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    Arquivo: Edição de 15-04-2014

    SECÇÃO: Destaque


    Viver com o inferno por cima da cabeça

    Fotos URSULA ZANGGER
    Fotos URSULA ZANGGER
    As sapatas de um poste de alta tensão (ou melhor, de muito alta tensão), entram-lhe quase literalmente pela casa dentro. Mas como se não bastasse, o senhor Delfim Ferreira, residente no lugar do Lombelho, na alta de Alfena, sente no corpo que há alguma coisa que não está bem. E a dar-lhe razão está o busca-polos que sem tocar em aparelho nenhum, se acende no ar, no primeiro andar da sua casa, revelando ali a passagem da corrente elétrica.

    A história já vem de longe, mas parece ter-se agravado em agosto de 2013, quando a REN procedeu a obras de alteração da voltagem da linha elétrica aérea que passa precisamente sobre a casa deste cidadão, e a escassos metros desta, assente no tal poste que inacreditavelmente quase lhe entra pela casa dentro. E esta é uma primeira interrogação que qualquer pessoa de imediato faz: como é possível ter-se construído o referido poste em cima daquela residência? A situação é, contudo, ainda mais complicada do que logo à primeira vista parece. É que, conforme relata Delfim Ferreira, o poste e a casa foram concluídos praticamente na mesma altura e não se percebe como foi possível semelhante licenciamento soimultâneo.

    Aliás, na carta que, logo em 20 de setembro de 2013, depois de sentir que alguma coisa não estava bem a partir das alterações na linha realizadas em agosto pela REN, Delfim Ferreira escrevia o seguinte em carta àquela entidade, referindo-se à Linha Aérea a 220Kv, Recarei -Vermoim, Poste n.º 34: «(... No ano de 2000 acordei com V. Exas na construção de um poste de linha de alta tensão de 220Kv que afecta a minha propriedade sita na Rua de S.Pedro, 217/219, Alfena, Valongo, de acordo com a v/ missiva que junto em anexo para melhor apurarem a situação (...)».

    Na missiva referida, datada de 17 de março de 2000, entre outras coisas, refere-se: «(...) está esta empresa a proceder à construção de uma linha de alta tensão (...), tornando-se necessário para o efeito proceder à montagem de um a perna num poste que afecta uma propriedade de V. Exa. (...) Para satisfação do que nos foi solicitado igualmente se confirma que os trabalhos a realizar, que foram acordados com V. Exa e que incluem a fundação que afecta o seu lote, ficarão concluídos até ao final do mês de Março.

    Mais se informa que essa fundação não será removida em caso de alteração futura desta linha, por forma a não produzir ndanos nas construções de V. Exa.

    Agradecendo desde já as facilidades que nos teem sido concedidas, para permitir a normalidade de execução da obra, continuamos ao dispor de V. Exa para qualquer esclarecimento (...)», cumprimentos, etc..

    Mas voltemos então à carta de setembro de 2013 de Delfim Ferreira: «Contudo, [h]á cerca de um mês atrás, em Agosto de 2013 constatei, o que ademais foi confirmado pelos vossos funcionários e a própria EDP, que procederam a obras de alteração de voltagem da linha aérea em causa, sem que para tal me tenham solicitado qualquer autorização ou dado o devido conhecimento.

    O que tinha sido acordado era uma linha aérea de 220Kv, e o que hoje passa na minha propriedade no poste contíguo é uma linha aérea de 400Kv, quase o dobro da voltagem acordada.

    A partir da data desta alteração passei a ouvir um ruído infernal que me provoca, assim como à minha família, um terrível mal estar. Além do mais, a própria radiação põe em perigo o nosso bem-estar e a saúde, um bem que não tem preço.

    Por 3 vezes contactei os vossos serviços para o número de avarias técnicas eléctricas a relatar esta situação. No entanto estes serviços têm-se demonstrado ineficazes na resolução do problema».

    E o senhor Delfim terminava declarando que se no prazo de 15 dias a REN não tomasse providências para repor a linha de 220Kv, «tal como foi acordado», ou retirasse «de imediato dali a linha que invade o espaço aéreo» da sua «propriedade e residência», encetaria as «devidas diligências necessárias para terminar com esta situação abusiva e atentatória à dignidade e saúde física e mental», sua e da sua família.

