incêndio, na tentativa de o extinguir ou, pelo menos, tentar conter os danos.

    Em vão, porém. O fogo continuava a grassar no interior do edifício, embora, de certo modo, lentamente, em virtude da abundância de fumo que limitava a combustão por escassez de gás comburente, o oxigénio.

    Até que, em dado momento, a claraboia construída com estrutura de ferro e vidro, na vertical da monumental escadaria, cedeu à pressão dos gases ou à elevada temperatura, produzidas pela combustão, ou talvez as duas coisas juntas, e aconteceu como que uma violenta explosão, um clarão enorme iluminou a noite escura.

    O desabamento da claraboia  fez libertar bruscamente o excesso de fumos, simultaneamente  o efeito de sucção daí resultante provocou o afluxo abundante de oxigénio, através das portas e janelas escancaradas dos pisos inferiores ao material combustível constituído pela rica e elegante escadaria, vigamentos, soalhos, portas e mobiliário diverso, tudo em ricas madeiras exóticas.

    Foi o princípio do fim, o fogo começou então a lavrar com uma violência tal que tornava inglório e frustrante o enorme esforço dos bravos bombeiros que, em vão, o tentavam combater, dois dos quais saíram feridos da violenta refrega.

    Ao cabo de poucas horas, do magnífico edifício restavam as paredes com as aberturas construídas em cantaria de granito do que foram até poucas horas antes elegantes portas e janelas com vitrais, agora enegrecidas pelo fumo.

    À data desta lamentável ocorrência, o edifício era pertença do Eng. Víctor Almeida, então residente em Estarreja, filho do seu construtor, Carlos dos Santos Almeida, do qual adiante traçaremos breve biografia, e, encontrava-se arrendado a pessoas estranhas ao meio alfenense, bem como a quinta anexa.

    A causa do incêndio foi atribuída a um curto-circuito ocorrido numa chocadeira que se encontrava no rés-do-chão, contudo essa não era a opinião generalizada do povo que manifestava a sua desconfiança relativamente aos inquilinos, à boca pequena insinuava-se que o fogo teria sido ateado com o intuito de receber a indemnização da companhia seguradora.

    Durante algum tempo as ruínas negras das paredes permaneceram de pé até que um conhecido empresário do lugar da Travagem, da freguesia de Ermesinde, adquiriu tudo o que restava da construção e da própria quinta, então muito devassada, promovendo a sua urbanização e posterior venda em talhões para construção de moradias.

    Hoje, a rua do Palacete, um dos arruamentos da referida urbanização, faz-nos lembrar o belo edifício que aí existiu por cinco décadas, que os mais velhos, ainda hoje, recordam com saudade.

    Após a sua demolição, grande parte da pedra e das bem trabalhadas cantarias de granito viriam, mais tarde, a ser utilizadas na construção das fundações da nova Igreja Paroquial e muros exteriores anexos à mesma.

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    Carlos dos Santos Almeida nasceu em 3 de Julho de 1878 na casa que ainda hoje existe, embora substancialmente alterada e modernizada, que permanece pertença de familiares seus, situada na Rua da Gandra, n.º 50, em Alfena.

    Era filho de António João dos Santos, que exercia a profissão de almocreve, e de Ana Marques, que se ocupava da lida da casa.

    Cedo partiu para a cidade do Porto para a aprendizagem no exercício da arte de carpinteiro da qual se tornou em pouco tempo exímio executante.

    Ainda jovem, partiu para a cidade do Rio de Janeiro, no Brasil, para junto de familiares seus aí instalados desde os anos de 1860, seus tios maternos Florindo e Manuel de Sousa Almeida e António Marques da Fonseca (Marques Padeiro), empresários na indústria de serração de madeiras e carpintaria. 

    Inteligente e dedicado ao trabalho, rapidamente se torna o preferido do tio Florindo que, preparando o seu regresso definitivo a Alfena, o escolhe para seu sucessor na gerência da empresa que, uma vez  consigo ao leme, sofreu forte impulso de crescimento e prosperidade.

    O seu casamento com Marieta, a filha predileta do Tio Florindo, reforça o seu ascendente sobre os demais sócios, em especial, após o regresso definitivo de Florindo à sua Alfena natal onde, na primeira década do Século XX, enceta a construção de dois belos edifícios, ainda hoje existentes, ambos na Rua 1º de Maio, um no n.º 2548, à Codeceira, outro no n.º 1876, a Baguim, este precisamente frente ao local onde Carlos dos Santos Almeida, alguns anos depois, em 1913, viria a construir o edifício objeto desta crónica. 

    Adquirido grande parte do quarteirão, hoje delimitado pelas ruas 1º de Maio, Alexandre Herculano e de Baguim, Carlos chama ao Brasil seu irmão mais novo, António dos Santos Almeida, para o substituir à frente dos negócios brasileiros, instala-se em Alfena no início da segunda década do Século XX, decidido a ser ele próprio a dirigir a construção da casa dos seus sonhos, que viria a concluir em 1913, como atrás referimos.

    Carlos Almeida não deixou de exercer a sua paixão pela arte de trabalhar a madeira, não alijando a oportunidade de deixar a sua marca na imponente moradia, a escada monumental do primeiro ao segundo piso e a sua continuação em caracol até às águas furtadas, eram importantes trabalhos de carpintaria artística, objeto de estudo e admiração de especialistas, pelas engenhosas soluções adotadas na sua construção.

    Homem inteligente, de iniciativa, imbuído de espírito prático, habituado a resolver e a fazer, Carlos dos Santos Almeida, não deixou de dar o seu inestimável contributo em prol da comunidade que o viu nascer.

    Foi presidente da Junta de Freguesia de 1911 a 1914, nessa qualidade, por imperativo das Leis promulgadas após a implantação da República, em 1910, nomeadamente a Lei da Separação da Igreja e do Estado, em abril de 1911 coube-lhe a incumbência de organizar a entrega dos bens da Igreja ao Estado.

    Afetado por doença, nos dias de hoje de relativamente fácil tratamento, mas de cura difícil, senão impossível à época, Carlos dos Santos Almeida viria a falecer ainda novo, em 1926, com 48 anos de idade.

    Por: Arnaldo Mamede - Al Henna

     

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