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    Arquivo: Edição de 16-05-2014

    SECÇÃO: Crónicas


    CRÓNICAS DE LISBOA

    Os Loucos no Futebol

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    O futebol, para além de um jogo, com muitos séculos de existência, embora na sua versão atual, tenha pouco mais de cem anos, e como jogo, é algo que, do ponto de vista racional, é de difícil explicação. Em, muitos aspetos pode ser equiparado a uma arte, mas as paixões clubistas ou de nacionalismos, vividas fora das quatro linhas e durante os dias do antes e do depois dos jogos, acrescentam-lhe algo que praticamente só existe nas guerras e rivalidades entre povos, seja a nível de bairros, regiões ou mesmo entre nações. Depois e desde que outros interesses descobriram o futebol como veículo que serve às mil maravilhas outros propósitos, este deixou de ser um mero jogo que tem a sua beleza e é também, para quem o pratica, um excelente exercício físico e lúdico e que ajuda a moldar a formação humana, principalmente nos jovens, se este for corretamente utilizado. Mas, infelizmente, o futebol como “arma de arremesso” ou de deformação humana começa logo nos escalões jovens e em vez de ser “uma escola de virtudes” e perseguir aquele objetivo, pelo qual todos deveríamos lutar, de “mente sã em corpo são” – contribuindo assim para a formação de cidadãos com “fair play” e educação – faz nascer logo aí os vírus que vão atacar um jogo que deveria ser isso mesmo, por mais épica ou dramática que seja uma partida de futebol. O futebol é apenas a coisa mais importante das coisas menos importantes e mesmo que se sejamos um ferrenho e doente adepto da nossa equipa, o drama ou a euforia não deve levar os adeptos a situações de verdadeira guerra com destruições de bens e mesmo de mortes, como muitas vezes tem acontecido. Só a falta de “fair play”, má formação humana, ódios e rivalidades amordaçadas, juntamente com outras doenças sociais, muitas vezes habilmente manipuladas por parte de alguns agentes com propósitos bem delineados, fazem com que em torno de um jogo de futebol ou por causa dele, possam surgir as terríveis barbáries que mostradas pela imprensa, principalmente a televisão, nos fazem corar de vergonha numa época em que as sociedades modernas deveriam concentrar as suas energias no combate a males que a todos nos afetam, como sejam, por exemplo, as guerras (estas infelizmente verdadeiras), a fome em muitos países, as calamidades, as “crises económicas de crescimento” e, agora muito na ordem do dia, a ecologia e os riscos que a humanidade corre, se não invertermos o rumo das agressões, alterando muitos dos nossos hábitos e práticas, porque a natureza não se queixa das agressões dos humanos, vinga-se.

    Mas voltando ao futebol, constatamos que os loucos e bárbaros andam à solta no futebol, sejam eles dirigentes ou simples adeptos das equipas, onde, pelos vistos, tudo é permitido e as autoridades, políticas, desportivas, judiciais (incluindo a justiça desportiva) e policiais se sentem incapazes de implementar normas e práticas de combate eficaz a todos aqueles que se servem do futebol para levarem ao limite a sua malvadez. E os contribuintes, sejam ou não adeptos, acabam por suportar os custos dos devaneios dalguns milhares de adeptos que encontram no futebol o campo neutro para fazerem tudo o que de mau tem a besta humana. Quanto custa, ao erário público, o policiamento de acompanhamento e controlo das claques, para além da triste imagem que nos dão, até porque as televisões lhes dão um relevo incompreensível?

    Mas se há países onde o controlo é mais eficaz do que no nosso, outros há ainda bem piores, mostrando que também a universalidade do futebol abrange aquilo que de mau gira em torno dele. Por exemplo, num recente fim de semana, chegaram-nos notícias e imagens chocantes da evoluída Alemanha, onde a rivalidade entre adeptos de dois clubes da primeira liga alemã (Hannover 96 e Eintracht Braunschweig) ultrapassaram os limites do intolerável. A notícia diz e mostra um cordeiro morto e degolado e pendurado nas redes do complexo desportivo do Hannover 96, e com um cartaz que tinha escrito: «No domingo – dia do jogo a disputar entre os dois clubes – será a vossa vez, seus animais nojentos!», mensagem que se destinava à equipa do Hannover 96. No jogo da primeira volta, em Braunschweig, soltaram um porco com um cachecol do Hannover com o número 96, por este fazer parte do nome do Hannover, e do outro lado o n.º 1, numa alusão ao antigo guarda redes do Hannover e do Benfica, Robert Enke, que se suicidou em 2009, atirando o seu automóvel contra um comboio. Aliás, a imagem do malogrado jogador, que sofria de depressão, foi também, em tempos usada pelos adeptos do Eintrach, numa faixa, com um comboio na boca, e com o seguinte dizer: «Follow your keeper – Sigam o vosso guarda-redes...!». Dias antes e também da evoluída Suécia, veio a notícia dum adepto morto no confronto, em plena cidade, entre as claques de dois clubes que, nesse dia, disputavam um jogo do campeonato sueco.

    Estes são apenas dois exemplos mas que ilustram como andam à solta os loucos e os bárbaros no futebol e se com o mal dos outros podemos nós, como diz o povo, por cá coisas semelhantes também vão ocorrendo, até porque os rastilhos são lançados por aqueles que deveriam dar o exemplo. Em resposta às acusações, os dirigentes do nosso futebol atiram-nos com areia aos olhos dizendo: «Se todos os males do nosso país fossem o futebol!...». Têm razão? Mas além disso, nada lhes dá o direito de serem inimputáveis ou irresponsáveis nas suas ações e nada lhes permite manipularem as emoções dos adeptos e fazer do futebol um campo de batalha, ou um jogo de interesses alheios à modalidade, com graves consequências e a própria morte deste popular e bonito desporto/espetáculo. E a nossa imprensa, com destaque também para as televisões, que nos exibem longas horas de futebol, mas onde o blá, blá, blá do fora de jogo, etc., veiculado até à exaustão por todo o tipo de comentadores prevalece sobre todos os outros valores de que o futebol deveria dar exemplo. E no meio disto tudo há ainda o elo mais fraco – os árbitros. A loucura é uma doença que associada a outras, mata. E o futebol não está imune a essa morte que até nem é tão lenta quanto se julga.

    Por: Serafim Marques

     

     

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