    Não recebendo resposta, a 11 de novembro apresentou o Sr. Delfim uma reclamação em moldes idênticos.

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    E ainda sem resposta voltaria a escrever à REN, desta vez a 30 de dezsembro, relembrando: «No ano de 2000 acordei com V. Exas a colocação/construção de um poste de linha de alta tensão de 200Kv apoiado com a sapata por baixo da garagem da [sua] propriedade (...)».

    E precisava ainda melhor os efeitos da alteração da voltagem: «(...) um ruído infernal que provoca a toda a família um terrível mal estar e até terror. Mais, em qualquer das varandas da habitação é visível a presença de energia com um busca-polos, assim como a presença de luz numa lâmpada fluorescente. Vivemos, também, sob o efeito das consequências de um campo eletromagnético que nos prejudica na saúde e no nosso bem estar (...)».

    O senhor Delfim anunciava então que iria dar conhecimento, como realmente o fez, às Direções Gerais de Energia e Saúde, à Câmara Municipal de Valongo e à DECO. O mesmo fez em relação à CCDRN.

    De uma das queixas apresentadas à EDP, receberia o Sr. Delfim Ferreira a seguinte resposta: «(...) As linhas a que se refere são da REN. (...) Contudo não podemos deixar de informar que estas infra-estruturas são projetadas e construídas de acordo com as normas nacionais e internacionais aplicáveis, garantindo sempre margens de segurança superiores às estabelecidas.

    Os níveis de segurança requeridos são ainda garantidos através de acções periódicas de verificação e manutenção, pelo que, salvaguardando eventuais acções externas, o próprio índice de avarias é extremamente reduzido.

    Assim, e por princípio, não existem riscos de natureza elétrica para as pessoas e bens que se situem nas imediações destes equipamentos (...)».

    E no sentido de comprovar a não ultrapassagem desses valores, procedeu entretanto a REN a mais do que uma medição junto da casa deste munícipe, medições estas acompanhadas por mais do que uma vez por uma técnica da Divisão de Ordenamento do Território e Ambiente.

    De resto a Câmara tem-se interessado pelo problema sobretudo através do vereador da CDU, Adriano Ribeiro, que visitou o local. Também a Junta de Freguesia de Alfena tem procurado acompanhar a situação.

    Um abaixo-assinado está a correr, em protesto pela situação decorrente do aumento da voltagem no local.

    CIRCUNSTÂNCIAS

    ANÓMALAS

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    Uma vizinha, Fátima Varela, confirma o ruído ensurdecedor, que, como relata a esposa do Sr.Delfim é sobretudo medonho à noite e quando chove – «até doem os ouvidos!».

    «Isto vai-nos matar, a curto ou longo prazo, se nada for feito», aponta ainda o senhor Delfim Ferreira.

    O estranho disto tudo é que os terrenos foram urbanizados quando as linhas já estavam instaladas. A casa de Delfim Ferreira, por exemplo, só ficou concluída já depois da instalação do poste de alta tensão com a sapata por baixo da sua propriedade.

    Recorda ainda que, na altura, foi «obrigado a aceitar» 400 contos pela instalação.

    Quem puder explicá-lo que o faça. O certo é que na reunião da Câmara em que este assunto foi discutido os autarcas foram comedidos na apreciação da perigosidade da voltagem. «Os académicos é que devem pronunciar-se sobre isso, tudo o resto é especulação», foi mais ou menos isto. E ainda que o enterramento das linhas se resolvia questões de urbanismo, deixaria por resolver as questões ligadas ao eventual perigo da radiação eletromagnética. No que todos foram unânimes foi em reconhecer o terror que paira literalmente por cima da cabeça das pessoas desta família. Mas na reunião da Câmara ninguém aventou inquirir em que condições e quem aprovou estes licenciamentos.

    E havendo, de qualquer modo, alertas vindos também da própria comunidade científica, alguns deles já reconhecidos pelas autoridades comunitárias, pelo sim pelo não, o mínimo que se exige é que, por elementar precaução, o direito à vida e à saúde venha em primeiro lugar. A falta de zelo em sentido contrário, essa é bem pior!

    Por: LC

     

     

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